A madama tinha um cão ao colo e, entre as pernas mas ao nível dos sapatos de tacão altíssimo, uma bolsa em poliéster com rede e design italiano.
 Era uma madama jovem, bela e produzida, esperável ao volante de um 
Porsche Cayenne e a lamber o telemóvel, e não ali, no banco do autocarro
 e a ser lambida pelo cão. O cão era a condizer: sucinto, peludo, de 
marca, transpirando pedigree por todos os poros. Uma fofura.
Sentia-se-lhes
 um orgulho mútuo, percebia-se uma relação muito bonita. Que ternura! A 
madama babada beijava o lingrinhas barbudo e o lingrinhas barbudo e 
babado beijava a madama babada. Beijavam-se na boca. Lambiam-se, se não 
me engano. A madama falava 
xi-qui-pi-ri-qui-ti-nhu-nhu-nhu-meu-querido-mais-beijinho-mais-beijinho-mais-beijinho-da-mamã
 e o 
xi-qui-pi-ri-qui-ti-nhu-nhu-nhu-meu-querido-mais-beijinho-mais-beijinho-mais-beijinho-da-mamã
 não dizia nada mas apenas por ser cão e por gostar de festas nos 
genitais e não querer interromper a coisa. Realmente só lhe faltava 
falar, ao cão, como muito bem observou o autocarro em coro, era o 500, e
 até eu me comovi, eu que, como sabem, mantenho um ancestral e 
desagradável contencioso com os canídeos de uma forma geral, e cuido que
 a culpa não é minha. A cena deu-me também um bocado de tesão.
A madama apeou-se na paragem de Matosinhos Praia, sempre com o cão ao colo, sempre xi-qui-pi-ri-qui-ti-nhu-nhu-nhu-meu-querido-mais-beijinho-mais-beijinho-mais-beijinho-da-mamã. Com a mão de vago, a madama pousou no passeio a bolsa em poliéster com rede e design italiano, abriu-a e retirou de lá de dentro um bebé de meses. Menino, vestia azul. Também era giro.
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