Procuro animal de estimação que me adopte
Os esfomeados, os rotos e os nus, os desempregados de curta, média e
longa duração, os tesos por nascimento e os falidos, os velhos mijados e
demenciados, os desdentados, as úlceras varicosas, os bêbados e os
violentos, os sós, os caloteiros certificados, as prostitutas evidentes,
os mendigos profissionais ou simpatizantes, os sem-abrigo, os
sem-reforma e os sem-nada, os pretos de todas as cores e os ciganos de
uma forma geral vão finalmente poder entrar nos restaurantes se forem
levados por animais de estimação. É de lei. Ficou resolvido na Assembleia da República.
Falar pouco e bem, quase não há quem
"Atenção: devido a um erro de sinalização, o metro foi obrigado a fazer
uma paragem brusca. Se alguém se magoou, é favor entrar em contacto com o
agente de condução". O "agente de condução" da Metro do Porto que assim
falava pelos altifalantes internos para os passageiros da viagem
Matosinhos Sul-Estádio do Dragão, aqui atrasado, era uma mulher, e não
cuide o Sr. Arroja que eu estou no gozo. Não estou.
Em trinta palavras exactas, a senhora condutora disse tudo o que era
necessário ser dito naquele momento, com objectividade, sem eufemismos
nem semânticas, num português escorreito, directo, universalmente
compreensível, eficaz. Responsável. A assunção do "erro de sinalização" e
da "paragem brusca", a preocupação imediata com os passageiros. Mas
ninguém se magoou.
Pensei: que exemplo extraordinário para os nossos comunicadores de
merda, em tempos de fogo e cinza - governantes, ex-governantes,
candidatos a governantes, candidatos a candidatos a governantes,
políticos de uma forma geral, altos irresponsáveis, baixos responsáveis,
autoridades civis, militares e religiosas, minhas senhoras e meus
senhores, telecomentadores, radiofloricultores, trolhas conversadores,
politólogos, vendedores de retroescavadoras com luzinhas, enchedores de
chouriços, especialistas em sarrabulho e fumeiro,
jornalistas folcloristas e endrominadores para todo o serviço, que
falam, falam, falam, não fazem nada (como diria o Ricardo Araújo
Pereira), e eu nunca sei o que é que eles dizem...
Há males que vêm por mal
Atropelado pela porta giratória do hospital, partiu o braço direito. E é para o lado que ele dorme melhor. Infelizmente.
Combustão espontânea... e organizada
Os incêndios por combustão espontânea acontecem, mas, ao contrário do
que o próprio nome indica, às vezes dão algum trabalho a organizar.
Lembram-se ou já ouviram falar das populares manifestações espontâneas
de apoio ao Senhor Presidente do Conselho no tempo de Salazar?
Manifestações espontâneas, exactamente. Imaginam o que esse teatro a
preto e branco implicava de preparação e logística, de aluguer de
camionetas e distribuição de letreiros a bem da Nação, de farnéis e
garrafões de vinho a encomendar, de reuniões nos grémios e nas
corporações, de noites sem dormir por parte de presidentes de junta,
regedores, párocos fascistas, presidentes de câmara, governadores civis,
comandantes locais da Legião Portuguesa e dos Bombeiros, chefes da
Polícia e sargentos da Guarda, bufos da Pide, patrões da indústria e
caciques de outras marcas?...
Pois com os incêndios é o mesmo.
Para que aconteçam espontaneamente, e acontecem, é regra geral preciso
que alguém acenda um fósforo. Há coisa de duas semanas fomos dar uma
voltinha de mata-saudades pelo Alto Minho. De Esposende para cima,
passámos por queimada atrás de queimada com ninguém à vista e à volta.
Eu abro a janela, porque gosto daquele cheirinho a Natal
antecipado, mas a minha mulher ficou aflita, disse-me que ainda não
estávamos na época, que aquilo era ilegal e perigoso, muito perigoso. E
se calhar a minha mulher tinha razão...
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