O brasileiro José Graziano da Silva acaba esta semana o seu mandato de oito anos (quatro mais quatro) como director-geral da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), agência especializada das Nações Unidas. Na hora da saída, e perante o aumento da fome no mundo, ele deixa a sugestão: "Comemos tanta porcaria, porque não escorpião?"
Olha que bem lembrado: exactamente escorpião, porque não? Estaria o problema resolvido. Eu por exemplo: quando fiz 21 anos comi 21 gafanhotos. Vivos. Obrigaram-me. E não me
queixo, embora tenha sido uma canseira andar a apanhá-los um a um no
mato, eles aos saltos e eu de cócoras, um sol do caraças, a risota do
maralhal, o corpo moído, uma sede que eu sei lá, mas antes isso do que
passar o dia inteiro a levar pancada. O dia e a noite. Por outro lado,
apesar de ter comido 21 gafanhotos vivos quando fiz 21 anos, passei
aqueles dias todos a levar pancada. Aqueles dias e aquelas noites. As
noites também. O que tinham de bom as noites é que só muito raramente
propiciavam "golpes de calor", ou insolações, como se diz quando se quer
que se perceba o que se diz.
Eram assim os Comandos, para onde não fui voluntário. Havia um cuidado muito grande com a nossa
alimentação. Por vontade de quem mandava, nós, os desprezíveis
instruendos, estaríamos sempre a comer, às mãos desabridas de sargentos e
cabos com idade para serem coronéis, com poderes de general, práticas
de verdugo descontrolado e tremendas saudades ultramarinas. Consta que,
quarenta anos passados, os Comandos ainda são assim. E que às vezes "as
coisas correm mal"...
Em 1978 correu mal uma aula de morteiros. Um instrutor jactante e
incompetente, como se exige que sejam os instrutores, apontou para o
infinito, despoletou a granada e, sem
querer, deixou-a escorregar tubo abaixo. Pum! O morteiro só
parou em cheio num centro comercial da Amadora, por acaso com pessoas
dentro. Sei disto porque estava lá, do lado do morteiro e do instrutor
palerma. E, para evitar problemas com a população, não me deixaram vir a
casa nesse fim-de-semana.
Quanto aos gafanhotos, fritos e de escabeche talvez marchassem melhor. E depois um golinho de água, por favor...
Naquele tempo eu já tinha visto na televisão a preto e branco a série Kung Fu, com David Carradine, mas ainda não conhecia a anedota "O Mestre e o Gafanhoto", que haveria de ouvir anos mais tarde contada numa cassete pelo menestrel brasileiro (isto anda tudo ligado) Juca Chaves e que, indo directamente aos finalmentes, é mais ou menos assim:
Gafanhoto, aprendiz de Shaolin, era pequenininho e perguntou ao seu velho Mestre, que era cego e sabia tudo:
- Mestre, quando é que eu me tornarei um homem?
E o Mestre respondeu-lhe:
- Gafanhoto, quando um dia você passar a mão entre as pernas e sentir duas bolas, então você será um homem. Mas quando um dia você passar a mão entre as pernas e sentir quatro bolas, não pense que é super-homem. É que tem alguém lhe enrabando.
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