Cama de casal numa pensão algarvia. Acende-se o candeeiro na mesa de
cabeceira e surge a mulher de pé com um roupão azul.
"O que é?",
pergunta ele. Durante todo o dia anterior a essa noite fora a luta contra as
ondas e os peixes, junto da Ponta de Sagres. O sono puxa por ele, segura-o como
quem tenta evitar que ele entre no real quotidiano acordado.
"Estive
no quarto do Bernard", diz a mulher. «Estive com ele, queria que tu soubesses
isso imediatamente.»
Apesar do sono, ele revê a esplanada de Algés
onde a mulher explicara a única relação possível entre eles. Revê também o
dancing onde, quinze dias após essa explicação, ele fora ter com ela e lhe
dissera sem palavras que aceitava. Nesta última ocasião os olhos de Zana tinham
sofrido um transformar-se em outra muito nova coisa.
Agora ele
senta-se na cama e fita o olhar dela. Põe-lhe uma mão no braço e de repente
desata a rir. Ela sorri, na defensiva. Senta-se na borda da cama.
"De
que é que estás a rir?"
"Descobri o que és para mim."
Ela
fica à espera e ele deixa-a esperar. Sai da cama e vai buscar um maço de
cigarros. Dá um à Zana e acende-lho, sem tirar nenhum para ele.
Ela
estende-se em cima da cama e ele, que estava nu, mete-se outra vez entre os
lençóis.
"Às vezes", diz ele, "quando jogo o poker tenho a intuição de
guardar uma só carta e pedir quatro. Mesmo que as cinco recebidas sejam uma
hipótese de sequência ou full-hand, ou isso."
"E
então?"
Ele ri-se novamente.
"Tu és essa única carta que eu
guardo. Contra toda a lógica do jogo."
"A Noite e o Riso", Nuno Bragança
(Nuno Bragança nasceu no dia 12 de Fevereiro de 1929. Morreu em 1985.)
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