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quarta-feira, 10 de março de 2021

Dórdio Guimarães 5

como guelras abertas
a todo o comprimento dos corpos
os amantes bebem-se babam-se
cospem-se respiram-se
 
lisboa é o lençol a colcha
talvez a coxa do outro
e o tejo é mais azul
que a química do ar
 
aquilo irrequieto que escoicinha
quieto o potro

"Os Cinco Sentidos de Lisboa", Dórdio Guimarães

(Dórdio Guimarães nasceu no dia 10 de Março de 1938. Morreu em 1997.)

terça-feira, 10 de março de 2020

Dórdio Guimarães 4

Diamor

É de cravo. Toque de pétala em minha boca
a tua língua redonda. Talo cálido
macio de ponta subtil de tamanho.
Olhos para cima ardendo incessante de cabelos
girassóis gémeos maduros no corpo do meio.
Punhal de luz de permeio
e no cabo da lâmina a pérola do umbigo.
Algas escorrendo ausência de Tejo nos dedos.
Cabo do mundo dos meus fascínios
dos meus delírios bem fundo que digo?
E o lugar dos joelhos hangares paralelos
insuspeitos de viagens rotuladas.
Ó gulas que as zonas do apetite jogam os dados
com prazer e êxtases estudados.

Outrora disseste rei terei
ó se minha arte tal fosse
porque leal e amor sou
homoalma inscrever-te no cosmos.
Minha mulher. O teu sexo de colher.
De sabor torrencialmente minha.

Beber-te moderno sumo do fruto.
Abundante por espasmos
de enormes segredos menstruados.
Sorver a plenos pulmões teu hálito mais secreto.
Esvair-me de concreto.
Ajoelho-me semeador ante a ternura
do cálice por ti aberto.
Desfoca ao longe a bebida
de já não vê-la de tão perto...
E o talhe de teus rins muito de Florença.

Pés de mármore de si rotativos a Sirius.
Ventre que em movimento flutua.
Fartura de lua.
Nádegas porcelares, carnagens lótus.
Aprumo de haste bambu ao Sol e a Marte.
Sexo de mim cação em teu sexo tubarão...
e o teu clito perdoa que não aparece!

Ó dor! Eis-te amor. Meu amor.
Nem Vénus. Nem de Cnido nem de Milo.
Muito branca muito morena e quente.
Muito querida e nua viva de frente.

É nesta indecisão de folhas caindo caindo
decisão de altas artes plantas plantas
a boca me ardendo nas tuas mamas tantas
soltando-se em alces fugindo fugindo.

As horas sendo em nossos cabelos.
Uma a uma. Um a um. Do tempo a Tagus.
Meus olhos égides tristezas minhas
que as não desejo aos relâmpagos.

Aqui a solução é não sabermos nadar
me chamas irmã dos espaços morenos.
Entre ondas de carne e unhas seremos
medo cisma orgasmo de podermos voar.
 

Dórdio Guimarães

(Dórdio Guimarães nasceu no dia 10 de Março de 1938. Morreu em 1997.)

domingo, 10 de março de 2019

Dórdio Guimarães 3

A idade dos lilases

Mulher
No tempo dos cabelos agitas a paz em amor
Todos os dias por ti
O universo se faz e tu não sabes não


Amanhã a mulher joga a vida num vale de lilases
Dele irrompe cheirosa a flor
Que é pródiga em lis e lases
E serei tudo o que de mais fértil o teu ventre der
Mulher


Na estrada à noite não pode haver desacordo
Eia tanta gente amiga são as árvores


"A Idade dos Lilases", Dórdio Guimarães

(Dórdio Guimarães nasceu no dia 10 de Março de 1938. Morreu em 1997.)

sábado, 10 de março de 2018

Dórdio Guimarães 2

Guerra e civilização

[...]
revolver o sangue até a língua ser revólver
revirar os olhos com endereço revoltar a lua
revelar em fotograma ao retardador o céu
rodopiar em árvore um réquiem solar
revoar em ave a rápice aventura
revolver o universo no rito de morrer

redigo refazer reunir recomeçar
(remorso foi não amar de mais) repercutir
ah grande organista é a flor

Dórdio Guimarães

(Dórdio Guimarães nasceu no dia 10 de Março de 1938. Morreu em 1997.)

sexta-feira, 10 de março de 2017

Dórdio Guimarães

sucedem-se os dias húmidos por dentro da minha espera
adio o arco-íris o salto montês da cabra que trago no peito
grande a náusea perfuma a dor dos verões suspensos cegos
se aquece a alma erguida na ponta dos pés do desassossego


arredondam-se as estações neste gesticular incerto de índio
largo coração galego esqueço-me com coisas livres minúsculas
vermes róseos longos braços barcos à deriva que tenho do mar
espreito a fundo as horas que me separam do jazigo ou berço


de boca amarga à gargalhada empreendo a lágrima lúcida
solar se verte o sangue no circo dos ágeis dedos de não voar
queria-me eu apto e louro com olhos de maçã cheios de amor


já pestanejo as emoções seguintes que se anunciam verdes
no chegar do veado friorento que vem comer as ervas litorais
dobro-me à mulher à página ao morto inesperado e para quê?


Dórdio Guimarães

(Dórdio Guimarães nasceu no dia 10 de Março de 1938. Morreu em 1997.)