sexta-feira, 23 de maio de 2014

Ferreira de Castro 2

Fato branco, engomado, luzidio, do melhor H. J. que teciam as fábricas inglesas, o senhor Balbino, com um chapéu de palha a envolver-lhe em sombra metade do corpo alto e seco, entrou na "Flor da Amazónia" mais rabioso do que nunca.
Ter andado de Herodes para Pilatos, batendo todo o sertão do Ceará no recrutamento dos tabaréus receosos das febres amazonenses e tranquilos sobre o presente, porque há anos não havia secas, e afinal, depois de tanto trabalho, de tantas palavras e canseiras, fugirem-lhe nada menos de três! Que diria Juca Tristão, que o tinha por esperto e exemplar, quando ele lhe aparecesse com três homens a menos no rebanho que vinha pastoreando desde Fortaleza? E o Caetano, que ambicionara aquele passeio por conta do seringal e assistira, roído de inveja, a sua partida? Rir-se-iam dele... Quase dois contos atirados por água abaixo!
No topo da escada, esbatendo-se na penumbra, surgiu o abdome e logo o rosto avermelhado de Macedo, proprietário da "Flor da Amazónia".
- Então, senhor Balbino?
- Nada!
- Sempre falou com o chefe da Polícia?
- Falei com o secretário.
- E que disse ele?
- É tudo uma malandragem! Ah, bom tempo em que havia relho e tronco! Então, esta canalha andava mesmo metida na ordem! Hoje, não se prende ninguém por dívidas e dizem que já não há escravos. E os outros? Os que perdem o que é seu? Vem um homem a fazer despesas, a pagar passagens e comedorias e até a emprestar dinheiro para eles deixarem as mulheres, e depois tem-se este resultado! Lhe parece bem? Ora diga, senhor Macedo: lhe parece bem?

"A Selva", Ferreira de Castro

(Ferreira de Castro nasceu no dia 24 de Maio de 1898. Morreu em 1974.)

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