domingo, 19 de outubro de 2014

Cláudio de Sousa

Certa tarde, ao sair de um livreiro, se me deparou o Nunes, que havia muito não encontrava. Acabava de doutorar-se em medicina. Arrastou-me para um café sonolento e vazio. Contou-me as peripécias da defesa de tese, suas esperanças, a alegria de se ver, enfim, livre e senhor de si. Ouvia-o distraído. Entraram, sucessivamente, duas mulheres, e tomaram assento, olhando-nos com insistência. Uma era rubicunda e grosseira. A outra, ruiva e seca, tinha a pele picada pela varíola, cujas cicatrizes lhe davam o aspecto da fruta de conde. A imaginação povoada pelas sacerdotizas de Afrodite, mirei-as com repugnância.
Queres ouvir-me ou não? - disse-me o Nunes, que logo acrescentou, ao ver para onde me iam os olhos: - A ruiva é graciosa, mas a gorducha só como domingo de Páscoa após alguma quaresma severa.

"As Mulheres Fatais", Cláudio de Sousa

(Cláudio de Sousa nasceu no dia 20 de Outubro de 1876. Morreu em 1954.)

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