Foto Hernâni Von Doellinger |
Duas mulheres com feições e conversa orientais, deito-me a adivinhar. Provavelmente chinesas e aparentemente mãe e filha. Ouço-as antes de as ver. Estão agachadas entre os arbustos do Parque da Cidade, em posição de necessidades. Desolho num relâmpago, cheio de vergonha e culpa por ter olhado, e fujo dali para fora aos solavancos o mais depressa que posso. As sapatilhas que herdei do meu filho fazem-me bolhas nos calcanhares e na planta dos pés. Mancam-me. Já é o terceiro par que recebo assim, começo a desconfiar que estou de castigo.
Dia seguinte à mesma hora lá estão elas outra vez. As duas outra vez aninhadas, movendo-se de cócoras pelo meio do restolho como melros e, alto e pára o baile, isso já me autoriza a não desviar o olhar. Isso de se moverem, digo bem, mais o facto de cada uma delas arrastar consigo de vez em quando uma daquelas enormes sacas de supermercado que custam 50 cêntimos nos dias em que não são dadas. Aproximo-me. "É pala chá. Só pala chá. Só chá!", diz-me a mulher mais velha, incomodada e, parece-me, receosa da minha curiosidade.
Percebo. As duas mulheres com feições e conversa orientais catam flores de madressilva, que já esbordam das sacas de supermercado. Voltam lá todos os dias, vejo-as pelas cinco da tarde, às vezes com reforços, na zona mais ocidental e marítima do parque, ali pelos arredores do Queimódromo, do Castelo do Queijo e do Edifício Transparente.
Consulto o Dr. Google, que me explica tudo. A flor da madressilva é altamente valorizada na medicina tradicional chinesa, que lhe reconhece propriedades adstringente, antibacteriana, antifúngica, anti-séptica, antiespasmódica, antitumor, diaforética, diurética, expectorante, febrífuga, hipoglicémica, laxante e refrigerante. Usa-se para tratar a asma, o colesterol alto, a congestão linfática, a diarreia, a disenteria, a dor de cabeça, a dor de garganta, erupções cutâneas, febre, gripe, inchaços, infecção bacteriana, intoxicação gastrintestinal, laringite, queimadura do sol, sumagre-venenoso, tosse e úlceras. Se lhe conseguirmos acrescentar as unhas encravadas e o novo coronavírus, como já foi sugerido na China, estaremos então na presença de uma panaceia ao nível da nossa famosa banha da cobra, misteriosamente desaparecida das feiras mas ainda à venda, que eu bem sei.
Por outro lado: a avaliar pela posição em que é apanhada, o mais certo é que a flor da madressilva faça mal às costas.
Não sou dado a chás, tirando o chá de parreira. Mas o caso: a mulher mais velha, sem que eu lhe tivesse perguntado, fez questão de dizer-me, como se estivesse a defender-se de uma acusação, que era "só pala chá". Mas porquê? A coisa também se fuma, será? Hummm!... Vim-me embora com essa pedra no sapato. E era escusado. As putas das sapatilhas já me dão mau andar que chegue...
P.S. - Publicado originalmente no dia 25 de Maio de
2012, então sob o título "Madressilva, a mãe de todas as curas". Hoje, 15 de Dezembro, é Dia Internacional do Chá.
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