quinta-feira, 20 de maio de 2021

Os fundamentos do jogo e a solidão do guarda-redes

Foto Hernâni Von Doellinger
Os fundamentos do jogo são hoje em dia uma acepção filosófica incontornável e seminal, depois de o futebol ter sido inventado por Luís Freitas Lobo, em 1997. Eu vou tarde mas vou tirar uma pós-graduação em Fundamentos do Jogo, porque já percebi que só com o exame da quarta não chego lá. Havia antigamente um entretimento curioso, eu sei que é entretenimento, mas, dizia, havia antigamente um entretimento curioso que eram onze contra onze e a bola era redonda, obviamente para se distinguir de outro entretimento curioso, eu sei que é entretenimento, que era o cheira-cus, também chamado râguebi, que, ao contrário do que circula em certos meios, ou mêlées, não foi inventado por Cordeiro do Vale, e são quinze contra quinze e a bola é um melão.
Antes da extraordinária invenção de Luís Freitas Lobo, há registos de quem chamasse futebol àquela coisa simples dos onze contra onze, mas era apenas premonição, um por acaso feliz, um long shot que correu bem, porém sem base científica nem atestado da Junta de Freguesia. Falava-se então nuns tais "esquemas tácticos", como se isso quisessse dizer alguma coisa, mas ninguém sabia nada de entre linhas, de entrefolhos, de verticalidade, de horizontalidade, de diagonalidade, de palavras cruzadas, de sopas de letras, de soduku, de transições rápidas como pensos ou lentas como valsas, da ocupação do espaço, do triângulo invertido, do ménage à trois, do losango, do ângulo recto e da circunferência, do poliedro, da táctica do quadrado, de Aljubarrota, das linhas subidas e da Linha da Beira Baixa, do ADN, da tibiotársica, do conceito, do preconceito, do duplo pivô, sim, do duplo pivô e do implante, do último terço do terreno e do quarto segredo de Fátima. Este avanço no tutano da inteligência universal, um pequeno passo para o homem mas um passo de gigante para a humanidade, devemo-lo a Luís Freitas Lobo e seus apóstolos, e não tem preço.

Por exemplo, o guarda-redes. O guarda-redes nunca teve lugar nos tais "esquemas tácticos" amadoristicamente experimentados ante-Luís Freitas Lobo. Eram "onze contra onze", mas o guarda-redes, nem que fosse "o melhor do mundo", não contava para o totobola. O guarda-redes, naquele tempo de trevas, era uma espécie de Santa Bárbara (embora esse fosse do andebol), só se lembravam dele quando acontecia penálti. De resto, havia o 1-1-8, o WM, o 4-2-4, o 3-4-3, o 4-3-3 e o 3-5-2. Sobretudo. E é só fazer as contas, somar os algarismos e ver que dá dez, não onze. Até W mais M é igual a dez. O "onze contra onze" é uma fraude - eram dez contra dez e era um pau, e a bola era redonda mas nem sempre. O guarda-redes realmente não era levado a sério (à séria, se lido em Lisboa) naquele curioso entretimento, eu sei que é entretenimento, e nós, os que só servíamos para a baliza nos muda-aos-seis-e-acaba-aos-doze de miúdos, eu no recreio da Feira Velha ou no Largo do Santo, em Fafe, sabemos muito bem do que estou a falar...
No meu estudo, estribado na vasta obra de Luís Freitas Lobo, tentarei responder à questão magna e que se impõe: o que é que o guarda-redes faz na baliza. E à questão mínima e que nem por isso deixa de se impor: se o guarda-redes souber jogar com os pés deve ser lançado, no período complementar, a extremo direito, quero dizer, a ala, a ala bem aberto? Na faixa?...

P.S. - Publicado originalmente no dia 13 de Março de 2016. 

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