Foto Hernâni Von Doellinger |
Assaltos na A28
Continua a onda de assaltos na A28. A Via Livre, empresa concessionária desta ex-scut nortenha, não consegue ter mão num sistema de controlo de portagens meio marado e tendencialmente rapinante que, silenciosamente, sem dizer sequer "mãos ao ar!", ataca os automobilistas mais incautos, sacando-lhes à traição dois euros aqui, três ou quatro mais à frente, numa sanha extorsionária que parece não ter fim.
Sim, falo de cobranças indevidas. E, sim, falo daqueles condutores que se fiam num sistema de controlo de portagens parido a bordo da nave do "2001: Odisseia no Espaço", um sistema que parece funcionar em roda-livre e que, portanto, não é de confiança, antes pelo contrário. E falo assim porque, pelo menos para já, não tenho razões para desconfiar que por detrás de tudo isto haja má-fé da concessionária. Boa-fé é a dos utentes, que acreditam no que não devem, não conferem as cobranças, não se apercebem dos abusos e não reclamam. Não reclamam, não há devolução. E está consumado o assalto.
As principais vítimas são os automobilistas aderentes ao sistema de isenções e descontos inventado à pressão pelo Governo de Sócrates para calar o povo e que, até Junho do próximo ano, dá direito a uma borla de dez viagens mensais em cada ex-scut. Sendo que, segundo as doutas palavras da própria Via Livre, "uma viagem resulta da agregação dos trânsitos (passagem de um veículo por um ou vários pórticos) realizados por um mesmo veículo, numa determinada via e no mesmo sentido de marcha". Isto é, só para dar um exemplo: ir do Porto a Viana do Castelo, ou vice-versa, conta apenas como uma viagem.
Como é que funciona então o esquema, esta espécie de portajacking? Em vez de "agregar os trânsitos" e marcar só a entrada e a saída da auto-estrada, o maluco do sistema, quando lhe dá na cabeça, resolve assinalar também a passagem por um ou mais pórticos intermédios, transformando artificialmente uma única e ininterrupta viagem em duas ou três... ou quatro. Resultado: quem fez apenas dez viagens numa mesma ex-scut durante um mês, todas gratuitas exactamente até à décima, passa a ter contabilizadas onze, doze... ou treze viagens. E já lhe foram ao bolso! Por uma, duas... ou três vezes.
Acha que exagero? Se também por lá anda, comece a olhar com olhos de ver para os extractos e registos de cobrança das suas passagens na A28 e depois diga-me alguma coisa.
(Publicado originalmente no dia 1 de Setembro de 2011)
Galiza de ida e volta
Fui despedir-me da Galiza. Não sei quando lá torno, não sei se lá tornarei. Não há dinheiro, não há vícios, e a Galiza era um dos meus mais queridos vícios. Estou, na verdade, a pôr em ordem a minha ausência de futuro. Ando a despedir-me de todos os meus sítios. Comecei por cortar no supérfluo, nos prazeres da vida, mas dei comigo já a roer as unhas ao essencial, a questionar a própria subsistência. O mais certo é nunca mais pôr os pés fora de casa, para poupar as solas dos sapatos. Resta-me a varanda e a vista para o mar, se me puser de lado, e a companhia da gaivota cagona. O CRF vai ser substituído por água da torneira com duas gotas de tintura de iodo, em balão previamente aquecido ao sol, e o cachimbo passará ser a fumado com barbas de milho.
Almoço, às terças, quintas, sábados e domingos; jantar, às segundas, quartas e sextas. Entre mim e a minha mulher, quem almoçar não janta no dia seguinte e quem jantar não almoça no dia seguinte. Ementa única para almoço e jantar: meia malga de caldo de couves sem azeite e um papo-seco seco. Quem comer o caldo de couves sem azeite deixa o papo-seco seco para o outro, que fica automaticamente sem direito a caldo. Parece complicado, mas não é. É tudo uma questão de confiança, como explicou o primeiro-ministro Passos Coelho na sua mensagem de Natal. Creio que a coisa vai funcionar, assim nos deixem morrer em paz.
Portanto fui despedir-me da minha Galiza. E sabem que mais? Paguei portagens. Paga-se portagens nas auto-estradas da Galiza e os portugueses também. Sempre pagaram. Não há excepções nem ofertas. Mas os meus irmãos galegos são uns pândegos e resolveram embirrar com as nossas ex-scut que nos entram a nós, portugueses, pelos bolsos dentro depois de nos terem sido prometidas e entregues como "sem custo para os utilizadores".
Primeiro foi Xóan Vasquez Mao, secretário-geral do Eixo Atlântico, a desafiar todos os espanhóis a passarem pelas nossas ex-scut sem pagarem portagens e sem medo de multas, dando a entender que tinha garantida a cumplicidade do Governo português. Agora são vários hotéis de Vigo a oferecerem aos clientes portugueses o valor das portagens na A28 nos programas especiais de passagem de ano para contrariar a quebra de negócio já sentida no Natal. E sugerem à hotelaria do Norte de Portugal que faça o mesmo com os seus clientes galegos.
Vamos lá ver em que param as modas. Já que ninguém nos dá nada do lado de cá, até pode ser que, por tabela, ainda acabemos por ganhar alguma coisa com os do lado de lá.
(Publicado originalmente no dia 29 de Dezembro de 2011)
Assalto na A28, agora é oficial!
Denunciei-o aqui em Setembro do ano passado. Os automobilistas aderentes às isenções e descontos na A28, entre Viana do Castelo e o Porto, andavam a ser roubados por um sistema de controlo de portagens que era tudo menos de confiança. Os assaltos eram uns atrás dos outros. Mais de meio ano depois, a Estradas de Portugal veio hoje confirmar a "anomalia".
Diz a Estradas de Portugal que a Via Livre, concessionária da A28, já terá "resolvido" o problema e estará "neste momento a analisar a forma mais célere e eficaz de rectificar as incidências ocorridas".
Lamento informar a Estradas de Portugal de que, infelizmente, não é bem assim. Neste mal contado caso há ainda muitas pontas soltas, diversos esclarecimentos a fornecer, algumas contas a acertar. A ele voltarei, e à Via Livre, mas deixemos primeiro passar a Páscoa.
(Publicado originalmente no dia 5 de Abril de 2012)
Reclamar é bom
Eu não era assim. Eu era o típico português de come e cala, paga e não bufa. Mas as circunstâncias mudaram-me o feitio e agora ninguém me atura. No espaço de seis meses, já me peguei pelo menos com os CTT, dois bancos, quatro vozes ao telefone, uma concessionária de auto-estrada, um leitor do contador da água, um fabricante de alheiras, uma operadora de telecomunicações, uma editora, seis vendedores porta a porta, um supermercado, mais dois ou três institutos públicos, e tem sido muito bom. Eu agora sou assim.
E estou particularmente à coca com movimentos bancários e portagens. É. Cobrança abusiva de portagens, multas aplicadas por engano, pagamento de custas por serviços não prestados e até cobrança de anuidades gratuitas, tem-me acontecido de tudo. E eu reclamo. E eles devolvem-me a massa. Demoram, mas devolvem.
O que é preciso é estar atento. O mais certo é que eu andasse a ser levado há um ror de anos, mas não dava fé, não ligava. Ouvia dizer que andava meio mundo a roubar o outro meio e achava que era apenas azar estar sempre no lado errado do mundo. Palerma.
Agora estou sempre em cima deles. E, desde que reclamo, sinto-me um homem novo, embora o mercado de trabalho não seja da mesma opinião.
Mas isto é uma guerra. Temos que estar psicologicamente preparados e ter... uma paciência de Job. A táctica deles é milenar, do tempo do Sun Tzu: tentam vencer-nos pelo cansaço. Primeiro, começam por ignorar a nossa reclamação; depois, após mais 15 contactos, dizem que enviaram a reclamação para o departamento competente; depois, após mais 14 contactos, o departamento competente diz que vai analisar a situação; depois, após mais 13 contactos, o departamento competente diz que está a analisar a situação; depois, após mais 12 contactos, o departamento competente diz que o assunto passou para as mãos do coordenador; depois, após mais 11 contactos, informam que, sim senhor, estão finalmente prontos a devolver-nos os tais 5,32 euros. Aqui já se passaram quatro ou cinco meses, mas volta tudo ao princípio: lá temos que explicar outras 66 vezes, com desenhos e tudo, que são 27,76 euros e não 5,32 euros. E, pronto, um belo dia o nosso querido dinheirinho (27,76 euros) lá torna a casa, de onde nunca deveria ter saído. Simples, não é?
A táctica deve resultar com a maioria, porque até departamentos oficiais a usam. Há meses que estou à espera que SIEV (Sistema de Identificação Electrónica de Veículos) e InIR (Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias), dois organismo públicos, me respondam a um par de questões simples, tão simples que quase poderiam ser resolvidas com um sim ou com um não, mas nem sequer se dignam acusar a recepção dos meus e-mails. Um por mês, religiosamente.
Pois que tirem o cavalinho da chuva, de mim não se livram. Não tenho ganho sempre, mas já ganhei muitas vezes. E reclamar desopila.
(Publicado originalmente no dia 2 de Julho de 2011)
SIEV, o outro serviço secreto
O SIEV (Sistema de Identificação Electrónica de Veículos) é o segredo mais bem guardado do Estado português. Não se sabe para que serve, embora se suspeite que não serve para nada. Não se sabe o que faz, embora seja quase certo que não faz nada. Se faz alguma coisa, é de morto. Faz com que não se dê por ele. Faz que não existe. E foi assim, usando esta eficaz técnica de camuflagem, que o SIEV se safou da extinção que o Governo acaba de decretar para umas dezenas de organismos e institutos igualmente públicos e notoriamente inúteis.
O SIEV foi criado em 18 de Maio de 2009, no reinado de José Sócrates. O Ministério da Obras Públicas, Transportes e Comunicações atribuiu-lhe "o exclusivo de exploração e gestão do sistema de identificação de veículos" para pagamento de portagens. Mas isto é só fachada. Já em Junho de 2010, nas vésperas de começarmos a ser obrigados a pagar as auto-estradas gratuitas, o semanário Expresso se referia ao SIEV, em título, como "a empresa fantasma que gere as portagens". "A sociedade pública criada em Maio do ano passado pelo Governo para autorizar, gerir e fiscalizar todo o sistema de chips de matrículas e de portagens nas SCUT é uma pequena sala vazia no Paço do Lumiar", escrevia então o jornalista Micael Pereira.
E pouco deve ter mudado desde então. O site do SIEV, tal como naquela altura, continua "sem um número de telefone para onde se possa ligar" ou sem nomes de directores a quem nos possamos dirigir. É um serviço secreto. Há apenas uma "morada provisória" e um endereço de e-mail que, como se verá a seguir, também não serve para nada.
Há quase meio ano que me dirijo ao SIEV, por e-mail, solicitando uma simples informação. Tão simples, que a resposta até pode ser resumida a um sim ou a um não. Fiz o primeiro contacto no dia 5 de Abril de 2011 e procedi ao reenvio da minha missiva a 14 de Abril, 5 de Maio, 2 de Junho, 5 de Julho, 22 de Julho, 1 de Agosto, 7 de Agosto, 16 de Agosto, 22 de Agosto, 29 de Agosto, 5 de Setembro, 12 de Setembro e hoje. Sim, há dois meses que contacto o SIEV todas as segundas-feiras. Contacto, é uma forma de dizer, porque fico sempre a falar sozinho. O fantasma do SIEV não se digna sequer acusar a recepção dos meus e-mails ou mandar-me bater a outra porta.
Eu e o SIEV estamos, portanto, praticamente a festejar o nosso primeiro meio aniversário. Se vou desistir? Não! Se este é o texto da minha capitulação? Não! De hoje a oito há mais.
P.S. - Publiquei este texto no passado dia 19 de Setembro de 2011. E continuei a escrever ao SIEV. Escrevi nos dias 26 de Setembro, 3 de Outubro, 10 de Outubro, 17 de Outubro, 31 de Outubro, 7 de Novembro, 14 de Novembro, 21 de Novembro, 28 de Novembro, 5 de Dezembro, 12 de Dezembro, 19 de Dezembro e 26 de Dezembro, 2 de Janeiro de 2012, 9 de Janeiro, 16 de Janeiro, 23 de Janeiro, 30 de Janeiro, 6 de Fevereiro, 13 de Fevereiro, 20 de Fevereiro, 27 de Fevereiro, 5 de Março, 12 de Março, 19 de Março, 26 de Março e 5 de Abril, na comemoração do nosso primeiro aniversário. E nada se alterou. Portanto, há um ano e quarenta e uma tentativas que espero por um sinal de vida do SIEV! Voltarei ao assunto proximamente, para falar também da Via Livre, concessionária da A28.
(Publicado originalmente no dia 17 de Abril de 2012)
Denuncie aqui
São painéis publicitários devolutos e ladeiam a A28. Painéis grandes, espaçosos, cada um deles dava bem para albergar uma família de casal e três filhos se fosse proibido espirrar. Os painéis dizem, em letras garrafais, ANUNCIE AQUI. Mas eu leio sempre DENUNCIE AQUI.
É a mania que tenho de deixar ir a minha imaginação por onde lhe apetecer. Um interessante jogo a que me entrego sem perigos de maior, uma vez que o volante não está nas minhas mãos: não tenho carta, não sei conduzir, portanto não conduzo, mesmo sabendo que, para a maioria dos automobilistas, uma coisa não implica necessariamente a outra.
Mas onde é que eu ia? Ah!, nos painéis, os enormes painéis publicitários e vagos que eu imagino mandados colocar pelo Governo dando-nos a ordem expressa de que nos transformemos numa sociedade de delatores. DENUNCIE AQUI! E imagino o trânsito parado na A28, com quilómetros e quilómetros de filas de gente a guardar vez para chegar ao painel mais próximo e poder enfim oficializar a sua denúncia. A denúncia há muito trazida atravessada na garganta.
E imagino as denúncias e os denunciados. Imagino a denúncia escrita contra o vizinho de cima que arrasta móveis de noite, contra o preço de uma garrafa de vinho, contra o desgraçado que recebe subsídio de desemprego e ainda tem que fazer uns biscates para poder dar de comer aos filhos, contra o marido que bate na mulher, contra a mulher que bate no marido, contra o filho que bate no pai e na mãe que batem um no outro, contra o beijo do casal homossexual, contra os beijos, contra os que estão contra os beijos, contra os espanhóis que passam pelas portagens e não pagam, contra os governantes que fecham os olhos, contra os espanhóis que nos cobram portagens, contra a velhota sem reforma que roubou duas maçãs no supermercado, contra os pretos, contra os brancos, contra o trabalhador que já não aguentava a perseguição de que era vítima no emprego e meteu uma falsa baixa antes que endoudasse de vez, contra a Galp que só faz de conta que baixa o preço da gasolina, contra o árbitro do jogo do Benfica contra os que estão contra o árbitro do jogo do Benfica, contra a merda do acordo ortográfico, contra a fome e a guerra no mundo (foi uma misse que disse), contra o roubo no IVA da electricidade, contra os roubos na própria A28, contra o colega de trabalho que é do PS, contra o colega de trabalho que é do PSD, contra os partidos, contra os inteiros, contra os canhões...
Imagino que o que o Governo quer é pôr-se a salvo dos rancores, dos ódios, dos desencantos, da frustração, da inveja, da mesquinhez, da intolerância, da desesperança, da impaciência, da ira e da revolta dos portugueses, fornecendo papel e lápis e canalizando para o muro das lamentações da A28 este extremar dos sentimentos populares, inevitavelmente exacerbados em tempos de costas ao alto e bolsos vazios.
E imagino o Governo, pela calada da noite, a aparecer em biquinhos de pés por detrás dos painéis, a lançar a escada e a retirar, sem ler, a enorme folha completamente preenchida de denúncias, a rasgá-la em tirinhas, a queimá-la num instante e a colocar uma nova folha para o dia seguinte.
(Publicado originalmente no dia 16 de Agosto de 2011)
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