Já sabem, eu não posso ver na rua bandas de música ou grupos de zés-pereiras, que me perco. Sigo-lhes os passos, esqueço-me da vida, já não sei que recado ia fazer. (Eram quatro ou cinco pães? Ou seriam bananas?) Os  "trampolineiros" da minha infância alegram-me os dias da madureza,  descompassam-me o bater do coração, tornam-me a Fafe e à pureza  original, comovem-me. Queria que houvesse discos pedidos para poder  encomendar todos os dias o "Resineiro" cantado de mansinho mas bem  picada de tasco em tasco. Queria pedir desculpa por ignorantemente lhes  ter chamado "trampolineiros", coisa feia. Eram, são, tamborileiros. Os  tamborileiros da minha alegria triste. E portanto cá vai mais uma vez,  versão refinada e aumentada:
O meu avô Bernardino Neques, que nunca aceitou copo dado e levava  tudo à frente na hora da pancadaria, tinha o seu lado musical.  Desunhava-se satisfatoriamente com a concertina e o acordeão, e já  velhinho veio-lhe a mania do violão, lembro-me que com alguma falta de  jeito, Deus me perdoe se estou a ser injusto. Esqueçamos, porém, o  violão, o acordeão e a concertina, que foram só para meter conversa.  Tornemos aos bombos, à caixaria.
O Neques do meu avô Bernardino não era de baptismo. O verdadeiro nome do  meu avô de Basto era Amigo Pereira - assim lhe chamava toda a gente por  essas feiras e romarias ali à beira, a começar pela Lagoa, onde ele  varria o terreiro com o varapau de lódão girando por cima da cabeça como ventoinha de helicóptero, e  suponho que não é preciso dizer mais nada para que se perceba de que  marca era o homem. (Mas vou dizer: quando fazia de jogador do pau e  estava decentemente avinhado, o meu avô tinha um grito de guerra  que era "Olraitecamoniésse!". E tinha um cão de pele e osso ao qual dera o nome de Tuísta, que queria dizer Twist. O meu querido avô era anglófilo americanado e não sabia. De americano, o Bô só conhecia o vinho, e talvez o João massagista, mas desta parte não tenho a certeza.) A alcunha que ficou famosa, Neques, veio-lhe do tempo de moço, contava-se, quando rufava a bom rufar na caixa, honesto instrumento por onde começou na arte. E tocava naquele ritmo que ele gostava de  explicar como neque-neque-neque, neque-neque, neque-pum. Neques, pois.
O meu avô era apaixonante. Obviamente Banda Revelhe, por causa do meu pai e por bom gosto natural. E o toque de caixa, para o Amigo Pereira,  tinha ciência, solfejo. Gostava de perguntar-me, por exemplo, "Quantas  pranas tem uma rana?", como se estivéssemos a elaborar sobre fusas e  semifusas. Eu dizia que não sabia, que era o que o velho Neques queria  ouvir, para logo a seguir me ensinar, matreiro e mais uma vez, "Conta-as, rapaz: rana-catrapana-catrapana-pana-pum; quantas são?..."
Já não há Bernardinos assim. E faz-me diferença. Pum.
P.S. - Publicado originalmente no dia 2 de Abril de 2014. Hoje, 26 de Julho, é Dia dos Avós. 
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