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sexta-feira, 9 de março de 2018

João Simões Lopes Neto 3

Deve um queijo!…

O velho Lessa era um homem assinzinho... nanico, retaco, ruivote, corado, e tinha os olhos vivos como azougue... Mas quanto tinha pequeno o corpo, tinha grande o coração.
E sisudo; não era homem de roer corda, nem de palavra esticante, como couro de cachorro. Falava pouco, mas quando dizia, estava dito; pra ele, trato de boca valia tanto - e até mais - que papel de tabelião. E no mais, era pão, pão, queijo, queijo!
E, por falar nisto:
Duma feita no Passo do Centurião, numa venda grande que ali havia, estava uma ponta de andantes, tropeiros, gauchada teatina, peonada, e tal, quando descia um cerro alto e depois entrava na estrada, ladeada de butiazeiros, que se estendem para os dois lados, sombreando o verde macio dos pastos, quando troteava de escoteiro, o velho Lessa.
De ainda longe já um dos sujeitos o havia conhecido e dito quem era e donde; e logo outro passou voz que aí no mais todos iriam comer um queijo sem nada pagar...
[...]

 "Contos Gauchescos", João Simões Lopes Neto 

(João Simões Lopes Neto nasceu no dia 9 de Março de 1865. Morreu em 1916.)

quinta-feira, 9 de março de 2017

João Simões Lopes Neto 2

O negro Bonifácio

Se o negro era maleva? Cruz! Era um condenado!... mas, taura, isso era, também!
Quando houve a carreira grande, do picaço do major Terêncio e o tordilho do Nadico (filho do Antunes gordo, um que era rengo), quando houve a carreira, digo, foi que o negro mostrou mesmo pra o que prestava... mas foi caipora.
Escuite.
A Tudinha era a chinoca mais candongueira que havia por aqueles pagos. Um cajetilha da cidade duma vez que a viu botou-lhe uns versos mui lindos - pro caso - que tinha um que dizia que ela era uma

"............................................... chinoca airosa,
Lindaça como o sol, fresca como uma rosa!..."

E o sujeito quis retouçar, porém ela negou-lhe o estribo, porque já trazia mais de quatro pelo beiço, que eram dali, da querência, e aquele tal dos versos era teatino...
Alta e delgada, parecia assim um jerivá ainda novinho, quando balança a copa verde tocada de leve por um vento pouco, da tarde. Tinha os pés pequenos e as mãos mui bem torneadas, cabelo cacheado, as sobrancelhas finas, nariz alinhado.
Mas o rebenqueador, o rebenqueador... eram os olhos!...
Os olhos da Tudinha eram assim a modo olhos de veado-virá, assustado: pretos, grandes, com luz dentro, tímidos e ao mesmo tempo haraganos... pareciam olhos que estavam sempre ouvindo... ouvindo mais, que vendo...
Face cor de pêssego maduro, os dentes brancos e lustrosos como dente de cachorro novo, e os lábios da morocha deviam ser macios como treval, doces como mirim, frescos como polpa de guabiju...
E apesar de arisca, era foliona e embuçalava um cristão, pelo só falar, tão cativo...
[...]

 "Contos Gauchescos", João Simões Lopes Neto 

(João Simões Lopes Neto nasceu no dia 9 de Março de 1865. Morreu em 1916.)

quarta-feira, 9 de março de 2016

João Simões Lopes Neto

Trezentas onças

Eu tropeava, nesse tempo. Duma feita que viajava de escoteiro, com a guaiaca empanzinada de onças de ouro, vim varar aqui neste mesmo passo, por me ficar mais perto da estância da Coronilha, onde devia pousar.
Parece que foi ontem!... Era fevereiro; eu vinha abombado da troteada.
- Olhe, ali, na restinga, à sombra daquela mesma reboleira de mato que está nos vendo, na beira do passo, desencilhei; e estendido nos pelegos, a cabeça no lombilho, com o chapéu sobre os olhos, fiz uma sesteada morruda.
Despertando, ouvindo o ruído manso da água tão limpa e tão fresca rolando sobre o pedregulho, tive ganas de me banhar; até para quebrar a lombeira... e fui-me à água que nem capincho!
Debaixo da barranca havia um fundão onde mergulhei umas quantas vezes; e sempre puxei umas braçadas, poucas, porque não tinha cancha para um bom nado.
E solito e no silêncio, tornei a vestir-me, encilhei o zaino e montei. Daquela vereda andei como três léguas, chegando à estância cedo ainda, obra assim de braça e meia de sol.
- Ah!... esqueci de dizer-lhe que andava comigo um cachorro brasino, um cusco mui esperto e bom vigia. Era das crianças, mas às vezes dava-lhe para acompanhar-me, e depois de sair a porteira, nem por nada fazia cara-volta, a não ser comigo. E nas viagens dormia sempre ao meu lado, sobre a ponta da carona, na cabeceira dos arreios.
Por sinal que uma noite...
Mas isso é outra cousa: vamos ao caso.
[...]

"Contos Gauchescos", João Simões Lopes Neto

(João Simões Lopes Neto nasceu no dia 9 de Março de 1865. Morreu em 1916.)