Frígida
Balzac é meu rival, minha senhora inglesa! 
 Eu quero-a porque odeio as carnações redondas! 
 Mas ele eternizou-lhe a singular beleza 
 E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.
 Admiro-a. A sua longa e plácida estatura 
 Expõe a majestade austera dos invernos. 
 Não cora no seu todo a tímida candura; 
 Dançam a paz dos céus e o assombro dos infernos.
 Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante, 
 Numa das mãos franzindo um lençol de cambraia!... 
 Ninguém me prende assim, fúnebre, extravagante, 
 Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!
 Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite, 
 Mas nunca a fitarei duma maneira franca; 
 Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite, 
 É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!
 Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso, 
 Ó gélida mulher bizarramente estranha, 
 E trêmulo depor os lábios no seu pulso, 
 Entre a macia luva e o punho de bretanha!...
 Cintila ao seu rosto a lucidez das jóias.
Ao encarar consigo a fantasia pasma; 
 Pausadamente lembra o silvo das jibóias 
 E a marcha demorada e muda dum fantasma.
 Metálica visão que Charles Baudelaire 
 Sonhou e pressentiu nos seus delírios mornos, 
 Permita que eu lhe adule a distinção que fere, 
 As curvas da magreza e o lustre dos adornos! 
Desliza como um astro, um astro que declina, 
 Tão descansada e firme é que me desvaria, 
 E tem a lentidão duma corveta fina 
 Que nobremente vá num mar de calmaria.
 Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge, 
 No bosque das ficções, ó grande flor do Norte! 
 E, ao persegui-la, penso acompanhar de longe 
 O sossegado espectro angélico da Morte!
 O seu vagar oculta uma elasticidade 
 Que deve dar um gosto amargo e deleitoso, 
 E a sua glacial impassibilidade 
 Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso.
 Porém, não arderei aos seus contactos frios, 
 E não me enroscará nos serpentinos braços: 
 Receio suportar febrões e calafrios; 
 Adoro no seu corpo os movimentos lassos.
 E se uma vez me abrisse o colo transparente, 
 E me osculasse, enfim, flexível e submissa, 
 Eu julgara ouvir alguém, agudamente, 
 Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça! 
"O Livro de Cesário Verde", Cesário Verde 
(Cesário Verde nasceu no dia 25 de Fevereiro de 1855. Morreu em 1886.)
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