Foto Hernâni Von Doellinger |
A minha avó de Basto contava. Já não me lembro se era história verdadeira de alguém da família antiga ou diz-que-diz-que a respeito de vizinhos lá da aldeia. Sei é que era um casal e que o casal se tratava por você - forma de tratamento muito mais rústica e ancestral do que cuidam as tias e tios do então-vá. E as pepas, as sobrinhas do então-vem.
Mas a história: marido e mulher bebiam a sua pinguinha. Ao almoço, que era o "jentar", e ao jantar, que era a ceia. Também bebiam durante a merenda, que era aquela meia dúzia de horas de sol que vai desde o "jentar" até à ceia. Bebiam, portanto, apenas às refeições. Por ordem expressa do salazar daquele tempo, beber vinho era "dar de comer a um milhão de portugueses", e o povo de Passos podia não saber o que era bife nem tinha electricidade mas sempre deu o seu melhor para que o resto do País não passasse fome. O resto do país já naquela altura era Lisboa.
(E já agora: o almoço, assim dito, era o café da manhã. E a manhã era madrugada. O café era cevada, feita ao borralho, numa velha chocolateira de barro e tampa tamborileira e dançarina.)
Que se segue: às vezes à noite o caldo entornava-se. Fosse pela pingoleta, fosse pela falta de petróleo na candeia, fosse pelo empurrão do lume da lareira, o casal desavinha-se. Nada de grave ou físico, apenas desconversa. Ralhava um, ralhava o outro, cada qual ameaçava que... mas nada. Até que uma maré, ele - só podia ter sido ele -, sacramentalmente dono da última palavra e mortinho por ir para a cama, arrumou a "questã" da melhor maneira que soube e pôde, que foi, virando-se para ela: "Ora meta-me o cu pelo nariz acima". Para logo remendar, coçando as partes: "Ora vá bardamerda, que até me enganei". E depois foram fazer meninos um com o outro, que naquela terra era assim e muito.
A bó de Basto contava belas histórias. E éramos felizes para sempre.
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