sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Antero de Figueiredo

Vindo do Porto, atravesso o Baixo-Douro - que é um Minho de campos menos retalhados, de verdura menos fofa, de cor menos uniforme, de claridade menos crua. A luz, mais grave, valoriza os vários azuis dos montes com suas escarpas e quebradas; os verdes delicados das árvores de qualidade; os verdes fortes das copas dos pinheiros, penetradas de sombras; as massas escuras dos seus troncos violáceos; os castanhos vermelhos das telhas velhas sobre brancuras de fachadas entre terrenos amarelentos e céus azulinos; e os tostados quentes dos taludes de saibro. A fisionomia da paisagem acentua-se. Há carácter. Os outeiros começam a transformar-se em montes; os vales alargam-se e afundam-se; os horizontes distanciam-se. Serras ao longe.
Estamos em fins de Abril. A Primavera, andada de um mês, ilumina o ar com as copas lilases e brancas das cerejeiras e das macieiras; com as hastes finas, direitas ao céu, das ameixoeiras, borbulhadas de rebentos de flores alvas - árvores beirando campos verdecidos de trigo serôdio, ou lameiros geados pelas toalhas das margaridas de neve. As giestas afitam-se de branco, e os tojos pontilham-se de revoadas de borboletas amarelas. Para além, montes de margaça lilás parecem montes de mosto. Agora, pinhais espessos o vales fundos. 

"Recordações e Viagens", Antero de Figueiredo

(Antero de Figueiredo nasceu no dia 28 de Novembro de 1866. Morreu em 1953.)

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