Desde que desistiu da tv cabo e, passados três meses, teve também que  vender o plasma, Quitério anda a pôr-se a pé mais cedo. Quer ser o  primeiro a chegar ao café da esquina para arranjar um bom lugar em  frente ao televisor, à espera de novidades do FC Porto. Nunca há.
Isto  já lá vão mais de dois anos, e o aluguer de cadeira e um quarto de mesa  não é de graça. Quitério começou por tomar um cimbalino com cheirinho  todas as manhãs, depois passou a tomar um copo de água e agora, para não  passar a vergonha dos moinas, toma diariamente uma atitude, que é "ó  Verinha, deixe estar, que eu levo-lhe o lixo ao contentor".
Ainda  ontem: sem notícias do reino do Dragão, mas animado por mais duas  telerreportagens sobre famílias portuguesas falidas (o melhor que há  para começar o dia, logo a seguir a uma marretada na cabeça), Quitério  lá foi todo contente cumprir a sua humilhação quinzenal, apresentando-se  na Junta de Freguesia como desempregado encartado, vivo e não fujão.  Esperou na fila, enquanto a funcionária fazia o intervalo que lhe  apeteceu para pequeno-almoço, ouviu dos colegas de desemprego mais umas quantas tragédias e uma ou outra trafulhice, chegou a vez dele, outra vez cheio  de vergonha e já com o coração aos saltos, assinou sob palavra de honra e  cartão do cidadão, recebeu a licença para mais quinze dias de vida e  saiu dali cada vez mais cheio de cócegas para atirar com a albarba ao ar.
Quitério  tem uma idade que é uma desgraça: 53 anos. Ninguém lhe responde aos  anúncios de emprego a que ele responde. Quitério imagina que os miúdos  que lhe abrem o currículo riem-se como perdidos antes de o deitarem  fora.
O amigo Adérito, bastante mais novo e também em busca de  trabalho, tenta consolar Quitério: "Deixa lá isso, pá, já não sei o que é  pior: se ninguém nos responder, ou responderem-nos propondo-nos  condições abaixo de cão". Pois parece que sim, consta que até já se paga  para trabalhar. Será verdade? E o Paulo Portas sabe?
Seja como  for, há mais de dois anos que Quitério procura um novo emprego. Todos os  dias. E só encontrou um - apenas um - para pessoas com mais de 50  anos: um lugar de Pai Natal em Ovar. Era para as três primeiras semanas  do mês de Dezembro do ano passado e exigia-se "residência na zona ou  arredores". Quitério morava então na Maia e não conseguiu vender a casa a  tempo. Mas este ano é certinho: se o anúncio se repetir, a casa já não  será problema. O banco tomou conta, por atraso nas prestações.
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