sexta-feira, 26 de julho de 2019

Altino do Tojal 3

Sim, abomino as crias dos homens - esses monstrozinhos vorazes e gesticulantes, sempre sentados nas próprias fezes, sempre de ranho no nariz, sempre de goela escancarada. Quão mais grácil e aprumado não é, por exemplo, um vitelo! Cumpre informar‑vos de que não sou de cá; sou de fora, do alto. Fui destinado a um cometa pantanoso, com muitas flores e um carvão aceso, gravitante, a alumiar. Afinal, eis‑me aqui. E sabeis porquê­? Porque a garça de nívea plumagem que me trouxe suspenso do bico fazia o seu primeiro recado, era bisonha no mister, pouco entendia de orientação celeste.
Na minha qualidade de ente destinado a outro universo e posto aqui por engano, costumo vaguear a desoras pelas ruas menos frequentadas. Ora, certo anoitecer, deslizava eu ao acaso por uma cangosta dos arrabaldes, entre muros podres, verdosos, quando... - horror! - vi uma cria de homem, um monstro. Nem menos! De tarde chovera, chovera muito, e a dita cria estava sentada na lama, com as pernas cruzadas, nua como uma lesma, tremendo.
Estaquei. Ela ali estava, repelente, no meu caminho! Que fazer? Se eu conseguisse esgueirar‑me...

"Os Putos", Altino do Tojal

(Altino do Tojal nasceu no dia 26 de Julho de 1939. Morreu nem 2018.)

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