Foto Hernâni Von Doellinger |
Que é que tem o Barnabé que é diferente do outro? Para começar, é baixinho, abreviado como estampa. Por isso o Senhor Barnabé ele próprio se resume, humilde, e diz que o povo todo o conhece por Bé, e é assim que gosta de ser chamado, contou-me ele. Bé. Estão a ver aquele homenzinho gentil, doce, dez-réis de gente num ar pândego de pinto-calçudo, sacola de merenda a tiracolo, sempre mortinho por concordar com tudo e com todos, estaca aqui para falar com um, estaciona ali para conversar com outro, e na cara, em vez de cara, um sorriso maroto, cândido, inextinguível? Estão a ver? É o meu Senhor Bé. Eu e Senhor Bé partilhamos todas as manhãs o Passeio Atlântico de Matosinhos e suponho que somos amigos. Há também quem o conheça por "São Pedro da Cova", porque é de lá que ele vem diariamente de autocarro para passear vagaroso a borda do mar. Nos seus oitenta e picos bem medidos, são quase duas horas de viagem para cada lado, com transbordo, todos os dias ou quase, mas sem lamúrias. O Senhor Bé - que também se lembra, como eu, de quando Fafe e São Pedro da Cova andaram à pancada por causa da bola - faltou-me ao convívio no tempo de estado de emergência, mas logo que pôde tirou outra vez o passe e voltou. Diz que estava cheio de saudades.
Eu contei-lhe do outro Barnabé, que dava dois dele, ou três. O Senhor
Barnabé de Fafe, funileiro de alto gabarito, morador e estabelecido
naquele escondidinho do Santo Velho e músico vitalício da Banda de Revelhe. O
Senhor Barnabé fafense devia ser uma enorme despesa em farda e tocava
tuba porque não havia instrumento maior, tirando talvez o bombo, e a tuba vinha-lhe realmente por medida. Quanto ao Senhor Bé, que certamente não gastaria metro e meio para um fato, eu às vezes até me ria imaginando-o, pequenino e gaiato, a tocar pífaro.
Que se segue? Aqui há coisa de três meses o Senhor Bé tornou a faltar-me e eu, confesso, escarmentado com o desaparecimento da minha abençoadora das 7h30, fiquei com medo de perguntar por ele. Mas três meses são três meses, estamos no Natal, e ontem ganhei finalmente coragem. Fui tirar nabos do púcaro junto de outro dos habitués do Passeio, e ouvi o que não queria. O Senhor Bé não vem mais. Morreu. Exactamente há três meses. Foi mudar uma válvula ao coração "e ficou na máquina", disse-me o amigo. Ficou na máquina. Assim.
Quer-se dizer: o Senhor Bé morreu e eu, palavra de honra, acho isto muito mal organizado.
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