No necrotério, onde fui por acaso, encontrei já muita gente; e todos
aflitos, e todos agoniados defronte daquele cadáver que parecia com um
parente ou com um amigo de cada um deles.
Havia choro a valer e, entre o clamor geral, distinguiam-se estas e outras frases:
Meu filho morto! Meu filho morto!
Valha-me Deus! Estou viúva! Ai o meu rico homem!
Oh, senhores! Ia jurar que este cadáver é o do Manduca!
Mas não me engano! É o meu caixeiro!
Dir-se-ia que este moço era um meu antigo companheiro de bilhar!...
E eu aposto como é um velho, que tinha um botequim por debaixo da casa onde eu moro!
Qual velho, o quê! Conheço este defunto. Era estudante de medicina!
Uma vez até tomamos banho juntos, no boqueirão. Lembro-me dele
perfeitamente!
Estudante! Ora muito obrigado! Há mais de dois anos chamei-o fora
de horas para ir ver minha mulher que tinia de cólicas! Era médico
velho!
Impossível! Afianço que este era um pequeno que vendia jornais. Ia
levar-me todos os dias a Gazeta à casa. É que a morte alterou-lhe as
feições.
Meu pai!
O Bernardino!
Olha! Meu padrinho!
Jesus! Este é meu tio José!
Coitado do padre Rocha!
Pobre Boaventura! Só eu compreendi, adivinhei, que aquele cadáver não podia ser senão o teu, ó triste Boaventura da Costa!
E isso mesmo porque me pareceu reconhecer naquele defunto todo o mundo, menos tu, meu desgraçado amigo.
"Polítipo", Aluísio Azevedo
(Aluísio Azevedo nasceu no dia 14 de Abril de 1857. Morreu em 1913.)
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