sexta-feira, 19 de novembro de 2021
O homem-estátua
Porto, meados de Novembro de 2021. Ao fim de 35 anos de inabalável serviço na
ex-libríssima Praça da Liberdade, o homem-estátua chamou o fiscal da Câmara num pst!
muito
bem disfarçado. "Ó colega, isto aqui já não dá nada. Até o cavalo de D.
Pedro IV leva mais do que eu ao fim do dia. Vou-me embora,
provavelmente para o Brasil, há agora aquela vaga do Cristo Redentor,
que fugiu, e levo um guarda-sol. Lembras-te do
Relvas? Sabias que sempre que os portugueses emigram
têm uma visão universalista que lhes traz sucesso?", disse o
homem-estátua ao fiscal camarário, por entre dentes e sem perder a pose.
Era efectivamente um homem-estátua muito profissional e filósofo. "Além
disso, estou farto de que me caguem em cima", acrescentou, descendo
finalmente do banco de cozinha e arrumando os tarecos e o reumatismo em dois sacos
plásticos do Pingo Doce do tempo em que os sacos plásticos eram de
borla. "As pombas?", perguntou o fiscal da Câmara, que era um bocadinho
lerdo, multas à parte. "Os pombos. O Sócrates, o Cavaco, o Passos, o Portas, o Oliveira e Costa, o Salgado, o Rendeiro, o Dias Loureiro, o Duarte Lima, o Vara, o Durão Barroso, o Horta e Costa, o Jardim Gonçalves, o Rio, o Azeredo Lopes, o António Costa, o Centeno, o Cabrita, o Medina, o Vieira, o Berardo, e estes são apenas os que eu distingo pela anilha, que de resto são todos muito parecidos...", respondeu o homem-estátua, escarafunchando os bolsos à procura dos apontamentos e do manguito do Bordalo. Tinham sido realmente muitos anos de gesto suspenso e bico calado.
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