Na Avenida, sobre a direita, profusas rutilâncias de gás circundam um pretensioso barracão, de balaústres de ripas e arcarias de lona, que o município tinha deixado armar no sítio onde fora o Teatro da Rua dos Condes. O palpitar fulvo da luz dourava de uns gafos arremedos de opulência a cola ardida das toscas pinturas - liras, capitéis e cornijas de açafrão, pórticos envernizados a breu, máscaras cor de tomate -, e iluminando em cheio, na frente, a escarolada lisura dos novos canteiros, fazia alucinativamente dançar, pela larga rampa acima, abstractas aglomerações, fantásticas sombras, intestinos de prédios, esqueletos de árvores, arquitecturas descomunais de pesadelo.
Atraído simplesmente pela luz, numa estagnação das faculdades, lasso, imbecil, tinha vindo o barão sentar-se num banco, frente ao teatro. Dentro a representação - ouvia-se - electrizava o público. Em pleno "sucesso" a revista do ano findo. Acanalhadamente, as coplas em voga sucediam-se, feitas "bisar", num estrupido de palmas. Distraído e maquinal, o barão escutava.
"O Barão de Lavos", Abel Botelho
(Abel Botelho nasceu no dia 23 de Setembro de 1854. Morreu em 1917.)
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