segunda-feira, 9 de junho de 2014

Anderson Herzer

Mataram João Ninguém

Quando o próximo sangue jorrar
daquele por quem ninguém irá chorar,
daquele que não deixará nada para se lembrar
daquele em quem ninguém quis acreditar.

Quando seus olhos só puderem fitar o escuro
quando seu corpo já estiver inerte, frio e duro,
quando todos perceberem morto João Ninguém
e quando longe de todos ele será seu próprio alguém.

Tantas mãos, tantas linhas incertas,
tantas vidas cobertas, sem ninguém pra sentir,
Tantas dores, tantas noites desertas
tantas mãos entreabertas, sem ninguém pra acudir.

Qualquer dia vou despir-me da luta
pisar em coisas brutas, sem me arrepender.

Tão difícil ver a vida assassinada
quando estamos já tontos pra tentar sobreviver.

As perguntas sem respostas, sem nada,
as vidas curtas e desamparadas
o último grito que não foi ouvido
calaram mais um homem iludido.

E no mundo não dão mais argumentos
pra fugir aos lamentos de quem sozinho falece.
Para esses não há mais compreensão,
não há mais permissão, para que se tropece.
Na televisão, o aguardo da cotação
um instante ocupado, para dizer morto João Ninguém
mas a aflição ataca, a cotação subiu ou caiu?

E João morreu... ninguém ouviu.
Eu vou distribuir panfletos
dizendo que João morreu,
talvez alguém se recorde
do João que falo eu.
Falo daquele mendigo que somos
pelo menos em matéria de amor,
daquele amor que esquecemos de cultivar
o qual, com tanto dinheiro, ninguém jamais coroou.


"A Queda para o Alto", Anderson Herzer

(Sandra Mara Herzer, que assinava Anderson Herzer, nasceu no dia 10 de Junho de 1962. Morreu em 1982.)

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