- Estamos independentes, hem? Foram-se as gralhas? Pois, meu amigo, grandes e verdadeiras foram as palavras que eu aqui te disse: tenho os ouvidos atordoados ainda e atenta bem a ver se não escutas, de quando em quando, o eco abominável das gargalhadas daquela partênia. Não sentes? São de assombrar, palavra! Precisamos recitar aqui dentro a Oração de Demóstenes ou alguma coisa de Cícero para purificar o ambiente. Dize-me: tens por aí alguma carta do mundo antigo? Ando a refazer o roteiro dos Árias, preciso disso para a minha obra e não encontro nesta carta sórdida senão coisas de ontem, discriminações pulhas de lugarejos vis, sem história, sem tradição, sem passado colônias inglesas, terras esterilizadas pela cobiça e pela crueza dos homens e dos tais sítios nem menção. Vê se descobres por aí nos teus cabedais alguma coisa. Se não tens, dize de uma vez para que eu desça. É possível que encontre na Biblioteca o que preciso. Ainda assim prefiro que procures porque, como é coisa preciosa e útil, decerto não será fácil achar nas estantes da Alexandria indígena.
E curvou-se de novo, mas, sempre passeando o dedo pela carta, interpelou o amigo:
- E a Cegonha, hem? Não foi. Já a vi pensativa e murcha ali na varanda a buscar sonhos no céu com os óculos radiantes. Mulher forte!
"Inverno em Flor", Coelho Neto
(Coelho Neto nasceu no dia 21 de Fevereiro de 1864. Morreu em 1934.)
(Coelho Neto nasceu no dia 21 de Fevereiro de 1864. Morreu em 1934.)
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