Tive a sorte de conhecer Nelo Barros. Manuel Coelho de Barros (1917-2007) foi um grande treinador de futebol e um mestre de treinadores de futebol que nunca fez primeiras páginas de jornais porque sempre se recusou a deixar o emprego no escritório da que era então a maior fábrica de Fafe e uma das maiores do País. Equipas da 1.ª divisão chamavam por ele, ano após ano, pediam-lhe disponibilidade total, trabalho a tempo inteiro, mas ele nunca quis ir por aí. O Nelinho era assim.
Pessoa excelentíssima, homem elegante, distinto, culto, carismático, Nelo Barros era reconhecidamente um catedrático da táctica, sabia muito de bola e dava gosto ouvi-lo falar de futebol. Ele entusiasmava-se e entusiasmava. O futebol de Nelo Barros tinha pessoas e histórias dentro. O futebol contado por Nelo Barros era simples, percebia-se à primeira, batia certo, era lindo!
Uma noite, no velho salão dos Bombeiros (Rua José Cardoso Vieira de Castro, entre os dois palacetes), o treinador encantou uma plateia à pinha que o foi ouvir falar de desporto e de futebol, de jogadores e de jogos, de treinadores e de tácticas, como nunca se tinha ouvido falar por aquelas bandas. O Nelinho falou como de costume, sem tabus, sem grandes teorias, sem peneiras. Até eu, que era um rapazola, entendi tudo. E fiquei a gostar ainda mais de futebol.
Perguntaram-lhe o que é que era preciso para se ser um bom treinador. Nelo Barros, provavelmente um dos melhores treinadores portugueses de todos os tempos, respondeu assim simplesmente, que esta cá me ficou: "Não há bons treinadores. Os bons jogadores é que fazem os bons treinadores". E depois desenvolveu, desmontou a aparente contradição, mas nem era preciso.
Eu gostava tanto de ouvir Nelo Barros, que ia assistir a todos os treinos, que eram sempre ao fim da tarde, por causa do tal emprego do treinador na fábrica. Uma vez, o jogo em preparação era contra o Riopele. E digo contra de propósito, porque aquele era um tempo de rivalidades à moda antiga, dentro e fora do campo, acabando quase sempre tudo à trolha.
Mas, voltando ao treino, o Nelinho reuniu os jogadores à sua volta e deu a táctica. E eu por perto, de radar ligado. Fiquei deslumbrado: eram indicações precisas para cada um dos jogadores, para o funcionamento da defesa, para o desempenho do meio-campo, para o trabalho dos avançados, para as movimentações da equipa como um todo, até o Berto Magalhães (um suplente muito fraquinho, mas generoso e com um pulmão se faz favor) ia jogar como médio vadio para secar os criativos riopelenses. Tudo encaixava, tudo fazia sentido. E tudo dito com uma convicção, que no domingo só podia dar certo.
Mas não deu. Do outro lado estava uma equipa poderosíssima (se a memória não me atraiçoa, no Riopele jogariam, por essa altura, o Piruta, o Vital, o Barros, o Albano, o João, o Luís Pereira), treinada por outro que a sabia toda: Ferreirinha. Saímos de Pousada de Saramago vergados a uma pesada derrota, já não sei por quantos, mas eu não perdi a fé no nosso Nelo Barros. Pelo contrário. Na humilhação da goleada, aprendi a beleza original do futebol, tal como o mestre o ensinava: onze contra onze e uma bola que é redonda. O resto é treta.
Hoje, uma nova raça de colunistas, comentadores, ex-treinadores-comentadores e ex-comentadores-treinadores, todos paineleiros enfim, quer fazer-nos acreditar que o futebol é praticamente uma ciência oculta, só percebida por uns poucos predestinados que, modéstia à parte, são eles próprios. E inventam palavras e expressões para complicar o que é simples. E já não há bola nem futebol. Eles, que sabem inglês, "inventaram" o jogo. O jogo. Pois, pela parte que me cabe, parabéns à prima. Sou um simples já com razoável uso. E tenho é saudades de ouvir o Nelinho a falar de bola. De bola simplesmente.
A nova linguagem do «futebolês» é um terror, sobretudo na TV. Os «intelectuais» do futebol arengam, arengam, enquanto no relvado se passam coisas importantes como, simplesmente, jogar futebol, coisa que a maioria (penso eu) nunca jogou nem na praia. E gosto dessa frase famosa de «ler o jogo...» Imagino logo o cidadão no «banco» a ler um qualquer compêndio sobre futebol para sair da enrascada em que se meteu... Mas, viva o futebol, aquele que se pratica entre quatro linhas e duas balizas. Esse é que conta. O resto, é pior que o sermão aos peixes, passe o exagero. M. Flórido
ResponderEliminarCaro M. Flórido,
ResponderEliminarMuito obrigado pela visita e pelo assertivo comentário. Gostei particularmente da imagem que usa para esse supremo acto de intelectualidade futebolística que é "ler o jogo". E tem toda a razão: há por aí uma moderna seita de comentadores fala-baratos que não nos deixam sequer "ver" o que se está a passar na TV. Eu tiro-lhes o pio.
Volte sempre.
Caro Neques, Não percebo por que é que não entende as questões da "basculação", das "periodizações tácticas", das "transições" (como eu gosto das transições) e afins.
ResponderEliminarCoisas tão simples que, confesso-lhe, eu também não percebo.
E tão mal se falava do Gabriel Alves...
Aquele abraço,
P.
Óooo... o grande Gabriel Alves, 85 quilos, 1,79m, 16 internacionalizações, exímio no trabalho pelas faixas.
ResponderEliminarUm grande por banda também para o caro P.
O Gabriel Alves e o Alves dos Santos (perdoe-me se me enganei no nome, mas sabe quem é) foram os pioneiros do comentário de futebol na TV, com o Alves dos Santos a ter as honras de ser o primeiro (que me lembre). A verdade é que nenhum deles teve a prosápia (ou verborreia) da maioria dos actuais. E, verdade seja dita, o Gabriel Alves criou uma nova linguagem do futebol, como aquela do «gesto técnico», que ainda se vai ouvindo por aí. E ambos davam o devido valor ao que era importante: o jogo. M.Flórido
ResponderEliminarCaro Neques
ResponderEliminarEsqueci-me de uma coisa importante. No início destas coisas dos jornais conheci o Nelo Barros e o Ferreirinha, embora, claro, de uma forma acidental, ou seja, aquelas pequenas entrevistas no final dos jogos. como conheci muitos outros. Bem, naquele tempo, ainda não havia superhomens, apenas pessoas.
- Eram duas pessoas muito diferentes, mas ambos tipos bem interessantes. E os tempos, realmente eram outros. Hoje, espécimes daqueles não sobreviveriam.
ResponderEliminar- Quanto à prosápia, olhe que o inesquecível Gabriel Alves também não deixava os seus créditos por mãos alheias...
Gostaria de confirmar que o Nelo Barros jogou no SCBraga. Tenho registos dum Nelito e dum Nelito Barros nas épocas 1946-47 e 1947-48. Confirma isso? Além disso jogou mais épocas no Braga? Em que clube jogou antes de ingressar no Braga?
ResponderEliminarGostaria de confirmar que o Nelo Barros jogou no SCBraga. Tenho registos dum Nelito e dum Nelito Barros nas épocas 1946-47 e 1947-48. Confirma isso? Além disso jogou mais épocas no Braga? Em que clube jogou antes de ingressar no Braga?
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