sábado, 25 de maio de 2013

Ruben A.

Dia 10. Estou azabumbado. Pedalo dentro da minha cabeça e sai apenas uma bílis de má disposição. A minha vida é um acidente de terreno pouco elevado. Esmigalho-me de vez em meses: é cada notícia que me alquebra os untos. Fico-me por aqui a olhar os bosques por onde caminha o Cavaleiro da Barbela a bordo do seu afamado Vilancete. E sonho nas saudades monstras que tenha da Barbela. Sítio ímpar na Ribeira Lima, solar da Torre, albergando os mais individualizados de cada século. Quase me apaixono por Madeleine Barbelat que quer perscrutar da virgindade do Cavaleiro antes de regressar a Paris. Depois ingresso novamente na chatice da renda de casa para pagar até ao dia 8, do gás e da electricidade, e eu sempre atento a apagar o que se não deve estragar de dinheiro, e o telefone a roubar-me por um contador que não está em minha casa, sou indefeso, imbecil, parvo - ainda a água caudalosa a chuvar-me o estremunhamento para não falar no pesadelo constante de padeiro, leiteiro, carniceiro, canalizador. Tudo que é novo em Portugal precisa de ser arranjado, então as canalizações já são construídas entupidas de nascença. Há tanto maquinismo de que só fabricamos os abortos. E medito que à borla só tenho o ar e o dentista amigo que é um homem bestial, boémio dos tempos de Coimbra, são de corpo e alma. Ah! Como eu queria bocejos à beira-mar. Lisboa faz-me vómitos setembrais; é a cidade mais egoísta do Ocidente. Em Lisboa é tudo difícil. Os braços caem-me pelas pernas abaixo e a cabeça de tão inclinada só olha pelos umbigos citadinos. São feios os umbigos portugueses. Têm pouca graça, parecem estrelas cadentes. Toda a minha paixão vira-se para umbigos de luxo que me arranquem dessa monotonia de contínuos problemas fiduciários.

"Páginas (V)", Ruben A.

(Ruben Alfredo Andresen Leitão nasceu no dia 26 de Maio de 1920. Morreu em 1975.)

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