Nas minha terra, os cegos eram "ceguinhos". Agora que penso nisso, acho que era um tratamento rústico mas carinhoso, de respeito, que contraponta com a inexplicável designação de "invisuais", esse moderno eufemismo que tem tanto de pateta como de desnecessário. (Pois, e os surdos são insonoros...). Em miúdo, muito gostava eu de ouvir o cego que parava na minha rua a cantar em tons trágicos e rima fácil aquelas estórias de amor e ciúme, faca e alguidar, que anos mais tarde são o ganha-pão das nossas televisões e dos nossos jornais! De todas e de todos!
Não me lembro se alguma vez deitei algum tostão no boné surrado que o ceguinho estendia à caridade. Não sei, mas se calhar não era preciso: éramos praticamente amigos, eu e o ceguinho. Eu passava lá o dia. Os dias.
Por estas e por outras, os anos passando, sempre tentei evitar a tirada fácil do "não há dinheiro nem para mandar tocar um cego". Acho um abuso, uma falta de respeito, de gosto. Mas confesso que a estúpida vaidade do brilharete momentâneo levou-me algumas vezes, muitas mais do que eu gostaria, a falhar nesta intenção. E mordo a língua de arrependimento. Mas isso sou eu...
Agora, ao ver hoje o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel de Lemos, a vir para os jornais dizer, através da agência Lusa, exactamente que "não há dinheiro para mandar tocar um cego", já não sei o que pense...
O senhor de Lemos é presidente das Misericórdias, valha-me Deus! Das Misericórdias, porra!
Ó senhor presidente, isto cá só entre nós, e haverá dinheiro para mandar cantar um surdo? E para mandar dançar um coxo? E um maneta a...
Senhor presidente das Misericórdias, gabo-lhe o gosto.
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