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sexta-feira, 11 de junho de 2021

Francisco Carvalho 5

Sala

Ouço passos vindos
do alpendre
para dentro da sala.
Será o vento que fala
coisas da cabala?
Ou será o morto
de regresso à senzala?
O vento se cala
e um rumor de sedas
resvala
no ladrilho da sala.
No alto da cumeeira
a coruja gargalha.
De novo o mistério
se instala
em cada movimento
da sala.


Francisco Carvalho

(Francisco Carvalho nasceu no dia 11 de Junho de 1927. Morreu em 2013.)

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Francisco Carvalho 4

Escada do paraíso

Corpo feito de vagas
agitadas e búzios
sonolentos. Oh corpo
de mulher, entre medusas
e portulanos de areia.
Corpo seduzido pela
luminosidade dos cardumes
pelo movimento sinuoso
das marés. Oh corpo
de terracota e cristal.
Corpo aderido ao sexo
de Deus. Corpo nu
de gaivota em tarde azul
escada do paraíso.
Oh corpo varando a noite
E o dia em diagonal.
Corpo, oh corpo de lava
e lêvedo, fendido
pela cintura de um deus:
eu te celebro nesta
canção. Vertente e foz
dos pecados capitais.


Francisco Carvalho

(Francisco Carvalho nasceu no dia 11 de Junho de 1927. Morreu em 2013.)

terça-feira, 11 de junho de 2019

Francisco Carvalho 3

Lavoura

As minhas mãos
já foram robustas
já plantaram
sementes de milho
nas terras dos filisteus
hoje só semeiam
as lavouras do adeus.


Francisco Carvalho

(Francisco Carvalho nasceu no dia 11 de Junho de 1927. Morreu em 2013.)

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Francisco Carvalho 2

Dialética do poema

Fazer um poema
não é dizer coisas profundas.
É ver as coisas como as coisas não são.

Fazer um poema não é viajar no espelho.
É ir à procura do rosto do homem
perdido na escuridão.

É descer às raízes do sangue e do mito.
Fazer um poema é estar em conflito
com os dedos da mão.

"O Silêncio É Uma Figura Geométrica", Francisco Carvalho

(Francisco Carvalho nasceu no dia 11 de Junho de 1927. Morreu em 2013.)

domingo, 11 de junho de 2017

Francisco Carvalho

Prova documental
 
Já assumi a solidão dos outros
já provei do enigma insolúvel
já calcei as botas do morto
já tive segredo e foi de água abaixo.
 
Já fugi ao encontro marcado
já fui banido, já disse adeus
já fui soldado, já fui rapsodo
já tive inocência e foi de água abaixo.
 
Já fui esperto, já fui afoito
já puxei faca, já toquei pífaro
já fui vaiado depois da briga
já tive saudade e foi de água abaixo.
 
Já fui árcade, já fui arcaico
já fui pateta, já fui patético
já perdi no jogo e na vida
já tive amor e foi de água abaixo.
 
Já tive pressa, já sentei praça
já tive ouro, já tive prata
já tive lenda, já tive fazenda
já tive paz e foi de água abaixo.
 
Já tive herdade, já fui deserdado
já tive episódio, já tive epitáfio
já levei o andor de Nosso Senhor
já tive esperança e foi de água abaixo.
 
Já tive mando, já corri mundo
já fui a Roma e não quis ver o Papa
já fui pra cama com Ana Bolena
já tive infância e foi de água abaixo.
 
Já fui Arlequim, já fui Pierrot
já tive herança, já tive prosápia
já tive estrela, já fui primogénito
já tive cabelo e foi de água abaixo.
 
Já fui feliz, já tive almofariz
já fui a Belém, já comi vatapá
já andei a cavalo no arco-íris
já tive paisagem e foi de água abaixo.
 
Já pesquei hipocampo de anzol
já fui de trem ver o quebrar da barra
já tive odalisca, já tive andaluza
já tive memória e foi de água abaixo.

"As Verdes Léguas", Francisco Carvalho

(Francisco Carvalho nasceu no dia 11 de Junho de 1927. Morreu em 2013.)