segunda-feira, 11 de junho de 2012

Anthony Bourdain deixou-me ficar mal

Gosto do estilo e dos programas de Anthony Bourdain, a estrela de televisão que acaba de se mudar de armas e bagagens para a CNN. Apresentei-o a amigos, recomendei-o aqui. E gosto tanto que, ao princípio da noite de sábado, enquanto quase quatro milhões de portugueses sofriam com a segunda parte do Alemanha-Portugal da RTP, eu entretinha-me a ver na SIC Radical dois episódios do No Reservations, um dos quais dedicado a Macau. Mas fiz mal. Afinal tive um desgosto, já não bastava o da bola.
São episódios recentes, suponho que da temporada de 2011. No de Macau, que é o que para o caso interessa, a certo passo Bourdain quer saber da herança lá deixada pelos portugueses, nomeadamente na gastronomia, e levam-no ao Restaurante Fernando. É casa de açoriano e é ali que o ex-chef mais famoso do mundo vai provar os dois mais notáveis paradigmas da cozinha tradicional açoriana: as tripas à moda do Porto e a carne de porco à alentejana. Não estou a brincar. Eu nunca mais tenha apetite se não foi assim que Anthony Bourdain referiu depois estes dois pratos no seu programa: a dobrada e o porco com amêijoas como invenções dos Açores.
Confundiram-no ou confundiu-se. Em qualquer dos casos, o bom do Tony não fica bem no retrato. Vê-se que se calhar não se prepara, dá para desconfiar que não pesquisa, que não confirma. É uma celebridade, bebe uns copos e faz ele muito bem, fia-se nos informadores locais, assina por baixo e faz ele muito mal. Percebo agora porque é que comeu bifanas em Lisboa.
Curiosamente, até há quem defenda que a carne de porco à alentejana é um prato de origem algarvia, confeccionado, isso sim, com carne de animais alimentados no Alentejo, mas deslocalizá-lo para os Açores é ir longe de mais. É meter muita água pelo meio. Já quanto às famigeradas tripas, fosse Bourdain aos seus arquivos pessoais e teria facilmente descoberto que, dez anos antes, elas lhe tinham sido apresentadas e explicadas no Porto, o local certo e de nascença.
Salvou-se a alcatra, que também saltou para a mesa do restaurante macaense. A alcatra, sim, pode ser entronizada como o grande contributo da cozinha açoriana para o património gastronómico da humanidade. A alcatra honesta, feita por mão sábia e em alguidar experiente, a alcatra do aroma que chama, do gosto como nenhum outro, da carne a desfazer-se na boca. A alcatra de Vitorino Nemésio, da festa e da fartura. Da partilha.
Melhor do que a alcatra, só a alcatra de peixe. Exactamente, alcatra de peixe. Melhor ainda: a alcatra de peixe de um certo sítio em Porto Judeu, não muito longe de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira. Que mais querem saber? O Zé do Boca Negra trata os clientes todos por tu? Trata. Dá raspanetes à freguesia? Dá, mas é a única borla. É sportinguista? É, coitado. Fala pelos cotovelos? Fala, fala. Tem quatro. Quatro em cada braço. E a alcatra de peixe? É um fenómeno ainda maior.

4 comentários:

  1. Quem sabe, sabe. Mai nada!
    Grande abraço,
    P.

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  2. Dá para calcular as argoladas que ele terá metido por todos os países por onde tem andado. Mais uma decepção.
    M.

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    1. Foi o que me passou pela cabeça. Obrigado pela visita e pelo comentário.

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