O azar do nosso São João, o Baptista, é não ter sido o outro, o
Evangelista. O nosso São João era um bocado esquisito mas muito homem:
profeta ambulante, vestia-se de peles de camelo, usava um cinto de
couro, comia gafanhotos
e mel e convivia muito bem com cabritinhos e cabritinhas. Clamava no
deserto. Um deserto que inopinadamente tinha um rio chamado Jordão como o
cinema de Guimarães, e foi
ali mesmo, no rio que não no cinema, que João, o nosso, inventou o
baptismo e baptizou o primo Jesus. O nosso São João era a Ana Gomes
daquele tempo. Punha a boca no trombone sem pauta nem contenção e isso
haveria de custar-lhe a cabeça, ainda nem chegara aos trinta anos. Os
amigos do Baptista tinham uma certa vergonha dele e muito gosto na
própria cabeça, e por isso deram-lhe o nome de código de O Precursor,
para que não se soubesse de quem falavam quando falavam. Hoje em dia, o
analfabetismo instalado chama-lhe O Percursor.
O São João que não é nosso, o Evangelista, era mais manso e teve uma
vida flauteada. Morreu velho e de morte natural. Filho de Zebedeu, irmão
de Tiago Maior e eventualmente sócio de André e Pedro no negócio das
pescas, seria o mais novo dos doze apóstolos do Nazareno, segundo
consta. De pescador quiçá analfabeto, fez-se teólogo e escritor. De
evangelho e epístolas, apocalíptico então. Discípulo dilecto, João, o
que não é nosso, era aquele a quem Jesus amava, o que se lhe aninhou no
peito durante a Última Ceia, está nos retratos. O assunto continua a
prestar-se, ainda hoje, às mais diversas e variadas.
No meu tempo de Fafe, quanto a santos populares, o São João era um
hospital muito grande no Porto, felizmente com a camioneta da João Carlos Soares a passar-lhe à porta. Tínhamos, isso sim, o Santo António da minha rua, o São Pedro da Recta e creio que ainda frequentei o São Pedro da Granja. Quanto ao resto, deixe estar, que está bem.
O mais que se sabia do São João eram uns versinhos muito antigos que
certamente pertencem ao cancioneiro fafense e era de norma cantar à mesa
na noite de passagem de ano, quando já estavam todos mais para lá do
que para cá. Assim fazíamos na nossa família. Insisto, para quem não é
de Fafe: fafense deve ler-se e dizer-se fafénsse. E os versinhos
contavam assim:
O São João, ó dlindlindlim,
tem um carneiro, ó dlandlandlam,
com dois guizos no pescoço.
E quando toca, ó dlindlindlim,
o guizo fino, ó dlandlandlam,
também toca o guizo grosso.
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