segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Apetecia-me bater-lhes

Deixei passar umas horas, para não dizerem que reagi a quente. Pensei bem no assunto, pesei os prós e os contras, medi os assim assins e os vice versas. Estou calmo e consciente das dramáticas consequências que este meu texto pode vir a provocar a nível nacional e internacional, mas há alturas na vida de um homem em que um homem tem que ser homem, venha quem vier, doa a quem doer e chova o que chover. As polémicas a mim não me assustam, antes pelo contrário. E eu vi. Eu estava lá e vi, com estes dois que hão-se ser cremados. Vi um jovem casal a comer bacalhau assado na brasa com batatas fritas. Batatas fritas, estão a perceber? Batatas fritas! Perante tão dantesco espectáculo, tenho ou não tenho direito à minha dose de indignação? Pois é claro que tenho, muito obrigado.
Fui aí a um sítio que faz o melhor bacalhau assado de Portugal e, portanto, do mundo. É servido com batata cozida (é claro), coberto com cebola e azeitonas e generosamente regado com um azeite e alho tão extraordinário que só apetece dar banho ao pão. Para cumprir todos os meus cânones, falta-lhe o ovo cozido, é certo, mas esta é uma falha que eu relevo com todo o gosto.
Na mesa ao lado, o jovem casal também estava no bacalhau. Acompanhado por cerveja, uma a dividir pelos dois, logo no berço do alvarinho e do trajadura. Eu ia perdendo o apetite! Mas o pior ainda estava para vir. E veio: uma travessa de batatas fritas, porque as cozidas não lhes serviam - ficaram todas - ou então nunca tal tinham visto.
Ainda pensei desculpá-los. "Está bem, são espanhóis (não consegui sequer considerá-los galegos, era doloroso de mais para mim), estes tipos não percebem nada disto". Mas não desculpei. E é preciso que se note que eu sou pela livre escolha. Para mim, cada um come do que gosta. Mas há comportamentos que, por escandalosos, devem ser guardados para o recato do lar. Eu próprio já comi bacalhau assado com feijoada à transmontana, mas foi em casa de amigos. Nunca por nunca o faria em público. Haja decoro! Para além do mais, gastronomicamente falando, a feijoada com o bacalhau na brasa é uma extravagância, enquanto que a batata frita não passa de uma indigência.
Apetecia-me bater-lhes. E ia bater-lhes, mas

reparei que um cliente, três ou quatro mesas à minha frente, estava a sentir-se indisposto, com a mulher já a pé, amparando-o e implorando auxílio com os olhos. Esqueci o resto. Vi ali a oportunidade por que esperei toda a minha vida. Pousei os talheres, cheio de classe, e preparava-me para levantar-me, ainda com mais classe, quando um atrevido se me antecipou pela direita e se dirigiu à senhora, de forma calma e discreta, dizendo exactamente o que eu ia dizer:
- Desculpe, eu sou médico. Então o que é que se passa? Posso ajudar?
Usurpador de merda! Apetecia-me bater-lhe. Aquela frase era minha. Minha! Aos anos que a ando a treinar. Eu diria aquilo muito melhor. A única vantagem do gajo é que era médico.

7 comentários:

  1. rrrsssssss. Adoro passar por aqui!! Podia ter aproveitado para dizer a frase ao jovem casal que comia batatas fritas com o bacalhau!! Só podiam estar gravemente doentes... não acha?:) Tinha-se antecipado ao seu"colega" e viria a ser o assunto do dia no restaurante!! :)) beijinho

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  2. Muito obrigado pela visita e pelo simpático comentário.

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  3. Caro Hernâni
    Eu, no seu lugar e acredite que gostaria de estar...por cauda do bacalhau, mas também do Alvarinho, ficaria tal como o amigo, ou seja, verde de raiva com tanta falta de cultura.
    Mas aqui para nós que ninguém nos ouve; eu já tive a desdita de acompanhar um fantástico cabrito assado à moda de Piódão com cerveja...
    Não é isso amigo, eu sei muito bem, que cabrito se acompanha com um bom vinho tinto. Quem não sabia e duvido que ainda hoje saiba, é o cidadão Aníbal Cavaco Silva, a cuja mesa tive o privilégio de me sentar e que fez questão de escolher cerveja, fazendo com que os outros participantes no repasto o acompanhassem nesse exemplo de cultura gastronómica.
    Essa eu nunca mais vou esquecer.
    Gaspar de Jesus

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  4. Ó caro Gaspar, essa é de antologia. Mas, sinceramente, até acaba por não me espantar, vindo a cerveja de quem vem. De resto, tal como na política, o cidadão Aníbal era (é?) uma desgraça à mesa. A mulher só faltava bater-lhe nas mãos por ele pegar no que não devia, não era? Mas esta história também é V. Ex.ª que a sabe contar...

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  5. Caro Hernâni
    Permita-me que o corrija.
    O sonso Aníbal Cavaco Silva é uma desgraça em tudo, para mal dos nossos pecados.
    Não tencionava voltar ao assunto, mas aceito o desafio que está implícito na sua resposta.
    Cavaco Silva é efectivamente uma marioneta dependente das mãos e da vontade da esposa que lhe impõe a sua vontade mesmo em público. O homem fica «encavacado», mas não tem a força necessária para a chamar à atenção.
    Este cidadão não deveria ser presidente, nem de um qualquer grupo de 20 amigos.
    Assim sendo, voltamos à cerveja e ao cabrito.
    Veio então a cervejinha para todos, mas quando a dele acabou Cavaco tinha ainda um, ou dois, pedaços de cabrito no prato.
    Sem que a D. Maria se apercebesse pediu outra cerveja. Quando o funcionário, correspondendo ao pedido, colocou a garrafinha na sua frente a esposa reagiu perguntando: - para quem é essa cerveja...?
    Tu já bebeste a tua parte, não bebes mais!
    Cavaco bem argumentou: - mariazinha, eu só vou beber mais um pouco, para acompanhar com o cabrito que me resta...
    - não não, já bebeste a tua cerveja!
    Fez-se um silêncio pesado, estava-mos todos «encavacados» até que, um dos comensais, sentado mesmo ao lado de D. Maria apelando ao seu mais fino humor resolveu deitar água na fervura dizendo: - tem a senhora doutora muita razão, veja só as cervejas que o Primeiro Ministro já bebeu... e começou a contar todas as garrafas que ocupavam a mesa.
    Rsrsrsrs
    O que ele foi fazer...! Virando-se na sua direcção, a austera senhora repreendeu: - OLHE QUE É MUITO FEIO, ESTAR A REPARAR NO QUE OS OUTROS COMEM OU BEBEM!
    OUVIU?
    Isto que aqui escrevi é rigorosamente verdade!
    Foi presenciado por mim.
    Gaspar de Jesus

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  6. Ora cá está. Isto, sim, é uma bela história, a história completa, caro Gaspar de Jesus. Por muito que eu me tenha esforçado nestes quatro meses de blogue, creio sinceramente que esta participação de V. Ex.ª é o ponto mais alto até hoje alcançado pelo Tarrenego! Muito obrigado.
    h.

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  7. Alguns dos habituais leitores do Tarrenego! queixam-se de que não conseguem publicar os seus comentários. Enquanto não ultrapassamos o problema (que eu ainda não sei qual é), aqui fica o comentário de M., chegado por via alternativa:

    "Por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher. Se calhar, a mesma lógica aplica-se ao caso dos pequenos homens. M"

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