Sousa Costa usava bigodes onde a brilhantina indiscreta suava negrores nítidos. Aliás todo ele era um cuitê de brilhantinas simbólicas, uma graxa, mônada sensitiva e cuidadoso de sua pessoa. Não esquecia nunca o cheiro no lenço. Vinha de portugueses. Perfeitamente. E de Camões herdara ser femeeiro irredutível.
Em tempos de calorão surgiam nos cabelos negros de Dona Laura umas ondulações suspeitas. Usava penteadores e vestidos de seda muito largos. Apenas um gesto e aqueles panos e rendas e vidrilhos despencavam pra uma banda, afligindo a gente. Meia malacabada. Era maior que o marido, era. Lhe permitira aumentar as fábricas de tecidos no Brás e se dedicar por desfastio à criação do gado caracu.
Nas noites espaçadas em que Sousa Costa se aproximava da mulher, ele tomava sempre o cuidado de não mostrar jeitos e sabenças adquiridos lá embaixo no vale. No vale do Anhangabaú? É. Dona Laura comprazia com prazer o marido. Com prazer? Cansada. Entre ambos se firmara tacitamente e bem cedo a convenção honesta: nunca jamais ele trouxera do vale um fio louro no paletó nem aromas que já não fossem pessoais. Ou então aromas cívicos. Dona Laura por sua vez fingia ignorar as navegações do Pedro Álvares Cabral. Convenção honesta se quiserem... Não seria talvez a precisão interior de sossego?... Parece que sim. Afirmo que não. Ah!, ninguém o saberá jamais!...
Nas noites espaçadas em que Sousa Costa se aproximava da mulher, ele tomava sempre o cuidado de não mostrar jeitos e sabenças adquiridos lá embaixo no vale. No vale do Anhangabaú? É. Dona Laura comprazia com prazer o marido. Com prazer? Cansada. Entre ambos se firmara tacitamente e bem cedo a convenção honesta: nunca jamais ele trouxera do vale um fio louro no paletó nem aromas que já não fossem pessoais. Ou então aromas cívicos. Dona Laura por sua vez fingia ignorar as navegações do Pedro Álvares Cabral. Convenção honesta se quiserem... Não seria talvez a precisão interior de sossego?... Parece que sim. Afirmo que não. Ah!, ninguém o saberá jamais!...
E quem diria que Sousa Costa não era bom marido? Era sim. Fora tão nu de preconceitos até casar sem pôr reparo nas ondas suspeitas dos cabelos da noiva. E bem me lembro que ficaram noivos em tempo de calorão... Dona Laura retribuía a confiança do marido, esquecendo por sua vez que bigodes abastosos e brilhantinados são suspeitos também. Sentia agora eles trepadeirando pelo braço gelatinoso dela e, meia dormindo, se ajeitando:
- Vendeu o touro?
- Resolvi não vender. É muito bom reprodutor.
Dormiam.
"Amar, Verbo Intransitivo", Mário de Andrade
(Mário de Andrade nasceu no dia 9 de Outubro de 1893. Morreu em 1945.)
"Amar, Verbo Intransitivo", Mário de Andrade
(Mário de Andrade nasceu no dia 9 de Outubro de 1893. Morreu em 1945.)
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