sexta-feira, 8 de junho de 2012

Eugénio da Andrade não merecia

Foto RICARDO CASTELO

A Fundação Eugénio de Andrade, no Porto, foi extinta. Fechou, em Setembro, por falta de apoios e de dinheiro, e já não vai a tempo de emigrar para a Holanda, como o Pingo Doce, ou fugir para o Brasil, como a Leya, em busca de uma cidade e de um país que a mereçam. Creio que a questão que nos deve fazer pensar é exactamente esta e não outra: a Fundação Eugénio de Andrade, no Porto que salvou o Coliseu, teve que fechar portas, apenas seis anos após a morte do poeta; como foi isto possível, nas nossas barbas?
Fala-se de despejos, de intrigas, de mentiras e conveniências mais ou menos declaradas, atiram-se culpas de ida e volta, há conferências de imprensa e ameaças com tribunal. Recuso-me a nomear esta gente, não me interessa quem é quem em cada lado da barricada ou barricadas - autarquia, ex-directores da fundação ou herdeiros de Eugénio de Andrade. Pergunto: em nome de quê ou de quem foram levantadas as barricadas que deram nisto, nesta barracada? Como pode esta gente, agindo de formas tão diferentes e contrárias, dizer toda que está a respeitar "a vontade do escritor"?
O espólio de Eugénio de Andrade pertence, por testamento, à cidade do Porto e está à guarda da Câmara Municipal. Os ex-directores defenderam ontem que o melhor destino a dar ao imóvel que durante 19 anos acolheu a fundação seria criar uma casa-museu dedicada ao poeta, uma Casa da Poesia.
Confesso que, de momento, o futuro do legado físico de Eugénio de Andrade é o que menos me inquieta. O espólio é certamente importante, vale dinheiro, e portanto alguém lhe há-de dar rumo e uso, mal nos desprecatemos. E a casa, palavra de honra que não acredito que a insensibilidade cultural de Rui Rio chegue ao cúmulo de ele não arranjar uma solução que a ligue de modo efectivo e digno ao grande poeta, logo que a poeira assente.
O que me incomoda, de momento, é o circo desnecessário e maldizente montado à volta e em nome do nome e da memória-memória de Eugénio de Andrade. Ele não merecia isto. E merecia mais de nós todos que não fizemos nada.

(No início do ano fizeram de Eugénio de Andrade notícia, por razões que o poeta não merece. E depois Eugénio morreu outra vez. Foi há cinco meses. Publiquei então este texto, hoje enriquecido com a excelente foto do Ricardo Castelo.)

9 comentários:

  1. Excelente Foto sim! Quem como eu lidou com o Poeta, sabe como ele não gostava que o fotografassem. O Ricardo esteve muito bem, disparou sem que o Eugénio se apercebesse e o resultado foi excelente.
    Quanto a tudo o mais... quanto tempo falta, para que o malfeitor RUI RIO se vá embora da Autarquia...???
    Gaspar de Jesus

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    1. Obrigado, caro Gaspar de Jesus, pela visita e pelo comentário (pela parte que me toca). Grande abraço,
      h.

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  2. Eu estou a fazer a contagem decrescente, praticamente desde que ele lá está. Parece uma eternidade o tempo que passou, outra eternidade o que falta. Entretanto, quanto ao Porto que existia antes do RR, senão morreu, está em pré-coma. Terá salvação? Terá quem o salve?
    M.

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  3. Encerrar um lugar que poderia (poderá) vir a ser um merecido Museu! é uma derrota, sem dúvida. "Não poderia viver onde a luz fosse estrangeira", uma das muitas declarações de Amor ao país que não o merece. Mas Mesmo assim, ou precisamente por isso, há que ler, divulgar, oferecer, cantar o mestre, devolvendo a cal às aos muros do seu quintal, às paredes da sua casa, o sal à sua língua, devolvendo-lhe também a sua tangerina, oferecendo-lhe LUZ e TODAS AS ROSAS DOS JARDINS!

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  4. Somos nós "leitores" - que também não gostam do Facebook! quem tem de lhe agradecer! Até o Eugénio iria gostar de ler os seus textos! E talvez os comentasse assim:
    São como cristal, as palavras.
    Algumas, um punhal,
    um incêndio.
    Outras, orvalho apenas.
    Ou, quem sabe, fosse às gavetas das suas muitas excelentes traduções desembrulhar o poema "Rajada" de Enzensberger - o cão que compreende alemão diria "Windgriff"! -
    há palavras
    que mais tarde talvez
    removerão a terra

    que espalharão sombra
    uma sombra delgada
    ou talvez não

    Escreva, escreva, escreva.
    Bem haja!

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  5. http://www.publico.pt/local-porto/jornal/sala-dedicada-a-eugenio-de-andrade-vai-abrir-na-antiga-biblioteca-do-porto-25796902

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