Vieramos negros da Pedra do Lume, vieram também das ribeiras, esses sulcos onde se acumulava água das chuvas, e onde havia plantações e gado, às vezes vegetações densas que serviam de refúgio durante os calores intensos.
Juntaram-se primeiro por desafio às ordens do alferes Lage, que eram as ordens do comandante Gromicho: quero-os arrumados nos respectivos locais de trabalho, cada um no seu posto, cada macaco no seu galho, não os quero transitando por aí, se transitam em trabalho para o amo este que dê aos que transitam uma prova escrita de sua ordem e por um grupo de cinco terá de haver um responsável pela condução dos escravos, e se for de seis a dez que haja dois condutores, e para grupos maiores serão sempre mais os condutores, por forma a que nunca haja menos que um condutor responsável por cada cinco escravos conduzidos.
Andaram os negros pela ilha nos seus caminhos habituais. Muitos dedicavam-se a agriculturas ingratas, em chãos improváveis, apenas pelo gosto de criar alimento seu, por ancestral devoção à terra, por desafio ao clima adverso. Andaram outros sem propósito algum senão a desobediência, todos sem ordem escrita ou, às vezes, tendo eles próprios escrito uma ordem chocarreira: diz-me Deus Nosso Senhor que tenho de ir visitar meu pai que mora do outro lado da ilha, meu irmão, minha mulher, meu filho. Alguns foram apanhados e levaram varadas, mais aqueles que apresentavam como justificação a ordem divina.
"Vozes do Vento", Maria Isabel Barreno
(Maria Isabel Barreno nasceu no dia 10 de Julho de 1939. Morreu hoje.)
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