Foto Hernâni Von Doellinger |
Moro
mesmo em frente ao mar, se for para a varanda e me puser de lado. É o
que costumo dizer: na minha rua passa o mar. No meu quintal estacionam
navios de passeio mediterranicamente atlânticos, paquetes carregados,
descarregados e outra vez carregados de turistas rotundos e supersónicos
que conseguem turistar o Norte de Portugal inteiro em menos de oito
horas. Há quem chame ao meu quintal, por inveja, Terminal de Cruzeiros
do Porto de Leixões. Mas não: é o meu quintal!
Noutro
dia estacionou-me ali em baixo o Costa Pacifica, o da fotografia. São
mais de 290 metros de navio para 3.780 passageiros. Os paquetes que me
batem regularmente à porta têm-me dado que pensar, suscitam-me reflexões
de pequena e média profundidade que aqui humildemente partilho com os
meus queridos leitores. E daquela vez vieram-me à cabeça os cus. Os cus
que os cruzeiros descarregam e recarregam.
Cu de turista não é
brincadeira, já repararam? É traseiro de bitola larga e se for cu
americano então ocupa o mundo inteiro, incluindo o México e o Brasil,
menos a Alemanha e a Rússia. Até parece que para se ser turista -
turista encartado - é preciso ter um cu daqueles. E o cu alemão e o
próprio cu russo também para lá caminham, não querem ficar atrás. O que
diz tudo a respeito dos cus.
Imagino que sejam muito ricos os camones com que me cruzo nas bordas do Porto de Leixões - eles a saírem todos cheios de good morning e eu, de passagem, "desculpem lá a shit de dog na sola da sandália, é good luck, com os cumprimentos de Matosinhos City".
Tão turistas e tão prendados de cu, têm de ser muito ricos. Engordam e
viajam porque podem. Se calhar são todos reformados da administração do
Millennium BCP ou do BES mas não querem que se saiba.
Os turistas. Chegam e parece-me sempre um congresso de cus com sala de
espera no Passeio Atlântico, que se vê à rasca para aguentar semelhante
pesadelo. Toneladas e toneladas de bagagem extra em traseiros
colossais e gingões mesmo à frente do meu nariz e que até naufragam
tuque-tuques. Confesso: é um espectáculo que não pára de maravilhar-me.
Olho para os cus e olho para o barco, e só me apetece elogiar o génio
humano, os avanços da ciência, os milagres da indústria, a arte e o
engenho dos modernos fazedores de navios, supremos desafiadores das
leis da física. Fascina-me aquilo que não consigo compreender. Para os
cus e para o barco, olho. Olho para o barco e penso: como é que aquilo
não vai ao fundo com tanto cu descomedido lá enfiado?
P.S. - Publicado originalmente no dia 4 de Novembro de 2012.
Hoje, 20 de Abril, é Dia do Turista, há quem diga. Derivado à pandemia,
Matosinhos está actualmente sem barcos, sem turistas e portanto sem cus.
Sobram os alojamentos locais e os galegos, que são da casa.
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