Eram sete horas, a noite estava escura, e o céu ameaçava chuva.
Terminara a ceia, composta de cebola cozida e pirarucu assado, o velho Salvaterra dera graças a Deus pelos favores recebidos; a sora Maria dos Prazeres tomava pontos em umas velhas meias de algodão muito remendadas; a Anica enfiava umas contas destinadas a formar um par de braceletes, e os dois rapazes, espreguiçando-se, conversavam em voz baixa sobre a última caçada. Alumiava as paredes negras da sala uma candeia de azeite, reinava um ar tépido de tranqüilidade e sossego, convidativo do sono. Só se ouviam o murmúrio brando do Tapajós e o ciciar do vento nas folhas das pacoveiras. De repente, a Anica inclinou a linda cabeça, e pôs-se a escutar um ruído surdo que se aproximava lentamente.
- Ouvem? - perguntou.
O pai e os irmãos escutaram também por alguns instantes, mas logo concordaram, com a segurança dos habitantes de lugares ermos:
- É uma canoa que sobe o rio.
- Quem há de ser?
- A estas horas - opinou a sora Maria dos Prazeres - não pode ser gente de bem.
- E por que não, mulher? - repreendeu o marido -, isto é alguém que segue para Irituia.
- Mas quem viaja a estas horas? - insistiu a timorata mulher.
- Vem pedir-nos agasalho, redargüiu. - A chuva não tarda, e esses cristãos hão de querer abrigar-se.
"Contos Amazônicos", Inglês de Sousa
(Inglês de Sousa nasceu no dia 28 de Dezembro de 1853. Morreu em 1918.)
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