domingo, 20 de setembro de 2020

Noémia de Sousa 3

Súplica
 
Tirem-nos tudo,
mas deixem-nos a música!
 
Tirem-nos a terra em que nascemos,
onde crescemos
e onde descobrimos pela primeira vez
que o mundo é assim:
um labirinto de xadrez...
 
Tirem-nos a luz do sol que nos aquece,
a tua lírica de xingombela
nas noites mulatas
da selva moçambicana
(essa lua que nos semeou no coração
a poesia que encontramos na vida)
tirem-nos a palhota - humilde cubata
onde vivemos e amamos,
tirem-nos a machamba que nos dá o pão,
tirem-nos o calor de lume
(que nos é quase tudo)
- mas não nos tirem a música!
 
Podem desterrar-nos,
levar-nos
para longes terras,
vender-nos como mercadoria,
acorrentar-nos
à terra, do sol à lua e da lua ao sol,
mas seremos sempre livres
se nos deixarem a música!
Que onde estiver nossa canção
mesmo escravos, senhores seremos;
e mesmo mortos, viveremos.
E no nosso lamento escravo
estará a terra onde nascemos,
a luz do nosso sol,
a lua dos xingombelas,
o calor do lume,
a palhota onde vivemos,
a machamba que nos dá o pão!
 
E tudo será novamente  nosso,
ainda que cadeias nos pés
e azorrague no dorso...
E o nosso queixume
será uma libertação
derramada em nosso canto!
- Por isso pedimos,
de joelhos pedimos:
Tirem-nos tudo...
mas não nos tirem a vida,
não nos levem a música!

Noémia de Sousa

(Noémia de Sousa nasceu no dia 20 de Setembro de 1926. Morreu em 2002.)

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