Sempre gostei de me deitar no chão. Desde pequenino. O Verão em Fafe
era um forno, e a nossa mãe punha-nos a dormir a sesta no chão da casa,
não no chão estreme mas por cima de um cobertor fininho e fofo, e
dormíamos como anjos de barriguinha ao léu. Porque o ar rasteiro é mais
fresquinho, está provado cientificamente, e a nossa mãe sabia também
disso, embora nunca tivesse ouvido falar de correntes de convecções,
fluidos, átomos ou moléculas.
Habituei-me. Sempre que pude na vida, dormi a minha soneca no chão do
campo, do monte e até da praia, se pela fresca da manhã. Casei e fui
morar para a Foz, no Porto: a casa dos meus sogros tinha um
quintal-jardim que era um mimo, e era ali que eu me estendia, no cimento
do caminho ou na relva do coradoiro, em tardes e noites de suar em
bica. Depois bebia uma ou duas garrafas de espadal frigorificadas e já
estava em condições de ir para a cama...
Agora, há mais de trinta anos em Matosinhos, com o mar a passar na minha rua:
agora custa-me a deitar, ainda por cima no chão, que me fica cada vez
mais longe,
e preciso de um guindaste para me levantar. Mas não resisto: de quando
em
quando dá-me para a toléria - é a idade -, ponho o capacete e, em quatro
ou cinco
movimentos muito complicados e perigosos, às vezes doze, consigo
deitar-me no chão da sala, com muitos ais e uis pelo meio e a televisão
ligada só para que o som me
faça companhia. Às tantas a minha mulher entra, assusta-se e grita: -
Ai, meu Deus, que ele morreu! Que é da motorizada?...
E eu, de olhos fechados e mãos cruzadas sobre o peito: - Morri, o
caralho! Estou apenas deitado no chão. Chama a polícia, que a culpa foi
do outro...
Mural da história: este calor será do tempo? Pinte-se!
P.S. - Publicado originalmente no dia 2 de Julho de 2017.
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