Os idiotas confessos
Antigamente, o idiota era o idiota. Nenhum ser tão sem mistério e repito: - tão cristalino. O sujeito o identificava, a olho nu, no meio de milhões. E mais: - o primeiro a identificar-se como tal era o próprio idiota. Não sei se me entendem. No passado, o marido era o último a saber. Sabiam os vizinhos, os credores, os familiares, os conhecidos e os desconhecidos. Só ele, marido, era obtusamente cego para o óbvio ululante.
Sim, o traído ia para as esquinas, botecos e retretas gabar a infiel: - "Uma santa! Uma santa!" Mas o tempo passou. Hoje, dá-se o inverso. O primeiro a saber é o marido. Pode fingir-se de cego. Mas sabe, eis a verdade, sabe. Lembro-me de um que sabia endereço, hora, dia, etc., etc.
Pois o idiota era o primeiro a saber-se idiota. Não tinha nenhuma ilusão. E uma das cenas mais fortes que vi, em toda a minha infância, foi a de uma autoflagelação. Um vizinho berrava, atirando rútilas patadas: - "Eu sou um quadrúpede!" Nenhuma objeção. E, então, insistia, heroico: - "Sou um quadrúpede de 28 patas!" Não precisara beber para essa extroversão triunfal. Era um límpido, translúcido idiota.
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"O Homem Fatal", Nelson Rodrigues
(Nelson Rodrigues nasceu no dia 23 de Agosto de 1912. Morreu no dia 21 de Dezembro de 1980.)
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