sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Adopte um e leve dois

Ouça lá! Porque é que não adopta um elefante? Eles andam aí pelos cantos, coitadinhos, depois de terem sido despedidos do circo derivado ao politicamente correcto, modernidades. São desempregados, pobres, abandonados, sujos, aleijados, excluídos, maltratados, elefantes. E agora ninguém lhes pega, por causa da má publicidade: diz que incomodam muita gente. Homessa, Cavaco Silva também, e, mais, não falta quem ande com ele ao colo! Vá lá, hoje é o dia certo, adopte um elefante, ou, olhe, melhor ainda, adopte um casal de elefantes e sinta-se bem a respeito da sua excelente pessoa, é só uma questão de organizar o espaço em casa. E os elefantes ainda hão-se ser moda...

P.S. - Publicado originalmente a propósito do Dia Mundial do Elefante. Hoje é Black Friday e Dia de Não Comprar Nada. Estamos no Natal, meus meninos!...

Um coelho extraordinário

Era um coelho realmente incrível. Tirava ilusionistas da cartola.

Número de circo

Pediram-lhe que indicasse alguns dos principais números de circo. Lembrou-se apenas do 69.

P.S. - É. Estamos no Natal, meus meninos!...

E siga a Marinha!...

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Palhaço, mas palhaço completamente

Sonhava-me no circo, não do lado cómodo do público, mas no centro das atenções, no lado cómico, de nariz vermelho, cara pintada e sapatos de metro, a inventar alegria para os outros. E para mim. Isso, alegria para mim. Porque eu sempre quis ser palhaço. Ou por outra: quando eu era pequeno, em Fafe, primeiro queria ser grande. E quando fosse grande queria ser palhaço, maquinista de comboio, famoso, padre, polícia à paisana, pianista, advogado, jornalista, actor, bombeiro, jogador de futebol, Tarzan, presidente da república, terrorista, papa, escritor, herói, cantor, ciclista, santo, piloto de avião de guerra como o Major Alvega e pirata.
Que se segue: já há muito que sou grande e, francamente, sou Tarzan e é um pau. Sou Tarzan como a maioria dos portugueses: estamos de tanga e isso é indesmentível, somos portanto tarzões.
Mas palhaço é que era! Alguns amigos, lisonjeiros, dizem-me que eu às vezes até sou um bocado palhaço. Por outro lado - o das costas -, alguns filhos da mãe que não me gramam acusam-me de eu às vezes ser um bocado palhaço. Palavra de honra, às vezes e um bocado não me chega: eu queria ser palhaço, mas palhaço completamente.

P.S. - Publicado originalmente no dia 14 de Junho de 2015. Viva o circo! Vivam os palhaços! Viva o Natal!

Quem com ferros ferros com ferros ferros

O grande problema do engolidor de espadas era a azia. Mudou de ofício, por indicação médica...

O faquir

Homem que é homem não dorme. Passa pelas brasas. E sem ais nem uis!

Guerra das estrelas

Morra Marte, mas morra farte!

P.S. - Hoje é Dia do Planeta Vermelho.

Havendo vida em Marte

Havendo vida em Marte

Havendo vida em Marte suponho que haja intrigas. Beijo, brejo, pouco nexo… mar imenso, suicidas.
Havendo vida em Marte suponho que haja mídia. Césio, tédio, prédio, sexo… pouco senso, pesticida.
Havendo vida em Marte suponho que haja brigas.
Havendo vida em Marte suponho que haja morte. Dor, enfarte à la carte… internet, fone, sorte.
Havendo vida em Marte suponho que haja corte. Belas-artes, vôo charter, Robocop fraco forte.
Havendo vida em Marte suponho que haja morte.


Itamar Assumpção, "Cadernos Inéditos"

P.S. - Hoje é Dia do Planeta Vermelho.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

O tempo da nabiça e do tomate

Foto RTP Arquivos

Dezembro a bater à porta e o Borda D'Água manda resguardar as plantas do gelo. Arrotear terras e mato para as sementeiras da Primavera. No crescente, continuar as covas e a estrumagem. As sementeiras de trigo e centeio continuam se não houver geadas, bem como a de cebola, couves, beterraba, nabiça, pimentos, tomate e salsa. Em sítios abrigados pode-se ainda semear agrião, espinafre, alfaces, fava e ervilha. Plantar ainda macieiras e pereiras. Cortar madeiras, no minguante. Continuar a poda das vinhas e mergulhia das vides. Fim da apanha da azeitona e limpeza dos lagares. No jardim, prossegue a plantação de roseiras, gladíolos, cíclames e lírios, a proteger das geadas. Semear ervilhas-de-cheiro, goivos e jacintos. Quanto aos animais, abrigue o gado do frio e chuva, e acarinhe-o.
Quer-se dizer: em Dezembro descansa mas não durmas, como recomenda, por seu lado, O Seringador.
E pronto. É este tempo, senhores. O tempo. Ou, como dizia o outro na rádio a preto-e-branco: na aldeia do Senhor Costa, assim vai a agricultura. E quem diz Costa, diz Montenegro.

Isto à conclusão do engenheiro Sousa Veloso, que faleceu faz hoje dez anos. José de Sousa Veloso, engenheiro agrónomo e mítico apresentador do programa TV Rural da RTP. Durante três décadas, o Senhor Engenheiro deu as notícias e a táctica aos lavradores e outros telespectadores portugueses. Morreu no dia 27 de Novembro de 2014, com 88 anos. Conheci muito bem o engenheiro Sousa Veloso. Ambos frequentávamos o velho café Peludo. Ele no televisor pendurado logo à entrada, do lado esquerdo, por cima dos bolos-reis previamente encomendados e comprados fora para o Natal, e eu sentado no canto contrário, atento à TV e aos bolos, ouvindo uma e desejando os outros, nem que fosse só um bocadinho. No final, o Senhor Engenheiro dizia, num largo sorriso, já em cima da música: "Despeço-me com amizade, até ao próximo programa". Era para mim.

O circo sem lentejoulas

Foto Santiago Andreu

Havia uns circos muito jeitosos, pequeninos, descapotáveis, que andavam de terra em terra. Eram circos de rua, de esquina, próprios para terras de remediada dimensão. Nada de tendas, rulotes, camiões, jaulas, luzes, altifalantes, cartazes, grandes trupes, nomes extraordinários, antes pelo contrário. Eram circos de bolso, anónimos, amiúde unifamiliares - uma velha carripana, o homem, a mulher, duas ou três crianças, todos artistas, e o cão, magro como um faquir, mas não praticava. A fome devia ser muita. E o guarda-roupa deixava demasiado a desejar. A carripana era transporte, armazém, camarim e casa.
Em Fafe, na então orgulhosa vila de Fafe, abancavam no Largo, que era onde tudo acontecia, até a feira e a Volta a Portugal. Ali no ângulo da Rua 31 de Janeiro com a Praça 25 de Abril, num pedaço de passeio mais espaçoso onde hoje encosta, se não me engano, a Fafetur, era esse o sítio. O verdadeiro salão nobre da terra, com licença do Jardim do Calvário.
Eram circos sazonais e breves. Precisavam apenas de um cantinho, vinham num pé e iam noutro. Chegavam numa tarde de Verão, estendiam uma lona no chão, chamavam o povo ali à volta e iniciavam a função. Sempre a toque de caixa. Umas palhaçadas, umas cabriolas, sucintos números de malabarismo, equilibrismo e contorcionismo, às vezes até uma amostra de funambulismo ainda que curta e a baixa altitude, mas sim, porque circo que é circo obviamente trabalha no arame. Meia hora, se tanto, e estava feito. No final da apresentação e dos merecidos aplausos, uma das crianças, geralmente menina, passava pela roda do excelentíssimo público com um chapéu ou um prato na mão, recolhendo o dinheiro que cada um resolvesse dar de paga, e havia quem atirasse moedas de agradecimento para a lona coçada e rota. Assim, uma ou duas matinés, três no máximo, se a plateia o justificasse ou o dinheiro em caixa ainda não chegasse para a sopa, depois as crianças desvestiam-se do circo, os pais arrumavam os tarecos, a lona era recolhida, e toca a entrar na carripana, partiam todos, ainda de dia, decerto por causa da imensidão da viagem e aparentemente em direcção a Guimarães, que, no meu ponto de vista, naquele tempo, era em direcção ao mundo. E eu ficava como a noite.
Estes circos de porta a porta, estes extraordinários espectáculos, ando capaz de dizer que seriam os sucessores ou, pelo menos, uma derivação directa dos "Saltimbancos" que itineravam o Portugal mais profundo durante as décadas de cinquenta e sessenta do século passado, apresentando o famoso show da cabra ou "cabrinha", outro assombro dos antigos. Uma cabra, ou cabrito, vá lá, que fazia equilibrismos em cima, por exemplo, do gargalo de uma garrafa de cerveja, ela própria, a garrafa, colocada, por sua vez, em cima de um banco de madeira, dos de cozinha. Uma coisa realmente de pasmar!
A cabra, ou cabrito, vá lá, às vezes era um cão ou um gato, mais raro um macaquito marca sagui ou, também acontecia, um burro. Mas eu não me lembro de ver, nem essa parte me interessava por aí além. Não tinha, naquela idade, qualquer posição estruturada sobre a problemática da exploração de animais domésticos em sede de circo de pé-rapado, mas sabia, sempre soube, que de burros já estava Fafe bem servido. Basta pensar na burra do Reigrilo, e não é preciso ir mais longe...

P.S. - Publicado originalmente no meu blogue Fafismos. Estamos no Natal, meus meninos!...

E tem música

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Adeste infideles

Sabem: quando se acorda com aquela canção, aquela música na cabeça que nos embala o dia inteiro? Isso. Acordei com Adeste fideles na cabeça. Acordei e olhei para o rádio-relógio-despertador da mesinha-de-cabeceira - quatro da manhã. O habitualmente circunspecto rádio-relógio-despertador riu-se de mim, que eu bem vi. Fui à cozinha beber um copo de água e conferir o calendário - 26 de Novembro de 2024. O calendário riu-se de mim, tenho provas. Foda-se! Já nem o Natal é quando um homem quiser...

Massa ao quartilho

Um conto de Natal era geralmente uma seca. Já um conto de réis eram mil escudos. Uma pipa de massa naquele tempo, é preciso que se note.

Cheira a Natal

Já cheira a Natal - alguém disse. Ele, atrapalhado, explicou - Não fui eu.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Anticomunismo ao serão

Foto Hernâni Von Doellinger

Portugal ardia no ano de 1975. Em Fafe, o ambiente político e social também se extremava, de uma forma particularmente artificial e burgessa, manobrada à distância, os artífices sem darem a cara e os burgessos na linha da frente, e com consequências tão trágicas, tão localmente desestruturantes, deixando feridas tão a céu aberto, que a nossa terra nunca mais foi a mesma - mas isso, a história dessa irreparável tristeza, fica para outro dia.
O País a ferro e fogo, e Fafe também. Havia ameaças, tiros, atentados, punham-se bombas, assaltavam-se e incendiavam-se sedes partidárias. Sobretudo a Norte. Sobretudo do PCP. Com a bênção do cónego Melo. Dava na televisão, saía nos jornais, que tomavam posições. No Comércio do Porto, dois jornalistas experientes e com agenda, Ercílio de Azevedo e Fernando Barradas, assinavam uma coluna que viria a dar brado, "Os Cravos na Ferradura", um espaço militante com o seu quê de reaccionário, como então se dizia à esquerda. Essas crónicas, geralmente bem esgalhadas, escritas às vezes com graça, foram o consolo e o farol doutrinário de muito boa e santa gente durante o PREC (Período Revolucionário em Curso) e o Verão Quente, do 11 de Março ao 25 de Novembro, e com tal sucesso entre os leitores mais conservadores ou fascistas recentemente desmamados que as tiragens do Comércio terão subido aos cem mil exemplares, contando-se até que houve jornais, em certos dias, a serem vendidos na candonga a 100 escudos cada um.
O êxito foi tal que alguns daqueles artigos transformaram-se rapidamente em livro, com prefácio de Paradela de Abreu. A obra, com o mesmo título da rubrica original, "Os Cravos na Ferradura", ainda hoje pode ser encontrada por aí, na internet, em diversos sítios de alfarrabistas e simpatizantes, mais ou menos recomendados.
O Comércio do Porto era objecto de culto. No país beato e de direita revanchista, guerrilheira, e em Fafe também. Um dia, 11 de Outubro de 1975, estava eu no tasco do Nacor com o meu tio Américo, eu e os meus 18 anos, na cozinha da Dona Isabel, que era um brinco e um mundo, e o Landinho Bacalhau, o antigo, anunciou que um grupo de ilustres fafenses iria homenagear naquela noite os jornalistas do Comércio. Seria com uma ceia, altas horas, no restaurante do Café Académico, e os homenageados fariam o favor de comparecer.
Eu quis logo saber se admitiam penetras, como quem diz, a minha pessoa. Eu queria conhecer jornalistas a sério, precisava de ver como é que eles eram. Se eram praticamente como nós, as pessoas normais. O Landinho explicou-me que "a condição sine qua non" para participar na coisa era ser leitor do Comércio do Porto, e isso eu era, porque o Comércio do Porto era o meu jornal, isto é, o jornal do café, do Peludo, mas que tinha de perguntar ao organizador do evento, que era o Senhor Francisco Oliveira, que disse que sim, eu podia ir. Por outro lado, aquela foi a primeira vez na minha vida em que ouvi a expressão cagona sine qua non e gostei bastante, embora esta seja também a primeira vez em que a uso motu proprio, e logo duas vezes.

Portanto lá fui. O grupo de ilustres fafenses era composto, se não me engano, pelo vimaranense Fernando Roriz, que foi deputado, presidente do Vitória e vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, entre outras encomendas, pelo Dr. Marques Mendes, Dr. Antunes Guimarães, Chiquinho Gonçalves, Manel da Pinta, o Landinho, o Francisco Oliveira, eu a um canto a tirar apontamentos de cabeça, decerto mais alguém ou alguéns de que não me lembro e, não sei porquê, gosto de pensar que o Dalmo Pinto também por lá passou ou esteve, antes, durante ou depois.
Um curioso painel, aparentemente heterogéneo, unido talvez, pelo menos naquela altura, por um certo anticomunismo, mais semântico do que primário, num ou noutro caso, se é possível dizê-lo, gente de alguma forma ligada ao PSD e ao PS locais, e eu, que não era de um nem de outro, antes pelo contrário, lá estava destoando como sempre e ainda hoje me sinto muito bem com isso.
Da parte do Comércio do Porto, o Fernando Barradas primou pela ausência, mas apresentou-se o Ercílio de Azevedo, acompanhado por dois futuros directores do jornal, o Silva Tavares e o Manuel Teixeira, que era então um rapazinho e que viria a ser também administrador da Lusomundo e chefe de gabinete de Rui Rio na Câmara do Porto, sendo mesmo considerado, ainda hoje, o principal conselheiro do ex-líder do PSD. Não eram os únicos, que nisto, quando é para comer e beber, os jornalistas aparecem sempre, mas varreram-se-me os outros.
A ceia foi a madrugada inteira e os pormenores mais delicados ficam, para já, comigo. Mal eu sabia como é que viria a ser a minha vida alguns anos mais tarde. Comeu-se e bebeu-se bem, isso posso desde já dizer. Falou-se muito. Eu não. Anticomunistou-se com assinalável pertinácia, atrevo-me a supor. O Dr. Guimarães meteu os jornalistas na ordem quando um deles, entusiasmado, se pôs em bicos de pés. Percebemos porque é que Ercílio de Azevedo, autor das famosas "Tripas à moda do Porto", escrevia melhor, segundo nos contaram, quando decilitrava. No centro da mesa havia um bolo que o Senhor Francisco Oliveira mandara fazer na Pastelaria Monumental. O bolo exibia uma ostensiva pena alegórica e decerto alguns dizeres alusivos aos plumitivos convidados. Não sei quem é que pagou a conta, bolo incluído, que deve ter tido uma saída do caraças, não faço sequer ideia se havia preço de inscrição ou multa de presença. Se havia, eu fiquei isento.

Agora. O Senhor Francisco Oliveira (1928-2021) era um querido amigo. Não naquela altura, mas nos últimos anos. Ligava-me de vez em quando, avisava-me que vinha ao Porto, a tratamento, mas só nos pudemos encontrar uma vez. Passámos um pedaço de tarde à conversa na Rua Sampaio Bruno, na esplanada de um cafezinho, falou-me do livro que queria escrever, tirei-lhe o retrato que pus lá em cima, visitámos a Feira do Livro, que por acaso naquele ano era ali ao lado, na Avenida dos Aliados. Ele comprou e eu não. Também ia sabendo dele pelo Bertinho Dantas.
O Senhor Oliveira, Francisco Oliveira Alves, era um homem bom, generoso, às vezes de uma desarmante pureza, e esforçava-se por fazer parte da História. Fez. Houve quem o usasse, e ele queixava-se. É um fafense excelentíssimo, certamente um dos melhores da sua geração. Para além disso, era pai do Chico, meu colega de escola e amigo de infância, mas isso já seriam outros quinhentos.
Só hoje, entre parágrafos deste texto, é que apaguei do meu telemóvel o número do Senhor Francisco Oliveira. Era assim que lá estava: Senhor Francisco Oliveira. Apaguei e, caramba, agora parece-me que perdi alguma coisa e não sei o que hei-de fazer ao velho cartão-de-visita corrigido à mão que ele um dia também me deu...

P.S. - Publicado no dia 24 de Novembro de 2023.

25 de Abril sempre!

Vinte e cinco de Abril sempre, nem que seja só às vezes. 

O defeito do 25 de Abril

O mal do 25 de Abril é ser só um dia. Uma efeméride.

De olho nela

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 24 de novembro de 2024

Os do 28 de Maio

Há os do 25 de Abril. E há os do 25 de Novembro. Uns são donos do 25 de Abril, os outros são donos do 25 de Novembro. E todos apresentam argumentos de propriedade sobre a data respectiva e coisa e tal, alguns por herança, outros por usucapião, uns tantos por revelação divina, certos e determinados por puro e simples assalto, sendo curioso notar que abundam, enfim, os que por acaso até dão para os dois lados. É a vida. Os do 25 de Abril cantam bonitas cantigas. Os do 25 de Novembro, regra geral, são do 28 de Maio. E estão de volta.

Canção do Salgueiro (Maia)


Esta recebi-a do Jaime Froufe Andrade. Foi em Abril, no tempo dela, mas vale a pena lembrá-la hoje. E amanhã. E sempre! No blogue Campainha Eléctrica, li que "o tema "Canção do Salgueiro" tem música e letra de Carlos Tê, que também assegura a produção ao lado de Mário Barreiros e Pedro Vidal. Barreiros é responsável pela mistura e masterização, pela bateria, guitarra eléctrica e teclados, cabendo a Pedro Vidal, director musical de Jorge Palma e parceiro dos Blind Zero e Wraygunn, outra guitarra acústica e eléctrica e também o banjo. Na canção participam ainda Rui David na voz, Patrícia Lestre na voz e violino, Paulo Gravato, saxofonista de Pedro Abrunhosa ou dos Azeitonas, e Rui Pedro Silva no trompete. A voz principal é de Carlos Monteiro." A canção pode ser ouvida aqui. E a letra do Tê diz assim:

Canto agora ao salgueiro
Que um dia abriu os olhos
E viu reinar o vampiro
Sobre a lezíria cansada
De tanto choro e suspiro
E gente tão aviltada

Saiu em fúria da margem
E foi bradar ao terreiro
No seu cavalo de ferro
Pediu contas ao vampiro
E ali lhe fez o enterro
Sem disparar um só tiro

Ai ó meu velho salgueiro
Dá-me a tua sombra amiga
Se há bom tronco lusitano
És da cepa mais antiga

Ai ó meu velho salgueiro
Estás aí tão mudo e quedo
És filho dum ferroviário
Que fez um manguito ao medo

E depois voltou à margem
E ficou a salgueirar
Junto ao Tejo em Santarém
Onde as Tágides vão dançar
Quando a lua harpeja as águas
Certas noites de luar

Canta de peito o pardal
No poleiro da capital
Cantiga logo esquecida
Mas tu estás de pedra e cal
Mesmo em terra batida
Alto é teu pedestal

Ai ó meu velho salgueiro
Dá-me a tua sombra amiga
Se há bom tronco lusitano
És da cepa mais antiga

Ai ó meu velho salgueiro
Estás aí tão mudo e quedo
És filho dum ferroviário
Que fez um manguito ao medo

O grande naufrágio

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 23 de novembro de 2024

Isto está perigoso

De repente parece que o 25 de Abril não presta. Parece que ser pelo 25 de Abril é defeito. Parece que fomos enganados durante estes anos todos a respeito do 25 de Abril. Parece que, afinal, o 25 de Novembro é que é bom. E parece que o 24 de Abril, que está aí outra vez, ainda é melhor. Caralho, meus senhores, isto anda realmente perigoso...

P.S. - Publicado originalmente no dia 26 de Novembro de 2023.

Adopte uma árvore!

Hoje é Dia da Floresta Autóctone. Das nossas árvores. Da árvore de seiva pura portuguesa. Se não tem em casa, vá ao monte e corte uma.

P.S. - Hoje é Dia da Floresta Autóctone.

Jornalista, disse ele

Perguntaram-lhe:
- Profissão?
- Jornalista.
- Imprensa, televisão, rádio, agência noticiosa ou multimédia?
- Câmara municipal.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Consultor de Imagem.

On the road again

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Iniciação

Mandaram-no foder. E ele foi. E gostou bastante.

P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.

Bolinha baixa

Mandaram-no baixar a bola, e ele baixou. Mas o relvado estava uma lástima...

P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.

Abaixo de Braga

Mandaram-no abaixo de Braga, e ele foi. Quando chegou a Celeirós, telefonou a perguntar se já chegava.

P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.

Não se faz

Mandaram-no ir num pé e vir no outro, e ele foi e ele veio. Mas há coisas que não se dizem a um perneta...

P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.

Pela sombra

Mandaram-no ir pela sombra, e ele foi. Era meia-noite e não lhe deu grande canseira.

P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.

Cu de Judas

Mandaram-no para o cu de Judas, e ele foi. Era escuro...

P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.

Banho ao cão

Mandaram-no dar banho ao cão, e ele deu. Aproveitou para limpar e lubrificar as estrias, o ferrolho e o gatilho.

P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.

Cavalinho da chuva

Mandaram-no tirar o cavalinho da chuva, e ele tirou. E no entanto estava um rico dia de sol.

P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.

Com os ursos

Mandaram-no jogar ao pau com os ursos, e ele foi. Nunca mais se soube dele. 

P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.

Vou ali e já volto

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Pedimos desculpa por esta interrupção

Às vezes pergunto-me como seria o mundo sem televisão. E acho que provavelmente seria um bocadinho melhor.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Televisão.

Os animais da minha infância

Tive uma infância feliz, em Fafe, rodeado de animais de estimação, ditos agora de companhia. Tínhamos um cão chamado Rin Tin Tin, tínhamos uma cadela chamada Lassie, tínhamos um canguru chamado Skippy e até tínhamos um cavalo chamado Mister Ed ao qual nem faltava falar. Eu ia vê-los ao café, porque em casa não tínhamos televisão.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Televisão.

Televisão de faca e alguidar

Os andarilhos estão na moda. E as bicicletas, para outro tipo de clientela. Os andarilhos, as bicicletas e as trotinetas. As cenas de pancadaria, facadas, tiros e mortes entre jovens bandidos, por nada ou por quase nada, também. Sobretudo facadas. A malta nova anda agora toda por aí com naifas, como quem usa boné ou sapatilhas de marca. É. As televisões de faca e alguidar tratam da propaganda, montam o espectáculo, ensinam como se faz. A moda tem muito que se lhe diga. E pode ser fatal.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Televisão.

Grande momento de televisão

Uma vez à noite, na TVI, Janeiro de 2012, como se fosse ontem. Marcelo Rebelo de Sousa pregava aos peixes, na sua habitual homilia dominical. Ele era ainda apenas comentador ou, vá lá, pitoniso oficial do regime. Falava da troika e de Cavaco Silva, que lhe estava a aquecer o lugar, de Pedro Passos Coelho e de António José Seguro, da UGT e da CGTP, da Grécia e da Alemanha, do Benfica e do Sporting, de carecas e de cabeludos, da fome e da fartura, de tudo e de nada. O costume. Como hoje em dia. De repente, lá atrás no cenário da redacção vazia, passa a dona Alice das limpezas, de aspirador pela trela, logo seguida pela dona Amélia, com um caixote de lixo na mão, e da dona Matilde, que não resiste e acaricia com o pano do pó o tampo de uma das mesas de trabalho por assim dizer. Grande momento de televisão! Esqueci-me da arenga do Professor (na verdade os seus comentários nunca me interessaram realmente), e concentrei-me no desfile em fundo. Fiquei cliente do programa de variedades, mas infelizmente elas nunca mais apareceram...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Televisão.

Redacção (exactamente: cção)

A televisão é muito importante. Gosto de ver na televisão as redacções das televisões porque nas redacções das televisões que dão na televisão não há cadeiras partidas. Durante muitos anos trabalhei em muitas e variegadas redacções, na rádio e sobretudo na imprensa, mas nunca na redacção de uma televisão.
Nas redacções onde eu trabalhei as cadeiras eram todas mancas e andávamos à pancada por uma que se segurasse mais ou menos. O sobrevivente marcava a sua cadeira para toda a vida, mas quando virava costas já ela estava debaixo do cu de outro. E andávamos outra vez à pancada. Foi por isso que, quando chegou a altura de nos mandarem para o olho da rua, e mandaram, e continuam a mandar, estávamos sem forças para irmos às ventas dos bandalhos que fazem ofício de destruir redacções e que têm cadeiras da televisão. Feitas de cortiça.
A televisão é muito boa porque dá na televisão. Eu gosto muito da televisão.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Televisão.

Telelixo, realmente

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Tocavam sempre duas vezes

Os carteiros de Fafe eram homens poderosos. Traziam dinheiro, levavam notícias e, sobretudo, sabiam tudo de toda a gente. A vida toda. A situação económica, a saúde, o casamento, os filhos, as inclinações políticas, desportivas e religiosas, sabiam de quem saltava o muro ou mijava fora do penico. Sabiam de mortos e de vivos. De virgindades, desconsolos, infidelidades e viúvas. Isso, de viúvas é que eles sabiam! E eram casamenteiros, espertos promotores de segundas núpcias. Viesse algum homem de fora à procura de uma viúva fafense ainda em uso para casar, era só perguntar ao carteiro. Ele levava o pretendente à porta certa. À minha mãe foi-lhe oferecido um abastado batateiro transmontano, tinha camioneta e tudo, mas ela optou pela viuvez para o resto da vida. Foi peninha. Estaríamos hoje todos muito bem...
Mas era assim. Para os nossos carteiros, não havia segredos na vila e arredores. Seriam um perigo, se por acaso não fossem também boas pessoas - e realmente eram-no.
A Polícia daquele tempo vestia uma farda de terilene cinzento, que era a cor da Autoridade e do País. Os carteiros também vestiam de cinzento, com boné e tudo, mas em cotim. A outra diferença é que os carteiros eram nossos amigos. Gente de categoria, profissionais prestáveis, pessoas decentes. Fafenses excelentíssimos, sem dúvida e sem favor.
Lembro-me do João da Quintã, irmão do Avelino do Café e casado com a Deolinda do Tónio Quim Calçada, o João que depois desistiu de ser carteiro e foi com a família para o Canadá, se não estou em erro. Lembro-me do António Cunha, também bombeiro e assíduo camarada de conversa. Lembro-me do bom Belarmino Freitas, casado com a Licinha Mota da Casa Satierf, que queria dizer Freitas ao contrário. Lembro-me evidentemente do pândego Aristides e estou em crer que ainda me lembro também do pai do Aristides, o carteiro Egídio, se a memória não me atraiçoa. Deveria decerto lembrar-me de mais ilustres carteiros da nossa terra, parece-me até que estou a vê-los, os rostos, as figuras, o modo de andar, mas infelizmente não me ocorrem os nomes que lhes correspondam. E peço desculpa pela involuntária omissão.
Para além de poderosos, eram intrépidos os nossos carteiros. Valentes. A calcantes, de bicicleta chocolateira ou numa velha motorizada de serviço, saca de couro a tiracolo, enfrentavam as mais violentas intempéries e até cães. E eram persistentes. Tocavam sempre duas vezes, como no cinema, e três e quatro e cinco e seis, tantas vezes quantas fossem necessárias para serem atendidos, se sabiam - e sabiam sempre - se havia gente em casa. Eles é que decidiam o que era urgente e o que podia esperar para o dia seguinte. Se fosse preciso, tratando-se de dinheiro ou de documentação importante com prazos a respeitar, diligências melindrosas que não podiam nem deviam ficar ao cuidado de vizinhos, então eles próprios, os carteiros, extrapolando obrigações e abandonando a rota determinada, iam à procura dos destinatários aos sítios alternativos do costume, aos locais mais extraordinários mas já conhecidos, habituais, na feira, na poça, no tanque público, no rio, nos campos, no café, no tasco, no campo da bola, à porta da igreja, palavra de honra, era mesmo assim que as coisas se passavam. 
"Que nós bem, graças a Deus", dizíamos nas cartas que mandávamos aos nossos entes queridos, e estava certo, quero acreditar. Graças a Deus, que tudo sabe e por todos olha. Mas também graças aos carteiros. Pelo menos os de Fafe não Lhe ficavam muito atrás. E por eles esperávamos, ansiosos mas confiantes, "até à volta do correio"...

P.S. - "O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes" é um dos mais famosos romances do jornalista e escritor norte-americano James M. Cain. Adaptado para o cinema por David Mamet, deu origem ao filme homónimo de Bob Rafelson, com Jack Nicholson e Jessica Lange.

Mulher amiga...

Com aquela caloraça, a mulher comprou-lhe um pijama de Verão, por acaso bem jeitoso. Chamou-o ao quarto, abriu o gavetão e disse-lhe: - Estás a ver? Gostas? Fica aqui guardadinho para quando fores para o hospital... 

P.S. - Hoje é Dia Nacional do Pijama.

The woman

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 19 de novembro de 2024

A actriz

Ficou famosa por ser a primeira mulher a fazer de Super-Homem.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O Super-Homem

Admitiu finalmente que era ele o Super-Homem e, verdade seja dita, ficou muito admirado por sê-lo.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O problema do homem invisível

O problema do homem invisível era a sombra, a sua própria sombra. Dava muito nas vistas.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

Levado ao engano

O homem-estátua foi despedido. Por falta de produtividade. Logo ele que tinha sido contratado para não mexer uma palha.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

Era uma vez o homem-sanduíche

Terminado o serviço, o homem-sanduíche chegou a casa e comeu-se.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O homem-rã

O homem-rã apareceu à tona em câmara lenta e saiu da água com toda a calma do mundo, perante o evidente embaraço do casal de patos-bravos que faz segurança municipal à propriedade. Vestia um blusão cor-de-laranja que dizia nas costas Bombeiros Voluntários de Fafe, BVF, passou por um bando de turistas inesperadamente japoneses e acabadíssimos de descarregar no novo terminal de cruzeiros de Calvelos, sorriu para os flaches e continuou naquele andar cómico até ao bar da Barragem. Entrou no bar, saltou para cima de um banco, depois saltou para cima do balcão e mandou vir, com uma nota de cinco euros na mãozinha verde e imperativa: - Coach!, coach!

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O homem-bala

Cabisbaixo e de mala na mão, o homem-bala apresentou-se logo de manhãzinha na rulote da gerência. Deixava o circo. Ia embora para casa. Descobrira durante a noite que era objector de consciência e favorável ao desarmamento unilateral e total. 

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O homem-crocodilo

Despedido pela Lacoste, o homem-crocodilo fez-se à vida e foi com a mulher vender nas feiras. Mas bastante contrafeito.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O Homem-Prazol

Os super-heróis. Fui um apreciador, confesso. Desde os meus tempos de miúdo, em Fafe, à pala da televisão a preto e branco do Peludo, das borlas no Cinema ou dos livrinhos de cobóis levados à troca no postigo por baixo da Arcada, onde agora funciona o Turismo. Apreciava o homem-aranha, o homem-formiga, o homem elefante, o homem-rã, o homem de gelo, o homem de ferro, o homem de lata, o homem-bala, o homem-estátua, o homem invisível, o homem que veio de longe, o homem-sanduíche, o homem-crocodilo, o homem-tocha, o homem-máquina e até o homem-bata, que quase existia, do meu tempo de seminário. Apreciava, sim senhor. Mas. Derivado a pecados velhos e por indicação médica, hoje em dia sou mais dado ao homem-prazol.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Homem.

O homem-tocha

O homem-tocha mudou de residência. Chamam-lhe agora homem-mealhada.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O homem-máquina

O homem-máquina gripou. Foi ao centro de saúde. Mandaram-no para a oficina. Obviamente. 

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O homem de ferro

O problema do homem de ferro era o sexo. Não ia lá sem lubrificação.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O homem-aranha

O homem-aranha morreu. Vítima de uma teia de interesses, é o que consta.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

O Homem de Gelo

O calcanhar-de-aquiles do Homem de Gelo era o Verão. Assim um bocado como o Ferrero Rocher... 

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

A deslocalização do homem-estátua

Porto, meados do mês de Novembro de 2024. Ao fim de 35 anos de inabalável serviço na ex-libríssima Praça da Liberdade, o homem-estátua chamou o fiscal da Câmara num pst! muito bem disfarçado. "Ó colega, isto aqui já não dá nada. Até o cavalo de D. Pedro IV leva mais do que eu ao fim do dia. Vou-me embora, se calhar para Fafe, fazer de pedregulho no Largo. Ou então dou o salto para o Brasil, há agora aquela vaga do Cristo Redentor, que fugiu por causa do Lula, e levo um guarda-sol e uma grade de cerveja. Lembras-te do Miguel Relvas? Sabias que sempre que os portugueses emigram têm uma visão universalista que lhes traz sucesso?", disse o homem-estátua ao fiscal camarário, por entre dentes e sem perder a pose. Era efectivamente um homem-estátua muito profissional e filósofo amiúde. "Além disso, estou farto de que me caguem em cima", acrescentou, descendo finalmente do banco de cozinha e arrumando os tarecos e o reumatismo em dois sacos plásticos do Pingo Doce do tempo em que os sacos plásticos eram de borla. "As pombas?", perguntou o fiscal da Câmara, que era um bocadinho lerdo, porém presto para as multas. "O quê?", perguntou o homem-estátua, que já nem se lembrava do que tinha acabado de dizer. "Cagam-lhe em cima, as pombas?", perguntou o fiscal da Câmara. "Os pombos. O Sócrates, o Cavaco, o Jardim Gonçalves, o Oliveira e Costa, o Salgado, o Rendeiro, o Dias Loureiro, o Duarte Lima, o Vara, o Durão Barroso, o Horta e Costa, o Carlos Costa, o António Costa, o Constâncio, o Centeno, o Cabrita, o Medina, o Vieira, o Berardo, e estes são apenas os que eu distingo pela anilha e pelo cu, que de fronha são todos muito parecidos...", respondeu o homem-estátua, escarafunchando os bolsos à procura dos apontamentos e do manguito do Bordalo. Tinham sido realmente muitos anos de gesto suspenso e bico calado.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

The man

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

O fim do papel

Adepto ferrenho da modernidade e do digital, conseguiu finalmente acabar com o papel na sua empresa. Nas casas de banho notou-se logo.

P.S. - Amanhã é Dia Mundial da Casa de Banho. Mas não deixe para amanhã o que pode fazer hoje.

Para cus quadrados

Saio muito pouco de casa. Outro dia levaram-me aí a um restaurante da moda e eu ia morrendo de susto quando precisei de frequentar a casa de banho e descobri a sanita rectangular. Pensei, aflito, ensarilhado nas calças arriadas, antes de fugir pela janela, redonda por sinal: - Será que os cus mudaram de feitio e o meu não foi informado?...

P.S. - Amanhã é Dia Mundial da Casa de Banho. Mas não deixe para amanhã o que pode fazer hoje.

WC público

Foto Hernâni Von Doellinger

Os médicos, as farmácias e o sistema

Fui à farmácia comprar o antibiótico. A senhora doutora farmacêutica perguntou-me:- Marca ou genérico?
- O mais barato, se faz favor. Pode ser de saldo, se tiver, ou mesmo em segunda mão, se for em conta - respondi.
Veio o antibiótico. Genérico.
- São seis euros e setenta e nove - informou-me a senhora doutora farmacêutica.
- Seis euros e setenta e nove?! - espantei-me. - Mas o senhor doutor médico escreveu aqui na receita que, e passo a citar, "esta prescrição custa-lhe, no máximo, 77 cêntimos, a não ser que opte por um medicamento mais caro", e eu manifestamente não optei...
- Pois, mas não ligue a isso. É o que eles têm lá no sistema. O preço muda ao fim de três meses - disse-me a senhora doutora farmacêutica.
- Mas a receita é de hoje, fresquíssima - atalhei.
- Pois, mas é o sistema - reiterou a senhora doutora farmacêutica.
- E o sistema não é o mesmo para as farmácias? Entre 77 cêntimos e seis euros e setenta e nove vai uma diferença de quase dez vezes mais, como é que isto é possível? - inquiri e tornei a inquirir.
- Faça o favor de ver aqui no computador. Na verdade há mais barato, este de três euros e quinze, mas que hoje, por acaso, até já custa cinco euros e trinta e sete, e não temos - explicou-me a senhora doutora farmacêutica.
- Mas a custar 77 cêntimos é que nada - insisti.
- Nem de perto nem de longe, é o sistema - insistiu, por seu lado, a senhora doutora farmacêutica.
- E os senhores doutores médicos sabem? - eu.
- Sabem, sabem - a senhora doutora farmacêutica.
- Desculpe voltar ao mesmo: mas então porque é que os senhores doutores médicos escrevem estes preços nas receitas se sabem que estão a enganar os doentes?
- É para pressionar as farmácias - segredou-me a senhora doutora farmacêutica, chegando-se-me ao ouvido.
- E tem resultado, não tem? - devolvi-lhe eu, no mesmo tom confidencial...

P.S. - Hoje é Dia Europeu do Antibiótico.

O ocultismo

Sabe-se muito pouco sobre o ocultismo. Porque, lá está, trata-se de ocultismo. 

P.S. - Hoje é Dia do Ocultismo. E mais não digo.

O feitiço contra o feiticeiro

Quando o Feitiço se virou contra o Feiticeiro, o Feiticeiro resmungou: - Mal agradecido...

P.S. - Hoje é Dia do Ocultismo.

domingo, 17 de novembro de 2024

A mulher, o bronco e as piriscas

Foto Hernâni Von Doellinger

Seria um casal patusco, se não fosse trágico. Desengonçados ambos, cómicos no vestir, feiinhos graças a Deus, testo e panela emparelhados de encomenda. Cirandam pelas ruas de Matosinhos todos os dias, de manhãzinha à noite, de braço dado, num andar de procissão e olhos caídos, passando o chão a pente fino à cata de piriscas reutilizáveis. Ele, posto que zarolho, tem visão de longo alcance ou então algum radar que eu não sei. Vê a beata e faz um gesto com a cabeça. Ela, em obediência canina, dobra-se, apanha a prisca referenciada, entrega-lha e corre a enfiar-lhe novamente o braço, se ele deixar, até à próxima. Ele fuma e ela vai feliz. Os dois são um filme mudo. Isso, uma fita das antigas, num preto-e-branco fatela. Digo, seria um casal patusco, se não fosse trágico: quando lhe apetece, o filhodaputa bate na mulher.

Era assim. Mas há uns meses que o vejo sozinho pelas esquinas, desamparado, perdido, praguejante. A franzina senhora desapareceu de cena. De tão sumária e submissa que me parecia, temo, sinceramente temo, que lhe tenha acontecido o pior: que tenha resolvido morrer devagarinho só para não incomodar. O bronco continua por aí, agora solitário e sempre bandalho, sem escrava nem saco de pancada pelo braço, enfim obrigado a vergar a mola se quer matar o vício. O Governo criminalizou as piriscas, a ciência inventou os cigarros electrónicos e a covid desbastou cafés e restaurantes, no chão da porta dos quais ele costumava abastecer-se e rir-se das imbecilidades do Governo e da ciência. Risinhos à parte, que o gajo é tolo, a vida corre-lhe de mal a pior. E é o que eu lhe estimo.

O filhodaputa continua, portanto, às piriscas, no outro dia sem mais nem menos malcriou com a minha mulher, que não lhe liga mas tem medo dele, mais cedo ou mais tarde vou ter de lhe foder o focinho, ao porco, e já não estou em idade para semelhantes flostrias. O indivíduo continua às piriscas, que fuma acto contínuo, mas, actualizado com os tempos da pandemia, que ainda estão quentinhos, anda de máscara. A máscara padece de evidentes sinais de que foi sacada ao lixo. Mas de máscara, o burgesso. É outra limpeza, outra segurança.

P.S. - Publicado originalmente, em versão curta, no dia 23 de Agosto de 2018. Hoje é Dia Mundial do Não Fumador.

Por obra e graça do espírito santo

Tenho de confessar o seguinte: como estudante, eu nunca fui. Quer-se dizer: aluno, aulista, frequentador habitual, discípulo, discente, aprendiz ou educando, ainda vá que não vá. Mas estaria a mentir se sequer admitisse que algum dia fui estudante. Quer-se dizer, eu nunca estudei, fiei-me sempre na intuição e no espírito santo de orelha.

P.S. - Hoje é Dia Internacional dos Estudantes. Apesar de mim.

Gaudeamus igitur

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 16 de novembro de 2024

Estamos no fim do ano, meus meninos!

O Natal começa cedo cá em casa. Este ano começou no dia 9 de Novembro, sábado passado, aproveitando que estivemos o fim-de-semana de plantão, portanto sem direito ao costumado laréu. A minha mulher tirou o dia, desencaixotou o Natal e espalhou-o pela casa inteira. O pinheiro, os presépios, a aldeia de Natal, bonequinhos de neve, arranjos de mesa, canecas de Natal, Pais Natais de todos os materiais, tamanhos e feitios, laços, lacinhos, azevinhos, estrelas-do-natal naturais e artificiais, soldadinhos de madeira a fazerem de soldadinhos de chumbo, peluches alusivos e musicais, Ferrero Rocher, Mon Chéri, calendários do Advento, bengalinhas, comboiinhos, renas e grinaldas e estrelinhas e anjinhos, velas, bolas e embrulhinhos por todo o lado, em todos os cantos e corredores, em todas as portas, em todas as divisões, incluindo casas de banho, despensa e quarto de arrumos. A iluminação foi inaugurada anteontem, quinta-feira, quando o Kiko e a Sara vieram jantar. A minha mulher gosta muito do Natal, o meu filho gosta muito do Natal. Eu gosto muito da minha mulher e do meu filho.

No ano passado metemos o galo no presépio. Todos os anos experimentamos um melhoramento natalício, há muito que andávamos com o galo debaixo de olho, e foi no ano passado. Agora lá está ele outra vez, pelo segundo ano consecutivo, já afeito aos seu novos quefazeres, altaneiro e bico calado, mas imaginamo-lo todo kikirikiki como o Jerónimo do reclame da Compal, a anunciar o nascimento do Menino Jesus exactamente às 7h30, conforme muito bem podia constar da Bíblia.
O nosso galo do presépio é um galo de Barcelos, mas, atenção, não é o Galo de Barcelos. Nada de parolices, valha-nos Deus! É um galo de capoeira, obra de mestre barcelense, isso sim, 6x4 centímetros, a obra, um euro e meio, o preço. É arte.
Só presépios temos oito, para além de mais meia dúzia de Meninos Jesus avulsos, e nem a varanda e o escritório escapam ao nosso Natal. Pusemos o galo novo no presépio principal, evidentemente. O nosso é um presépio inclusivo, ao contrário do presépio do falecido papa Bento XVI, que em 2012 resolveu expulsar a vaca e o burro, porque, sentenciou, no local do nascimento de Jesus "não havia animais". Portanto, concluí eu, também não havia ovelhinhas, o que quer dizer que também não houve pastorinhos do deserto. Sobravam, inequivocamente, os três reis magos. Gente fina, vinho de outra pipa. Reis. E magos (porque o champanhe ainda não tinha sido inventado). Esses, é certo, estiverem lá, em representação de toda a humanidade - segundo Ratzinger. Estiveram os reis magos e os anjos cantadores. Os anjos também estiveram.
Que se segue? Eu por acaso até era mais dado a acreditar no burro e na vaca do que na mirabolante história de Gaspar, Melchior e Baltasar, uma boa linha média para quem jogue em 4-3-3, mas que se há-de fazer? Na verdade, eu por acaso até sou capaz de acreditar mais no burro e na vaca do que nos anjos e no presépio completo, a começar pelo dogma da virgindade de Maria tal como está estabelecido. Mas quê? Mais de dois mil anos a aquecerem o Menino com os respectivos bafos, e foi este o pagamento que o burrinho e a vaquinha receberam.
Cá em casa não expulsamos ninguém, pelo contrário. No nosso presépio entram todos. Todos são bem-vindos, sem excepção. Pastores, trolhas, cabrinhas, escafandristas, empregados de mesa, com e sem-abrigo, prostitutas, levandiscas, lambe-botas, grilos, reis magos e outros artistas de circo, polícias municipais, cães e gatos, sapos e ciganos, evidentemente o burro e a vaca, que se lixe o Vaticano!, e desde ano passado o galo, este ano a minha mulher ainda não se decidiu pela novidade, se calhar para o ano um porco e depois uma avestruz, o Ben-Hur, se também quiser, o He-Man, o Super-Homem, o homem-estátua, a Justiça de Fafe, a Barbie, o Nenuco, a Popota, a Irmã Lúcia, os Power Rangers, o Padre Cruz, os Transformers e as Tartarugas Ninja, o Zé Povinho e o Fradinho das Caldas, o Tutankhamon, o Yoda, Marcelo Rebelo de Sousa e até Bento XVI se entretanto sair em boneco.
Deus é grande, e o nosso presépio será cada vez maior.

É. Chegamos ao Verão e a minha mulher começa logo a programar o Natal, a fazer compras de Natal, a falar do Natal, e realmente num lampo estamos lá, num lampo estamos cá. Agora, nesta idade, os dias fogem-nos com uma bolina que já não conseguimos controlar. "Estamos aqui, estamos no Natal!" E de repente estamos, mal acabamos de dizer. Como se estivéssemos sempre no Natal. Como se o Natal fosse um presente contínuo. E, olhem, do mal o menos.
Faz-me lembrar o padre Fraga, mestre e amigo na minha infância sacrista. Há muitos anos, no seminário, em Braga, o querido padre Fraga passava a vida a tentar chamar-nos à razão, a apelar ao redobrar do esforço no estudo, à recuperação de notas, ao brio escolar. O bom padre Fraga, Albano Teixeira Fraga, que é fafense de Travassós e que se desfazia em riso de cada vez que queria falar de mau, perorava com os braços cruzados no peito, gesticulando com uma mão de cada vez, "por um lado isto, por outro lado aquilo", coisa bonita de se ver. Ele tinha uma teoria, um argumento poderoso. Estávamos ainda em Janeiro, no início do 2.º período, e o padre Fraga agitava as juvenis (in)consciências, alertando, apocalíptico: "Porque, meus meninos, estamos no fim do ano!..."
Isso. A urgência da vida. Com o padre Fraga, desde o princípio do ano que estávamos no fim do ano, não havia tempo a perder. Cá em casa, a Mi é com o Natal. Os nossos Natais, verdade seja dita, são como os cigarros das férias grandes, fumados às escondidas atrás do Jardim do Calvário - acendem-se uns nos outros.

Ao intervalo

Estupidez 7 - Tolerância 0.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Tolerância.

Os dias da intolerância

Vivemos no tempo das intolerâncias. Intolerância ao glúten, intolerância à lactose, intolerância aos sulfitos, intolerância à frutose, intolerância a hidratos de carbono. Intolerâncias tão pipis e tão woke. E depois vêm-nos dizer, estes, que hoje é Dia Internacional da Tolerância...

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Tolerância.

Antes pelo contrário

O Clemente era assim mesmo: impiedoso!

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Tolerância.

O intolerante

Ele era realmente uma pessoa com um feitio difícil. Tinha um problema com o álcool. E outro com o betadine.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Tolerância.

A bola, como uma mulher

Foto Hernâni Von Doellinger

Epifania 
Ele viu a Luz.
Viu a Luz e disse:
- O Dragão é mais bonito. 

O futebol pode ser uma coisa muito bonita. Se o pequeno astro argentino Lionel Messi estiver em campo, então é de certeza. Lembro-me de uma vez, jogo da Liga dos Campeões, há uns anos, o craque estava ainda no Barcelona e brilhou como nunca: marcou cinco em sete, bateu recordes, mas não é a quantidade que aqui me interessa - é a qualidade. A qualidade de um jogador que descansa mais do que corre, e que não corre, desliza. Que não se esfarrapa, mas pensa. E que pensa e cria como respira. A sofreguidão é uma cena que não lhe assiste. Os seus golos são obras de arte, actos de amor.
Messi conhece como ninguém, a cada momento, o ponto G da jogada que ainda nem lhe chegou aos pés. Ele adivinha o sítio onde a bola o vai procurar. Recebe-a com um beijo, oferece-lhe flores, acaricia-a, leva-a a passear, e ela gosta, retribui os carinhos, abraça-se-lhe à chuteira num abraço só desfeito no exacto momento do remate. Digo mal. Mas qual remate? Messi não chuta, passa a bola à baliza e é golo. O pequeno Messi é um cavalheiro, um amante delicado e atencioso: trata a bola como ela merece. A bola, como uma mulher...

Lionel Messi estreou-se pelo Barcelona aos 16 anos, no dia 16 de Novembro de 2003. Foi em Portugal, no jogo da festa de inauguração do Estádio do Dragão, que o FC Porto ganhou por 2-0. O menino Messi entrou em campo a 14 minutos do fim. Exactamente: o Estádio do Dragão faz hoje 21 anos, nasceu numa noite assim. 

Black is black

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

É preciso ter lata

O confinamento imposto pela pandemia fez dele um verdadeiro especialista em atum. Bom Petisco à segunda, Ramirez à terça, Tenório à quarta, Minerva à quinta, Pitéu à sexta e Inês ao sábado. Ao domingo, sardinha em tomate, evidentemente.

P.S. - Hoje é Dia Nacional das Conservas de Peixe.

Os que deixaram de fumar

Bonifácio Terrafunda era coveiro profissional há mais de quarenta anos. Funcionário exemplar, querido pai de famílias, duas. Um dia, para o que lhe havia de dar, resolveu dividir o campo-santo em dois talhões devidamente assinalados, um para "Fumadores" e outro para "Não fumadores", como nos aviões antigamente. A coisa veio nos jornais, quer-se dizer, no Correio da Manhã, e deu na televisão, quer-se dizer, na CMTV. Anacleto Boavida, jovem presidente da junta, passou-se dos carretos, instaurou inquérito e competente processo disciplinar, meteu advogado e testemunhas, imagens do YouTube, e o velho coveiro foi inapelavelmente remetido para o olho da rua, por indecente e má figura, isto é, despedido com justa causa. - Com os mortos não se brinca! - justificava o fulgurante autarca, alto e bom som, para quem o quisesse ouvir, que eram as infaustas esposas, que remédio, uma de cada vez e separadas. E rematava: - Se eles já lá estão, é porque deixaram de fumar, todos, não há cá separações, Deus os tenha...

P.S. - Foi neste dia, mas no ano de 1492, que o navegador Cristóvão Colombo anotou no seu diário de bordo o uso do tabaco entre os índios. A esse respeito, acrescente-se que depois de amanhã é Dia Mundial do Não Fumador.

O Senhor Órfo


Em Fafe, Órfão era nome próprio e dizia-se Órfo. O Órfo trabalhava no Talho, isto é, o Órfo era o Órfo do Talho, do Talho do Órfo, que realmente não se chamava desta maneira mas Talho Novo, decerto para se distinguir do outro talho da terra, localizado no início da Avenida, quem ia para a Estação, o talho do Tininho, ou dos do Souto, como então se dizia. Os do Souto eram os Barros, essa família antiga de futebolistas extraordinários - Nelo, Armando, Nelito, Zeca e Fernando, irmãos, nomes grandes que digo de cor, apenas de ler e ouvir dizer, porque já cheguei tarde para os ver jogar. E o Souto ficava à face da estrada que desce para a Fábrica de Ferro, quem deriva para o Lombo. Era ali a casa-mãe do clã, no Souto, e eles eram os do Souto. O nosso Talho, isto é, o Talho Novo, era, como o deles, no centro da vila e do mundo, no Largo, mas mais puxado ao lado do Mário da Louça e do Café Império, ali no enfiamento do Fernando da Sede, do Foto Jóia, do Romeu e outros que tais, tudo gente porreira, excelentíssima, o Órfo incluído. Para a mim, que era mocico e tinha medo à mão lampeira da minha mãe, o Órfo só podia ser Senhor Órfo, por respeito obrigatório, mas a expressão assim composta parecia-me um bocado parva só de a pensar da cabeça para dentro, e portanto eu nunca a disse da boca para fora. Quer-se dizer. A vida em Fafe era muito simples naquele tempo, mas às vezes fazia-me confusão...

Ora bem. Para quem não sabe, hoje é uma efeméride. Aliás, hoje é várias efemérides, pelo menos cinco, mas centremo-nos na efeméride que nos interessa e que, modéstia à parte, nos diz respeito. Isto é: hoje é Dia Mundial do Órfão. Do Órfo, sim senhor! É realmente uma grande honra para Fafe. E é merecida...

(Versão revista e aumentada, publicada no meu blogue Fafismos, a propósito do Dia Mundial do Órfão, na passada segunda-feira. A foto, sem autor referenciado, tirei-a da página de Facebook "Memória e história de Fafe e dos fafenses".)

Transparente, quem foi que disse?

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Operário di qualità, di qualità

Hoje é Dia Mundial da Qualidade, e eu acho justo. É preciso que se note que o meu primeiro emprego com descontos para a Caixa foi exactamente como "controlador de qualidade", que era o nome que deram ao meu trabalho de "fiel de armazém", que era o nome que não deram ao meu trabalho de faz-tudo, isto é, moço de recados, na Estamparia Marigam, em Fafe. Sei portanto do que falo e não sei se estão a ver que, sendo eu o operário que fui, estou plenamente capacitado para ser secretário-geral do PCP, tal e qual como o bom do Paulo Raimundo, que uma vez também foi operário. E no entanto desconheço a que qualidade de qualidade diz respeito o Dia Mundial da Qualidade. Isto é: estamos a falar de boa qualidade ou de má qualidade? De qualidade de vida ou de qualidade de morte? Afirmar-se apenas "da Qualidade" é muito pouco, é abstracto, é obscuro. Em última análise, até podemos estar a celebrar uma qualidade sem qualidade nenhuma. Pelo menos é o que eu acho.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Qualidade.

Os capados

Foto Agência Ecclesia

Houve uma maré em que a minha mãe lavava para fora. Na poça do Santo e no rio da Ponte do Ranha, à beira do Matadouro, carregava e lavava montanhas de roupa alheia. Eu às vezes ia com ela. Aquilo era um trabalho muito duro. Tão duro que eu, preguiçoso por idade e por feitio, fazia tudo para "ajudar". Mas não me deixavam. Nem a minha mãe nem as outras lavadeiras, sobretudo estas. Diziam-me, entre cantigas e caralhadas, que os meninos do sexo masculino não podiam lavar roupa. Se os meninos do sexo masculino lavassem roupa - dizia o mulherio -, quando fossem homens não lhes crescia a barba, ó terrível maldição!
A mim, confesso, nem me aquecia nem me arrefecia, aquilo da barba. Eu já estava por tudo. Tinha 11 anos, faltavam-me duas ou três semanas para entrar no seminário, e logo que lá chegasse - também me diziam - iriam capar-me sem dó nem piedade! Então olha, perdido por um, perdido por mil...

(O Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga, faz hoje 100 anos. Encerro aqui a quase trintena de apontamentos com que assinalei a efeméride pela parte que me toca.)

Deus nos livre dos afrontamentos

Um dominguinho como de costume e Deus manda. Missinha das onze, homiliazinha com palavrinhas a abater e um que outro puxãozinho de orelhas para temperar, uns acenozinhos ao rebanho, umas lambidelas recebidas na mão santa, a do cachucho, e depois... o almocinho. O almocinho de dominguinho: três pratos, tal qual a Santíssima Trindade e o outro assunto que não vem ao caso. Duas horas à mesa e sempre a dar-lhe, como se fosse castigo, penitência. "Ui! Comi que nem um abade" - desabafou, num arroto final. "Nada de modéstias, Vossa Excelência Reverendíssima Senhor Dom, afinal de contas sois Bispo, sois Bispo" - acudiu o solícito secretário, jovem presbítero, com as maiúsculas bajuladoras numa mão e o bicarbonato de sódio na outra. É. Deus nos livre dos afrontamentos.

(Publicado originalmente no dia 8 de Julho de 2015. O Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga, faz hoje 100 anos. Também hoje remato a quase trintena de apontamentos com que assinalei a efeméride pela parte que me toca.)

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A morte da bezerra

Foto Hernâni Von Doellinger

Antigamente as tragédias aconteciam com mais assiduidade, ao contrário do que se apregoa agora por aí, e nem é preciso recuarmos ao terramoto de 1755 ou ao lamentável dia, no ano de 1128, em que o jovem Afonso Henriques bateu na mãe, Dona Tarexa. Não. Basta centrarmo-nos na segunda metade do século passado, anos sessenta, setenta e pelo menos oitenta. Morria uma vaca e era uma tragédia. Ora as vacas, naquele tempo, morriam bastante, e nem estou a falar de matadouro e de talhos, de abates e de choupas. Morriam sem querer, as vacas, isto é, por exemplo esturricadinhas num palheiro que se incendiou sem mais nem menos, afogadinhas ou irremediavelmente escangalhadas no fundo de um poço sem guarda ou, até arrepia, abertas ao meio por um raio. E era uma tragédia.
Era uma tragédia porque a vaca, o boi ou o bezerro eram a riqueza única do pobre lavrador de microfúndio e Portugal era sobretudo isso. As vacas, permito-me generalizar assim, davam leite, faziam estrume, lavravam e aravam o campo, puxavam a água, transportavam as colheitas, ajudavam nas obras domésticas, acartavam pedra, erguiam muros, tinham a força de trabalho de um rancho de homens e mulheres, procriavam e, como se ainda fosse pouco, emprestavam o seu próprio calor ao jugo que as dominava, para, a seguir, talhar trasorelhos, eventualmente acabando vendidas na feira ou feitas em bifes, em todo o caso transformadas em indispensáveis notas de conto, e aí tudo começava outra vez.
Era desta maneira em Fafe, terra de pequenos e remediados agricultores, nas aldeias à volta, principalmente, mas também no centro da vila mesmo, como outro dia aqui contei. A única diferença era que em Fafe a vaca era baca e o boi, em raros momentos de preciosismo linguístico, era voi. Tirante essa irrefutável idiossincrasia, Fafe era como o resto do Norte rural: em cada casa, uma, duas vacas, quer-se dizer, uma junta, quando muito, para fazer parelha no carro, turinas às vezes, leiteiras em alguns casos. As vacas eram a fartura, o dinheiro em caixa, a garantia de vida dos nossos persistentes lavradores. As vacas eram-lhes tudo.
Agora imagine-se que lhes morria um animal, tantas vezes o único, num desastre daqueles ou por doença fulminante e desconhecida. O gado não estava no seguro, é claro, o dinheiro da CEE ainda não tinha sido inventado e era o que faltava que alguém se lembrasse de pedir uma indemnização ao Governo. Dá para imaginar, então, o rombo? Era um prejuízo que só visto, a ruína de repente, a miséria, a fome à espreita, a vida parada, como se fosse ali o fim do mundo.
Mas não era. Podia muito bem não ser. A salvação do nosso desgraçado lavrador estava agora no peditório. Isso, no peditório, que era uma instituição. O peditório que ele fazia de aldeia em aldeia, nas ruas da vila antiga, de porta em porta, apresentando o seu triste caso, a sua tragédia, suscitando simpatias, solicitando ajuda, o que pudesse ser. Não era estender a mão à caridade, não, aquilo era um mecanismo de solidariedade, automaticamente accionado. Fazia parte, em Fafe.
Notáveis lá da terra, cidadãos de honra reconhecida, dois ou três, incluindo geralmente o presidente da junta ou o regedor da freguesia, acompanhavam o lavrador nesta sua via-sacra, atestando com documentos e tudo a veracidade do infausto acontecimento e as dramáticas condições em que ficaram o azarado homem e respectiva família.
E as pessoas davam. O que podiam. E é curioso porque as pessoas de dentro de casa eram, regra geral, ainda mais pobres do que o homem desesperado que lhes batia à porta a pedir. Davam, e não se fala mais nisso. Os modestos donativos ficavam assentes numa folha azul de 25 linhas, registados, consultáveis, até chegarem, conta certa, para comprar uma nova cabeça de gado, nem mais um tostão, mas nunca mais ninguém queria saber do assunto.
Terão acontecido umas quantas burlas, trampolinices das antigas, isso certamente, vacas que afinal eram virtuosas senhoras, lavradores que nunca puseram os pés na terra e presidentes da junta da colaça. Mas também terão sido assim criadas verdadeiras segundas oportunidades de vida para pessoas honestas, trabalhadoras, merecedoras, de repente atingidas pela tragédia a sério, e que sem a ajuda dos outros, sobretudo dos seus generosos camaradas de pobreza, nunca mais se levantariam. E Fafe era também isto.

P.S. - Publicado originalmente no dia 18 de Novembro de 2023. Hoje é Dia Mundial da Generosidade. Ou Dia Mundial da Bondade. Ou Dia Mundial da Gentileza, como lhe chamam no Brasil.

A landre e o carvalho

Foto Hernâni Von Doellinger

A landre, é preciso que se note, já serviu para a nossa alimentação. O povo - isto é, o pobo - chamava-lhe também bolota ou glande. E há quem agarre na glande e dela faça carvalho.

Também há quem diga que Fafe tem a maior mancha contínua de carvalhal da Península Ibérica, e até quem, achando pouco, acrescente que é a maior mancha contínua de carvalhal de toda a Europa. O fenómeno será ali por aquela corda de Aboim e Várzea Cova, realmente carvalhal até dar com um pau - muito ainda para arder, como costuma dizer o meu amigo Lopes. 
Na vila antiga também tínhamos o nosso Carvalhal, assim com maiúscula inicial porque era nome de sítio, entre a Fábrica do Papelão e o Picotalho, ladeando o rio Ferro e estendendo-se aos pés do extinto monte de Castelhão até Cavadas, onde agora vicejam campos de futebol, rotundas e supermercados. Chamávamos-lhe Carvalhal porque tinha carvalhas, bem jeitosas para fazer baloiços e outras brincadeiras, chão ervado, sombreado, um mimo para passar tardes de sábados e domingos à roda de um bom merendeiro, famílias, grupos de amigos ou bandos de moços, com todo o respeito pelos campos cultivados ali à beira. Era o verdadeiro parque da cidade, mas ainda não se sabia. Fafe era o paraíso e havia outros Carvalhais.
 
Por outro lado. No domingo foi Dia Mundial da Bolota. E na segunda foi Dia de São Martinho. Não sei se estais a ver a sorte: bolotas aqui e castanhas ali. Estais a ver como seriam os magustos se alguém fizesse confusão? Safámo-nos por pouco...

(Versão revista e aumentada, publicada originalmente no meu blogue Fafismos, a propósito do Dia Mundial da Bolota.)

Os cartoleiros

Os cartoleiros eram os protegidos ou favoritos dos "superiores", quer-se dizer, dos padres, no seminário. Isso e nada mais. Eram geralmente alunos acima da média, com direito a pequenas mordomias e tolerância alargada. Insignificâncias. Eram os que tinham maior proximidade e convívio com os mestres. Além disso, os cartoleiros eram também escovas, graxistas, lambe-botas e, frequentemente, bufos. Eu, devo confessar, gozei do estatuto de cartoleiro no que diz respeito à primeira parte, isto é, aos benefícios, mas fui vítima da segunda, dos segundos. Os cartoleiros eram apontados a dedo e invejados pelos colegas, e invejavam-se entre si.
É claro que, no Brasil, a palavra cartoleiro desfruta de um significado diverso e muito próprio, no âmbito dos trabalhos manuais em particular ou do artesanato de uma forma geral. Mas isso, valha-me Deus, já nos levaria por outros caminhos...

(O Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga, faz amanhã 100 anos. Continuo a assinalar a efeméride pela parte que me toca. Este textinho é original.)

Amai-vos uns aos outros (mas devagar!)

Ele padecia de um tipo particularmente violento de paronímia. Amiúde confundia bondade com bondage - o que, convenhamos, é deveras inconveniente.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Bondade. Bondade.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

As cadelas

Foto Hernâni Von Doellinger

As palavras têm vida, acusam a idade. Há palavras que enrijecem com o tempo e há outras que se amaciam. Cadela, por exemplo. A palavra cadela, antigamente, tinha uma pesada carga pejorativa, era um nome do piorio para se chamar a uma mulher, era um insulto violentíssimo, degradante. Cadela! Queria dizer prostituta, vadia, safada, desavergonhada, traiçoeira, vagabunda, tola, toleirona, má, malvada, crua. Mas hoje em dia, não. Hoje, as meninas e senhoras passeiam os seus cãezinhos e dizem-lhes que são a "mãe", a "mamã", a "mamãe". E dizem-no a toda a gente. Quer-se dizer: as meninas e senhoras reclamam a maternidade canina, apresentam-se como legítimas progenitoras dos seus cães-filhos, apregoam aos quatro ventos esse incontroverso estatuto. E está certo. Neste novo contexto, chamar-lhes cadelas, às meninas e senhoras mães dos cães, só pode ser, agora, um elogio, um simpático reconhecimento.

Entrou para o seminário aos 11 anos...

Rui Valério entrou para o seminário aos 11 anos, conta a CNN Portugal, e hoje o Papa escolheu-o para ser o novo patriarca de Lisboa. Eu também entrei para o seminário aos 11 anos, mas, lá está, mais uma vez não fui o escolhido. Em todo o caso, não me dava jeito. Tenho a produção toda tomada até ao final do ano e, a verdade também é só uma, convinha-se um lugar cá mais para cima, para o Minho, se possível, no Alto Minho então é que era, uma casinha com um terreno, pequeno que fosse, o rio e o mar à beira...

(Publicado originalmente no dia 10 Agosto de 2023. O Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga, faz 100 anos depois de amanhã, quinta-feira, dia 14. Sigo com a série de republicações vitaminadas, assinalando a efeméride pela parte que me toca.)

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A invasão

Foto Hernâni Von Doellinger

Não sei se veio da Rússia ou da Ucrânia, do Irão ou de Isarel. Há muita desinformação nisto da guerra, das guerras. Na verdade, as superpotências, viagradas até ao sufoco, atacam-se mais com mentiras do que com mísseis, o que até é melhor para a nossa saúde. Dou-lhes, portanto, o devido desconto. Sei é que esta manhã pela fresca entrou-me um avião varanda adentro, estava eu muito descansado a ver navios. Abati-o, naturalmente. Jamais poderia tolerar tão flagrante violação do meu espaço aéreo e ainda por cima ia ficando cego de um olho. Não há, graças a Deus, outras vítimas a lamentar. Era um avião não tripulado, um drone, como agora se diz.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Origami. E é também Dia do Armistício. Como dizia o outro, isto anda tudo ligado.

Cavalheiro de posição

- É muito complicado para uma pessoa da minha posição...
- E qual é exactamente a posição de vosselência?...
- Defesa central. Mas também faço o lado direito...

P.S. -  Hoje é Dia dos Solteiros. E Dia Mundial do Órfão e Dia de São Martinho e Dia Mundial do Origami e Dia do Armistício. Um dia realmente em cheio...

O meu amigo Jeremias

Encontrei ontem por acaso o Jeremias, o velho Jeremias, o grande Jeremias, o meu amigo Jeremias - aos anos que não nos víamos um ao outro, eu e o Jeremias. Fiquei tão contente! Recordámos os tempos antigos, os primeiros anos de seminário, falámos das nossas vidas, da família, dos filhos, dos netos, dos amigos que já morreram, daquela inesquecível excursão a Andorra, grandes malucos, da situação na Ucrânia e em Gaza e em Moçambique, das cheias em Valência, de Donald Trump, de Pinto da Costa, do Macaco e do INEM, deste país que só neste país, do tempo para o fim-de-semana e de projectos para o futuro. Enfim, pusemos a conversa em dia, avivámos uma amizade que vem desde os bancos da escola, por assim dizer. Despedimo-nos calorosamente trocando abraços da boca para fora e números de telemóvel e apalavrando a marcação de um almoço para um dia que não chova. Cada qual seguiu para o seu lado, e só então é que eu reparei que aquele não é o Jeremias, nem sequer é parecido com o Jeremias, de resto, pensando bem, ele também não me disse que era o Jeremias e eu nunca tive um amigo chamado Jeremias nem nunca na vida fui a Andorra nem andei no seminário. Na verdade, depois de muito puxar pela cabeça, cheguei à absoluta conclusão de que não conheço este indivíduo de lado nenhum. Em todo o caso, gostei muito de falar com o Jeremias e é bom ter amigos assim.

(Publicado originalmente no dia 19 de Fevereiro de 2020. O Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga, faz 100 anos na próxima quinta-feira, dia 14. Sigo com a série de republicações vitaminadas, assinalando a efeméride pela parte que me toca.)

domingo, 10 de novembro de 2024

As castanhas são como o próprio nome indica

Foto Hernâni Von Doellinger

As castanhas. As castanhas têm pouco que se lhes diga. Chamam-se castanhas por causa da própria cor, acho eu, e este ano não sei a que preço é que estão à saída do assador. (Eu e os assadores agora saímos à rua em horários descombinados - e é a vida.) As castanhas fazem-me gases e há cinco qualidades de castanhas: castanhas cruas, que sabem a infância e a dor de barriga, castanhas cozidas, que precisam de saber a funcho, castanhas piladas, que são uma pouca-vergonha, castanhas assadas, que são quentes e boas, e castanhas com bicho, que são uma merda. No Verão, as castanhas são tremoços.
As castanhas vêm dos ouriços, que antigamente tinham a mania de cair em cima das cabeças das pessoas. Os ouriços de Fafe eram os piores. Havia um castanheiro nas traseiras do tasco do Senhor Augusto Paredes, encostado ao muro, mesmo em frente ao Palacete, e os ouriços caíam na rua como tordos. Mas esperavam por mim, matreiros e organizados, para me desabarem aos pares ou num indecente mènage à trois mesmo em cheio no cocuruto. E eu, desprevenido, sem capacete. Era um cristo.
Para além dos filhos da puta dos ouriços e das castanhas que servem para a nossa alimentação, os castanheiros davam também uma tirinhas muito jeitosas para se fazerem grinaldas e óculos de brincar. Os castanheiros podem ter mais de mil anos, mas o do quintal do Paredes não. O quintal do Paredes era também o quintal do Senhor Jerónimo Barbeiro e do Senhor Lopes Agulheiro, três famílias grandes e boas, e eu tenho saudades daquela gente toda. O castanheiro do Paredes agora é um prédio de rés-do-chão e quatro andares. Mesmo em frente, centenário e ainda elegante e digno, agora é o Palacete que cai. Cai aos bocados, desgostoso com o abandono e a ignorância adjacente.
Derivado às castanhas existem também as castanhadas e as castanholas. As castanhadas quem as sabia explicar muito bem era o Luisão que passou a pasta ao Rúben Dias que passou a pasta ao Otamendi, não desfazendo do Palhinha, ali ao lado, que também era um competência. E as castanholas fazem um papelão nas mãos de Lucero Tena.
Eu gosto muito de castanhas. E afinal as castanhas têm bastante que se lhes diga.

P.S. - Publicado originalmente no dia 21 de Novembro de 2012. Hoje é Dia Mundial da Bolota e amanhã é que é Dia de São Martinho. Recomenda-se, no entanto, que, mesmo hoje, os magustos sejam feitos com castanhas. Castanhas e não bolotas