domingo, 30 de junho de 2024

Gorilas da Bruna

Bruna é uma youtuber bastante influencer. Elegante, bonita, regularmente recauchutada, famosa por ser famosa, esbanja sensualidade por tudo e por nada e enriqueceu por causa disso. Bruna mal pode sair à rua como as outras pessoas, isto é, põe um pé fora da porta a caminho da piscina por exemplo em Ibiza e multidões de adoradores caem-lhe em cima. Bruna tem milhões de seguidores. De perseguidores. Para fazer uma vida normal, viu-se até obrigada a contratar dois possantes seguranças, ou guarda-costas, à Kevin Costner, ou gorilas, como também se diz, que não a largam um segundo e vão com ela a todo o lado, inclusive à casa de banho por exemplo nas Maldivas. São conhecidos como os gorilas da Bruna.

P.S. - Hoje é Dia Mundial das Redes Sociais.

O micro, pequeno e médio empresário

O micro, pequeno e médio empresário foi ao banco pedir um empréstimo. Projecto ambicioso, quantia avultada. Pretendia construir e montar de raiz uma fábrica de cartão canelado, exactamente no sítio onde fora outrora a velha Fábrica do Papelão, no rio Ferro, em Cavadas, entre as pontes de Ranha e de São José, investimento para cima de diversos milhões de euros e emprego garantido para cerca de 23 pessoas, talvez vinte e duas e meia ou vinte e três e meia, ainda não sabia bem. O senhor do banco pediu-lhe a identificação de micro, pequeno e médio empresário, e o micro, pequeno e médio empresário respondeu prontamente: "Não tenho. Ainda estou a começar. Este é o meu primeiro negócio, mas toco muito bem ocarina". O senhor do banco tomou devida nota e observou, rindo: "Fábrica de cartão canelado? Vê-se logo que é golpe, vigarice das antigas". "Golpe, não, caríssimo senhor, e faça o favor de reparar que eu disse caríssimo sem saber sequer a taxa de juro. Em todo o caso, se eu fosse vigarista, e dos antigos, ter-lhe-ia indicado que precisava do dinheiro para abrir um banco", ripostou o micro, pequeno e médio empresário, sem se rir, e foi roubar carteiras para outro lado.

P.S. - Publicado originalmente no meu blogue Fafismos, a propósito do Dia Internacional das Micro, Pequenas e Médias Empresas.

Cãofortáveis

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 29 de junho de 2024

A culpa é do Espírito Santo

O Papa morre e a Igreja apressa-se a reunir em conclave para escolher o novo Papa. Velho. O Papa novo é sempre um velho. A Capela Sistina é preparada a todo o vapor e duas salamandras. Metidos lá dentro, fechados à chave, o lóbi italiano, o lóbi canadiano, o lóbi americano, o lóbi alemão, o lóbi austríaco, o lóbi francês, o lóbi brasileiro, o lóbi sul-americano, o lóbi africano, o lóbi africanista, o lóbi banqueiro, o lóbi dos velhos, o lóbi dos "novos", o lóbi "conservador", o lóbi "renovador", o lóbi do silêncio, o lóbi "garganta funda", o lóbi gay e outros insondáveis lóbis vão negociar o nome do sucessor do falecido. A feira do costume. Manobras, intrigas, traições, jogo baixo, tráfico pelo menos de influências. No fim anunciam o nome do novo Papa velho e dizem que a culpa foi do Espírito Santo.

P.S. - Hoje é Dia do Papa. Este texto escrevi-o aqui no dia 9 de Março de 2013. O Papa Francisco, que é atento leitor do Tarrenego!, embora talvez não o saiba, fez umas curiosas revelações a respeito do conclave que elegeu Bento XVI, em 2005. Vieram recentemente a lume. E eu tinha razão.

Tudo bons rapazes

Cada vez que há eleições para papa, sai sempre um velhinho na rifa. Um cardeal velhinho. Tem sido assim nos tempos modernos. E compreende-se: é preciso pôr na cúpula da Igreja Católica alguém com experiência, com a sabedoria da longa vida que carrega sobre os ombros, não vá repetir-se a triste história do inconsciente Jesus Cristo, que tinha apenas 33 anos e resolveu morrer por nós todos, dando origem a isto tudo. E o cardeal velhinho tem de ter muitos doutoramentos em muitas universidades gregorianas, que é só uma, mas podia ser pelo menos três, como a Santíssima Trindade, não vá sentar-se lá na praticamente infalível cadeira um pescador como Pedro ou um funcionário das Finanças como Mateus, dois burgessos que certamente escangalhariam isto tudo.
E já muito facilita o Vaticano, quedando-se pelos simpáticos septuagenários ou octogenários. Basta pensar que, biblicamente, Moisés viveu até aos 120 anos, Jacob até aos 147, Abraão até aos 175, Adão até aos 930, Noé até aos 950, e Matusalém, filho de Enoque, pai de Lameque e avô de Noé, faleceu inesperadamente aos 969 anos.
(Evidentemente também há João XII, que chegou a papa aos 18 anos, dormia com as prostitutas do pai, teve relações sexuais com a própria mãe, castrou um dos seus cardeais, cegou outro, torturou quem lhe desprazia e acabou por morrer com uma valente marretada na cabeça, gentilmente oferecida pelo marido cornudo de uma das suas incontáveis amantes. Mas isso não é desculpa.)
Não sei se sabem: todos os católicos são teoricamente elegíveis para papa. Basta-lhes serem, obviamente, baptizados, maiores de idade e homens, embora depois devam vestir saias. Isto é, eu posso ser papa, um sétimo de toda a população mundial pode ser papa, depois, na questão das saias, cada um seria para o lado que der.
Só que as eleições no Vaticano não são directas e universais. Votam apenas os cardeais, lacrados no chamado conclave, onde, nas horas mortas, contam anedotas picantes uns aos outros e fazem malha. E se votam apenas os cardeais (120 no máximo, "em nome" de cerca de 1272 milhões de almas), porque é que os velhinhos haveriam de escolher para patrão o Silva dos Plásticos, que, sendo embora uma pessoa estimável e comerciante respeitado, não lhes pertence de lado nenhum?
É! Aquilo é coisa entre padrinhos e afilhados. Como na máfia, Deus lhes perdoe...

P.S. - Hoje é Dia do Papa. Porque é Dia de São Pedro, considerado um dos pilares fundadores da Igreja Católica e primeiro papa.

Por falar nisso

sexta-feira, 28 de junho de 2024

As orelhas andam geralmente aos pares

As orelhas. As orelhas são muito úteis. E andam geralmente aos pares, como as luvas, as calças, as meias, as botas, os patins, as jarras, os estalos e os cornos. As orelhas servem para segurar o lápis, o cigarro de preferência apagado e o raminho de alfádega, que já ninguém sabe o que é mas que se usava muito em Fafe, sobretudo nas tardadas de romaria. As orelhas ficam muito bem com brincos, argolas e outros tipos de piercing. De acordo com a banda desenhada antiga, os pigmeus e outras tribos mais ou menos canibais usavam ossos espetados nas orelhas. Era a moda. As orelhas centram muito bem a cabeça e estão no sítio certo para se puxar as orelhas, que era um método de ensino muito recomendado, praticado com todo o zelo e com provas dadas. Hoje em dia é proibido puxar as orelhas nas escolas, só se for aos professores. Os puxões de orelhas aos professores são gravados no telemóvel e mandados, com uma grande risota, para as chamadas redes sociais. Das escolas saem cada vez mais orelhudos. E entram nas chamadas redes sociais.
As orelhas produzem cera, cotão e pêlos, materiais altamente combustíveis. As orelhas ardem: se for a orelha direita, é porque estão a dizer bem de nós; se for a orelha esquerda, é porque nos estão a rogar na pele. É o que diz o povo. Se arderem as duas orelhas ao mesmo tempo, o melhor é chamar os bombeiros. As orelhas também deitam fumo sem fogo, pelo menos nos desenhos animados.
Existem várias qualidades de orelhas, como por exemplo orelhas de elfo, orelhas de abano, orelhas de rato, orelhas de gato, orelhas-de-lebre, orelhas-de-ovelha, orelhas de macaco, orelhas-de-abade, orelhas-de-judas, orelhas moucas, orelhas-de-mula e, passando à política, orelhas de burro.
As orelhas doem e quando doem chamam-se ouvidos e muitos nomes feios. As orelhas são vizinhas de porta do esternocleidomastóideo, que é o músculo mais famoso do mundo à pala do Vasquinho da Anatomia. As orelhas, em situações extremas, servem também para a nossa alimentação. Neste caso, para disfarçar a antropofagia, chamam-se orelheira. Em tempos de crise como os que vivemos, e agora com a entrada do Verão, é preferível que se sirva fria, como a vingança, mas com molho-verde.
Às vezes as orelhas dão jeito para ouvir. Ouvir é geralmente bom e é derivado às orelhas. Eu gosto muito de orelhas e tenho duas. De momento.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Piercing Corporal.

A ordem natural das coisas

O Paços de Ferreira de José Mota, o Rio Ave de Carlos Brito, o Vitória de Setúbal de Manuel Fernandes, o Nacional de Manuel Machado, o Aves do Professor Neca, o Boavista de Manuel José, a Académica de Vítor Manuel, o Varzim de Henrique Calisto, o Marítimo de Nelo Vingada, o Salgueiros de Filipovic, o Vitória de Guimarães de Jaime Pacheco, o Chaves de Raul Águas, o Belenenses de Marinho Peres, o Farense de Paco Fortes, o Portimonense de Vítor Oliveira, o Gil Vicente de Álvaro Magalhães, o Beira Mar de António Sousa, o Braga de Manuel Cajuda, o Felgueiras de Jorge Jesus, parece impossível, o Riopele e o Tirsense de Ferreirinha, o Infesta de Augusto Mata, o Fafe de Nelo Barros, e o FC Porto campeão. Assim eram as coisas e estava tudo certo, eu entendia-me com o futebol e era feliz. Era adepto. Agora? Agora o futebol está de pernas para o ar, chamam-lhe "o jogo" e tem polícia de choque, cordões de segurança, jaulas, petardos, periodizações tácticas e claques profissionais e amiúde assassinas, ninguém é de ninguém, o meu Fafe anda pela terceira divisão, o Sporting é campeão, rebentaram com o FC Porto e eu sinto-me perdido...

P.S. - Manuel Fernandes morreu ontem, aos 73 anos.

Fafe, entre o zumba e o bum bum

Fafe e o zumba são uma história que vem de longe, secular. Se há tradição em Fafe, para além da Justiça de Fafe, essa tradição é o zumba. Como se diz em Fafe por tudo e por nada, o zumba é icónico. E dou os parabéns ao Município por tudo o que fez e faz para manter viva esta tão entranhada e ancestral relação, Fafe-zumba, zumba-Fafe, trazendo-a para a rua, universalizando-a e, sinal dos tempos, bissexualizando-a. Antigamente era o zumba na caneca, amplamente praticado no segredo dos tascos sobretudo por homens, hoje em dia é o zumba colombiano levado a efeito sobretudo por mulheres que se abanam alegremente em plena luz do dia, no meio da cidade. Os velhos resistentes do zumba na caneca é que não são tolos, disfarçam, camuflam-se com as paredes, mironam, espreitam, ficam na bancada imaginária, de olhos esbugalhados, a bater o pezinho e a fazer contas de cabeça, mas sem perder pitada. Já assim fora com o bum bum Brasil. E isso, é preciso que se diga, é de homem!

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

Poderosíssima

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Amor à camisola

Marcou golo. Golaço! Deslizou de joelhos pela relva, arrancou a bandeirola de canto, fez um coração com as mãos para a câmara de televisão mais próxima, bateu no peito como tarzan, apontou insistentemente para o escudo, para o país, para a nação, abraçou-se à camisola suada, beijou-a com acrisolada paixão, puxou-a mais para si, mais para cima, e... assoou-se-lhe copiosamente. 

Choque em cadeia

Choque em cadeia envolve 16 visitas, 8 reclusos e 4 guardas prisionais.

O denunciante

Denunciado por ter tossido em casa em tempo de pandemia, foi detido pela polícia, presente ao juiz e metido em prisão preventiva. O vizinho delator morreu de caganeira naquele mesmo dia.

Abençoado juiz

- Levante-se o réu - disse o juiz. O réu levantou-se e andou, perante o espanto e a comoção gerais. Abençoado juiz! Só naquela semana já era o quarto milagre...

Órgãos no mercado

Comprar órgãos no mercado, embora possa salvar vidas, é crime, dá dez anos de prisão. Concertinas ou acordeões, vá que não vá...

Evasão

- Mais vale só do que mal acompanhado - disse o recluso n.º 14.112. E fugiu.

À sombra

"Vá pela sombra!", disse-lhe o juiz. E ferrou-lhe com 25 anos.

P.S. - Hoje é Dia do Corpo da Guarda Prisional.

Bons ventos

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 26 de junho de 2024

O perigo de beber água

"Uma turista morreu em Amsterdão por ter bebido muita água em pouco tempo, quando estava sob o efeito de drogas." - informava o JN. É o que eu estou farto de dizer, mas ninguém me liga: beber água é um perigo. Esta turista, por exemplo, estava na boa, na sua, normalmente, "sob o efeito de drogas", e morreu porque... bebeu "muito mais do que dois litros de água". A puta da água, esse vício! Portanto, drogue-se à vontade mas beba vodca, por amor de Deus! Sele a torneira da companhia, para sua segurança. O JN avisou. Muito obrigado, JN! 

P.S. - Hoje é Dia Internacional de Luta Contra o Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas.

Mais vale fracassar do que sucessar

Não conseguia lidar com a pressão do sucesso. Álcool, drogas, depressão, tentativas de suicídio. Com a pressão do fracasso lidava ele muito bem. 

Pelo rabo morre o rato

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 25 de junho de 2024

Na minha rua passa o mar

O meu barbeiro atacou-me à traição. Falou-me de barcos. Eu e o meu barbeiro tínhamos uma combinação tão antiga e cómoda de só comunicarmos um com o outro por sinais, e ele apanha-me o ponto fraco e obriga-me à conversa da boca para fora. Barcos. Nós sabíamos que tínhamos também isso em comum, os barcos, mas era como se não soubéssemos, disfarçávamos silenciosamente, numa cumplicidade camarada, coisa de velhos embarcadiços. O Sr. Fernando, que é um artista de mão cheia, foi, no seu tempo de tropa, escanhoador-mor a bordo do navio-escola Sagres, que de vez em quando me visita o quintal. E eu, marinheiro de chuveiro e águas-furtadas, há mais de dez anos que me fiz contador de navios a bordo da minha varanda com vista para o mar (se me puser de lado). Sou marinheiro de bancada.
Foi assim. Diz-me o meu barbeiro, sem mais nem menos, "Aquilo agora no Porto de Leixões os cruzeiros são uns atrás dos outros". Parece coisa de nada, não é?, apenas deixada no ar, mas ó palavras que me disseste! Leixões e cruzeiros. Senha e contra-senha. Ao ataque!, pensei eu mais com a língua do que com a cabeça, esquecendo-me de que queria estar calado. Esqueci-me também da bóia e afoguei-me no relambório. Que "Pois de facto são mais que as mães, só no ano passado foram oitenta e cinco" e que "Eu é que os vejo passar, estou lá em cima a tomar conta" e que "Até os fotografo" e que "Até já conheço alguns ao longe, só pela pinta, como por exemplo o Albatroz, o Aurora, o Boudica, o Crystal Symphony, o Queen Victoria, o Marina, o Celebrity Constellation, o Costa Pacifica, o Azura que é irmão gémeo do Ventura, rasam-me aqui a porta de casa, e que "O Porto de Leixões é um sucesso, um incansável batedor de recordes que despeja milhares de turistas nas cidades de Matosinhos e Porto e milhões de toneladas de mercadorias para o país inteiro, e dei-lhe mais números, e comparei-lhe períodos homólogos, e disse mesmo "períodos homólogos", que nunca na minha vida tinha dito mas tinha esperança de algum dia dizer, e meti-lhe percentagens entre parênteses, e disse "entre parênteses", e desenhei-lhe gráficos com setas a apontarem para cima, e desabafei que "Um dia destes um filho da puta qualquer, sentado numa secretária em Lisboa, vai escangalhar isto tudo". E foi assim que eu falei. Mas em ponto grande. E disse escangalhar apenas com cinco letras e começando a palavra por fê.

O meu barbeiro, que aqui atrasado não acreditou em mim quando eu lhe disse que não era mudo, estava o barbeiro mais feliz do mundo. Pasmado, de pente e tesoura suspensos no ar, como bailarina sevilhana pronta a tocar castanholas. O paleio ia de vento em popa. O meu barbeiro servia à pinta. Os barbeiros são óptimos a servir à pinta. Que "Sim" e que "Sim" e que "Sim" e que "Sim", "Sim senhor", "Não me diga", "Parece impossível", "A sério?", "A sério?". Falámos por mais de quarenta anos de silêncio. Mas conversa sobre barcos leva longe: já íamos nos fados, vejam bem. Olhei para trás e não vi terra, a minha varanda, o meu farol. Tive medo e parei ali. Levantei a mão direita numa saudação índia atabalhoada, fiz "Ugh!", paguei e nadei aflito até casa.
Porque na minha rua passa o mar.

(Mas ainda ouvi. À roda da cadeira do meu barbeiro começavam a sair os primeiros acordes de La Boda de Luis Alonso, com a intrañable Lucero Tena castanholando.)

P.S. - Hoje é Dia do Marinheiro. Este apontamento foi escrito e publicado aqui originalmente no tempo em que eu ainda ia ao barbeiro. 

E vós, ó coisas navais

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Os sapos e outros engolimentos

Tive uma infância feliz, em Fafe, rodeado de animais de estimação, ditos agora de companhia. Tínhamos um cão chamado Rin Tin Tin, tínhamos uma cadela chamada Lassie, tínhamos um canguru chamado Skippy e até tínhamos um cavalo chamado Mister Ed ao qual nem faltava falar. Eu ia vê-los ao café, porque em casa não tínhamos televisão.

Tínhamos também um sapo. Isto é, uma vez à noite tivemos um sapo, mesmo nosso, nem foi preciso ir ao café ver televisão, se o Sr. Avelino por acaso a ligasse, mas não lhe pusemos nome. Eu conto a história do sapo.
A porta da nossa casa no Santo Velho tinha, em baixo, junto ao chão, um bocadinho de folheta levantada, e era ali que se deixava a chave, de uns para outros, éramos pelo menos seis, como, por exemplo, à noite, quando a nossa mãe já nos dava licença de saída até às 22 horas, ao Nelo e a mim, e depois no regresso a gente metia a mão no buraco, tirava a chave, que era enorme, digna de São Pedro, há que dizê-lo, abria a porta em câmara lenta, a monumental chave de bico calado, bem oleada, e entrávamos em casa com os pés debaixo dos braços para não fazermos barulho, a nossa mãe fazia de conta que estava a dormir e portanto só de manhã é que nos acertava o passo por termos chegado às 22h01.
Acontece que. Uma noite, findo o serão, estamos à porta, e o Nelo, que é mais velho, manda-me apanhar a chave. Eu meto a mão no vazio da folheta e, em vez da chave, agarro um enorme sapo que lá se tinha metido, filho da puta, e apanhei um susto que me ia mijando todo, estremeci-me até hoje, argh!, enchi-me de nojo, arranquei a mão como se a tirasse do fogo e rasguei-me na chapa ferrugenta, gani, vomitei, cocei-me antecipando verrugas para toda a vida, palavra de honra, e o caralho do sapo, como se não fosse nada com ele, saiu nas calmas felizmente para o lado da rua, caso contrário eu nunca mais entraria em casa. Entrámos, a nossa mãe a pé, à nossa espera, e a hora de picar o ponto já não interessava para nada. Levámos logo ali, por causa do sapo, da ferida, do vomitado, do barulho, quer-se dizer, do "espectáculo", que a nossa mãe não tolerava, fosse em que circunstância fosse. Tudo por minha culpa. Ainda por cima eu tinha dito "argh!" e em nossa casa, que era muito pobre, estavam terminantemente proibidas as onomatopeias, sobremaneira as derivadas dos livros aos quadradinhos...

Os sapos à porta realmente incomodam-me. E metem-me nojo sobretudo os sapos à porta dos restaurantes ou de outros estabelecimentos comerciais. É. Como sou um bocado cigano, recuso-me também a entrar.

Os sapos às vezes são de engolir, como aconteceu com Álvaro Cunhal e o PCP na segunda volta das eleições presidenciais de 1986, para derrotar Freitas do Amaral, candidato da direita, e, só por isso, eleger Mário Soares. "Vamos ter de engolir um sapo. Se for preciso, tapem a cara [de Soares] com uma mão e votem com a outra", recomendou Cunhal aos comunistas. Para se distinguirem dos faquires, que engolem facas, os engolidores de sapos chamam-se sapires.

No velho tasco do Toninho Nacor havia um sapo que era um jogo, na zona cimentada do quintal logo depois da cozinha, por baixo do sombroso caramanchão, ao lado das famosas gaiolas dos pássaros e do forno de cozer vitela e bolo. O sapo era um jogo tradicional e de taberna, um jogo de mesa em forma de armário aberto com inúmeras ranhuras correspondentes a outras tantas gavetas. Jogava-se com pequenas patelas, que se lançavam para o "armário" e cada entrada correspondia a uma certa pontuação. A boca do sapo era o máximo, se não me engano. Servia para matar o tempo enquanto se esperava pela hora da merenda e dali poderia sair também "multa" aos perdedores para próximas quartilhadas.

Sobre este interessante assunto, os sapos, apraz-me finalmente registar que o Sapo, primeiro motor de busca português, foi criado por cinco estudantes da Universidade de Aveiro em 1995. Antes disso, mas em Penafiel, já era um famoso restaurante de enfarta-brutos e conceituado estabelecimento de compra e venda de árbitros de futebol.

P.S. - Texto publicado originalmente no meu blogue Fafismos. Hoje é Dia Nacional do Cigano.

E se Portugal nasceu em Fafe?

Foto Hernâni Von Doellinger

Se me dão licença, eu creio que não está devidamente estudado o papel de Fafe e dos fafenses ou protofafenses na fundação da nacionalidade. E esta é uma lacuna particularmente repreensível numa terra que é a minha e que exabunda de historiadores e simpatizantes, amiúde galardoados.
Entendamo-nos. A mim nem me passa pela cabeça que Portugal tenha nascido em Guimarães, ali a menos de três léguas ou, vá lá, digamos a quatrocentos tiros de besta, em qualquer caso perto e bom caminho, e quase sempre a descer depois de Paçô Vieira, até de carrinho de rolamentos se ia lá, nem me passa pela cabeça, dizia, que Portugal tenha nascido em Guimarães, que é do que eles se gabam, e que em Fafe, ao mesmo tempo, não tenha acontecido nada, eles lá em baixo à batatada, à grandessíssima trolha, um vasqueiro desgraçado, e nós aqui como se nada fosse, a vermos a Gabriela na televisão a preto e branco ou a Selecção do Ronaldo já a cores. É impossível. Portugal de certeza que nasceu também em Fafe, nem que tenha sido só um bocadinho, mas os historiadores - são, infelizmente, os historiadores que temos - ainda não deram fé. Esta é a minha ideia.
Eu lembro-me muito bem, e posso testemunhar, em tribunal se for preciso, que, enquanto jovens e antes do futebol e outras vidairadas, os manos Pimenta Machado, ilustres fidalgos vimaranenses, passavam a vida em Fafe. Ora, se os Pimenta Machado, que eram quem eram, uma ínclita geração praticamente, e, para além de outros cabedais, possuíam um considerável estabelecimento em frente às camionetas do João Carlos Soares, cujo escritório ficava praticamente ao lado do Café do Franquelim que é o Café Vitória, na parte de fora do mercado de Guimarães, se os Pimenta Machado, enfatizo, não nos desamparavam a loja, o mais certo é que, antes deles, o próprio Afonso Henriques desse também as suas voltas pelos nossos lados, nem que fosse só para desenfastiar ou beber um copo no Nacor, nada mais natural.

Afonso Henriques, esse gabiru de estilo motoqueiro que gostava de vestir saias e há quem diga que batia na mãe, tinha uma espada que pesava toneladas e não cabia no guarda-vestidos e nem sequer existiu. O espadalhão, quero eu dizer. Já o jovem Afonso ficou na história da moda por ter sido o criador da maxissaia. Morava geralmente no austero Castelo de Guimarães e tinha um anexo charmoso chamado Paço dos Duques onde dava as suas festas que eram sobremaneira constadas. No dia 24 de Junho de 1128, tomai nota, depois de uma dessas iglantónicas farras, noitada de São João ainda por cima, Afonsinho do Condado acordou digamos maldisposto, bebeu um copo de água da mina com bicarbonato, mandou chamar o pessoal e os cavalos e derrotou a progenitora, Dona Teresa de Leão, mailo seu amante galego, Fernão Peres de Trava, na Batalha de São Mamede, levada a efeito ali mesmo nos arredores, para evitar deslocações e despesas, que o País ainda estava a começar.

Acontece que a Batalha de São Mamede, aviso já, nunca me convenceu. Custa-me a aceitar que sítios como Creixomil ou Cano (Cáno, como dizem os locais) possam ser mais importantes no que nos é contado como sendo a História de Portugal do que, por exemplo, e não vamos mais longe, Arões ou Cepães, ali mesmo ao pé, mas do lado de Fafe, do nosso lado. Duvido, de resto, que Guimarães tivesse naquele tempo equipamentos, nomeadamente hoteleiros, para acomodar aquela espanholada toda e ainda por cima recinto preparado e certificado para a pancadaria. É que, parecendo que não, um evento desta natureza, uma batalha com cavalos e tudo, implica muita logística. Olhem só a confusão que são hoje em dia as chamadas feiras medievais! Por outro lado, o Multiusos funciona apenas desde 2001 e o Estádio só ficou uma coisa em condições para o Euro 2004.

Eu cuido que Fafe teria recebido muito mais condignamente a Batalha de São Mamede, a alegada Batalha de São Mamede. Não é por acaso que chamamos a nós próprios, embora sem razão que se perceba, Sala de Visitas do Minho. Olho para a zona de Rilhadas, vamos um supor, e vejo a batalha ali. Vejo claramente vista. Uma zona devidamente infra-estruturada e onde sobejam as condições e comodidades para a organização de uma batalha com todos os matadores e que certamente não envergonharia ninguém.
As pistas estão aí. Há que repor a verdade dos factos. Fafe não pode continuar à porta, nas bordas da História. De uma vez por todas, Fafe deve ocupar o lugar a que tem direito. Se São Mamede foi em Rilhadas, isto é, se a Batalha de São Mamede foi de facto levada a efeito em Rilhadas? Não sei. Esse é o desafio que eu deixo de borla aos historiadores encartados, particularmente aos intrépidos historiadores fafenses, se a tanto os ajudar o engenho e arte. E não me venham dizer que, a esse respeito, a História é omissa. Omissa? Homessa!

P.S. - No dia 24 de Junho de 1128, faz hoje 896 anos, D. Afonso Henriques derrotou as forças de Dona Teresa, na Batalha de São Mamede. A data assinala a fundação da nacionalidade portuguesa ou o Dia Um de Portugal. Em nome do rigor histórico, refira-se ainda que, regra geral, os vimaranenses de bom beber e satisfatório comer vinham muito regalar-se a Fafe e chamavam Toninho dos Canários ao tasco do Nacor. 

Um bocado cigano

Sou um bocado cigano, confesso. Sempre que posso, e posso quase sempre, recuso-me a entrar em estabelecimentos que têm um sapo a guardar a porta. 

O cigano e o sapo

Havia aquele cigano, espírito de contradição, que só entrava em estabelecimentos que tivessem um sapo de louça a servir de porteiro.

P.S. - Hoje é Dia Nacional do Cigano.

Saci-pererê

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 23 de junho de 2024

Isaltino, sempre um passo à frente

Isaltino Morais, o meu herói, foi ao Gabão com a Selecção. Rima e é verdade, embora possa parecer piada. Mas nada de pânico. O presidente da Câmara de Oeiras, que anda há que tempos a brincar ao esconde-esconde com a justiça e com a cadeia, não fugiu. Ainda não fugiu. Em comunicado, o autarca esclarece que se deslocou àquela parte do mundo em busca de novos mercados. Exactamente. A Suíça já deu o que tinha a dar.

P.S. - Não vos deixeis enganar. Este texto escrevi-o aqui no dia 14 de Novembro de 2012, já Isaltino e a Justiça brincavam às escondidas, muito entretidinhos, e a história continua. É, pelos vistos, uma história interminável...

Olha a triste viuvinha

O homem da casa falecia, por esta ou por aquela razão, às vezes inadvertidamente mas geralmente por razão de força maior, e a família tinha logo uma carga de trabalhos, um rol de importantes decisões a tomar, a primeira das quais era pegar na roupa toda da recém-viúva e mandá-la para a tinturaria, que, se não me engano, ficava ali ao lado do Foto Victor e da entrada para o Senhor Fernando Enfermeiro, junto aos Correios, na hoje muito justamente chamada Rua Dr. António Marques Mendes. A roupa ia para tingir de preto, a roupa e a vida da viúva dali para a frente. Viúva em flagrante delito. Fafe tomava conhecimento e não perdoava. Ser-se viúva era uma sentença automaticamente transitada em julgado, um castigo, provavelmente divino, para todos os efeitos. Viúva sem apelo nem agravo. Com penitência mas sem perdão. Doravante, proibida a cor, proibida a alegria, proibido o riso, proibido o sorriso. Sair de casa, apenas para a missa, ida pela volta, nem mais um minuto, encostada às paredes e de olhos no chão e bico calado. Atenção ao comprimento da saia, ao cabelo! Xaile, era preciso muito xaile. E lenço preto escondendo a cabeça, a cara. Os holofotes apontavam para a porta, tomando conta de entradas e saídas, a horas ou fora delas, que nem as havia. A mulher ficava marcada, não lhe viesse de repente a tentação. Quer-se dizer, era viúva e já não mulher. E começava por ficar pelo menos quinze dias metida na cama, tapada até ao nariz, sem rádio, sem televisão que não tinha e com as luzes sempre apagadas, sozinha, sozinha, sozinha, compulsivamente afastada dos próprios filhos, crianças, alimentada a canjas e venenosas recomendações das putas das vizinhas, onzeneiras e mal-fodidas, para se ir habituando ao resto da vida. E esta merda toda, ainda por cima, porque o marido lhe morreu.

P.S. - Hoje é Dia Internacional das Viúvas. Lamento informar.

Os dias inúteis

Embirro solenemente com a terminologia manga-de-alpaca dos "dias úteis" e das "horas de expediente". A que propósito é que os nanocrânios da inexplicável burocracia terreiro-paçal determinaram e mandaram publicar que os meus sábados, os meus domingos, os meus feriados e dias santos, as minhas férias, se eu as tivesse, ou as férias deles são dias, por assim dizer, imprestáveis para a Nação? Quem lhes deu semelhante poder?
Onde é que estas sumidades acéfalas foram buscar a peregrina ideia de que os meus melhores dias não prestam? Eu, que tenho a mania de ser antes pelo contrário, desrespeito-os, desobedeço-lhes e contrario-os com quanta força consigo, e gozo como um perdido nos fins-de-semana e correlativos. Por acaso até são os meus dias mais úteis, a minha mulher que diga.
Depois, chateiam-me as "horas de expediente", expressão tão prestável ao duplo sentido e que sempre me deixou com a pulga atrás da orelha. A minha dúvida é apenas esta, segredada pela pulga residente: será que, das 9 às 17, nas Finanças, no Registo, nas autarquias ou nos ministérios, o papel do funcionalismo passa por lançar mão de todos os truques e armadilhas possíveis e inimagináveis para nos infernizar a vida e sacar-nos tudo, até o cotão dos bolsos, a mando do Estado? Então mais vale ir lá bater à porta depois do fecho dos serviços. Pode ser que, sem a obrigação do expediente, sejamos enfim atendidos com honradez.

P.S. - Hoje é Dia das Nações Unidas para o Serviço Público.

A régua e esquadro

Hoje é Dia Olímpico. E todos os golos devem ser marcados de canto directo.

Ao domingo, o ferrari

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 22 de junho de 2024

Isaltino, o meu herói

Está escrito no semanário Sol. Isaltino Morais já não pode ser condenado por corrupção no processo das contas da Suíça, apesar de este crime ter ficado provado quando foi julgado. O Tribunal da Relação de Lisboa mandou repetir parte do julgamento e entretanto, de recurso em recurso, o crime acabou por prescrever. Isaltino nem precisou de fugir para se safar, foi para fora cá dentro. Para mim, Isaltino é o maior, é o meu herói. Bem diz a ministra Paula Teixeira da Cruz que "neste momento em Portugal há uma justiça para ricos e outra justiça para pobres". Mas chamar-lhe "justiça" parece-me um bocadinho exagerado.

P.S. - Não vos deixeis enganar. Este texto escrevi-o aqui no dia 11 de Maio de 2012, já Isaltino e a Justiça brincavam às escondidas, muito entretidinhos, e a história continua. É, pelos vistos, uma história interminável...

Raios e Corisco

"Raisparta isto!", disse Zeus, arreliado e meio distraído. E foi o fim do mundo.
Como se sabe, Zeus é o pai dos deuses, o deus dos céus, dos raios e dos relâmpagos, o fiscal que mantém em sentido toda a mitologia grega, e em Roma chama-se Júpiter. Os raios eram lanças muito grandes produzidas em série pelos gigantes ciclopes, criaturas de um olho só, como a gaita do Bitó. Estas lanças, suponho que de fogo, depois de prontas eram entregues ainda quentinhas a Zeus, que as atirava com toda a força sobre os homens pecadores e arrogantes, quanto mais longe melhor, e assim começaram os Jogos Olímpicos.
Foi aí que apareceu o Franklin. Benjamin Franklin, polímata americano que, entre outras habilidades, inventou o pára-raios, segundo aprendi na Escola da Feira Velha. E foi a nossa sorte. Assim se livrou a humanidade da fúria de Zeus, regra geral, e dos seus raios e coriscos. O Corisco, faço notar no entanto, era um cãozinho de banda desenhada no antigo jornal O Primeiro de Janeiro, que morreu sem que ninguém em Portugal se importasse. O jornal. Se fosse um cão, seria uma tragédia...

P.S. - Benjamn Franklin realizou o primeiro teste do pára-raios no dia 22 de Junho de 1752.

Ó gente ousada, mais que quantas

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Isaltino dá-lhes baile

O processo de Isaltino Morais regressou ontem ao Tribunal de Oeiras e, de acordo com o jornal Público, já nada impede a juíza de decidir se manda prender o autarca, como já pediu o Ministério Público (MP) por duas vezes desde Novembro, ou se os crimes já prescreveram parcialmente, como diz o famoso e rico arguido.
O semanário Sol fez as contas no passado dia 5 de Dezembro e chegou à conclusão de que o presidente da Câmara de Oeiras vinha interpondo um recurso por mês desde que foi condenado em 2009 a sete anos de prisão pelos crimes de corrupção, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e abuso de poder - pena que foi depois corrigida para dois anos pela Relação de Lisboa, que anulou a condenação por corrupção e abuso de poder.
Entre recursos propriamente ditos, respostas a recursos do MP, respostas a respostas do MP sobre os seus próprios recursos, arguição de nulidades, pedidos de correcção de despachos e simples requerimentos ao Tribunal de Oeiras, Isaltino apresentara desde 2009 quase 30 exposições dirigidas a diferentes tribunais que apreciaram o seu processo.
Só em Novembro, após a sua prisão e imediata libertação, o autarca apresentou 14 requerimentos. E na última semana daquele mês houve dias em que os seus advogados enviaram três exposições à juíza.
Tudo isto é feito ao abrigo da lei, mas os enormes recursos financeiros do autarca é que têm alimentado este incessante processo de adiamentos em cadeia visando, em última instância, a prescrição dos crimes. Ainda segundo o Sol, Isaltino já tinha gasto, no final do ano passado, mais de 90 mil euros para tentar evitar a prisão. Fora destas contas estavam os honorários com os seus advogados, assim como o custo de um parecer de um escritório de advogados suíço. Só em taxas de justiça pelos sucessivos recursos interpostos, Isaltino já tinha despendido mais de sete mil euros.
É. A ministra Paula Teixeira da Cruz tem toda a razão. "Neste momento em Portugal há uma justiça para ricos e outra justiça para pobres". Mas chamar-lhe "justiça" parece-me um bocadinho exagerado.

P.S. - Não vos deixeis enganar. Este texto escrevi-o aqui no dia 25 de Janeiro de 2012, já Isaltino e a Justiça brincavam às escondidas, muito entretidinhos, e a história continua. É, pelos vistos, uma história interminável...

Ele, elas e a salada russa

Foto Hernâni Von Doellinger

De salada russa, quem percebia era o Landinho, o nosso Menino, que me desculpem a Sónia Tavares e a Bárbara Guimarães e, já agora, aproveitem e assoem-se a este guardanapo! Quem for antigo e de Fafe sabe disto muito bem e também sabe que o verdadeiro nome da salada russa, em português, é maionese, evidentemente, aliás "manganésia", como lhe chamava o Landinho com toda a propriedade.
O nosso Menino pelava-se por um bom pratinho de "manganésia", mas a verdade tem de ser dita: só comia se lhe dessem. E às vezes tinha de fazer por isso. Em todo o caso, nunca ousou actuar de penetra nem comeu pela calada, como quem não quer a coisa, nem há notícias de que tenha perpetrado figuras tristes para encher a mula à pala e em sonsa contravenção. Nada disso. Parecendo que não, o Landinho sabia estar, tinha classe, pedia, e isso faz toda a diferença...

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

Cabeça no ar

Era muito distraída, a girafa. Sempre com aquela cabeça no ar...

A girafa

Hoje é Dia Mundial da Girafa e é completamente merecido. Os filmes de cinema e as telenovelas e até os concertos musicais particularmente sinfónicos não seriam possíveis tais quais os conhecemos hoje em dia sem a girafa. A girafa é, como aprendemos desde os bancos da escola, um suporte móvel no qual se prende um microfone. E é também uma vasilha considerável para consumo de cerveja de pressão. A girafa é realmente muito importante.

A agonia da velha pega

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Foge, Isaltino, foge!

A questão é: Isaltino foge ou não foge? Eu acho que foge e tomara que fuja. Só se for parvo é que Isaltino não foge. E Isaltino é muitas coisas (que, apesar de provadas em tribunal, eu não vou dizer), mas parvo é que não é. Antes pelo contrário. Para mim, Isaltino é um pirata, o pirata Isaltino que abocanhou quanto pôde enquanto pôde e agora tem um tesouro escondido num país que ninguém sabe, como, por exemplo, a Suíça. E pirata que se preze não se entrega. Vai mas é gozar a massa.
Se Isaltino fosse para a cadeia, cadeia a sério, os outros piratas todos iam fazer pouco dele, sobretudo dois: o pirata Alberto João e o pirata Vale e Azevedo, cada qual na sua ilha de piratas privativa. Gargalhariam, no intervalo de mais uma caneca de rum, bebida por videoconferência: este gajo é mesmo parvo! Mas, repito, Isaltino não é parvo, é Morais.
Nos filmes americanos, mesmo antes do The End, gosto de ver os malandros diplomados, piratas de todos os feitios, já livres de perigo e refastelados ao sol, lambuzando-se com lagostas e gajas boas numa praia tropical mais conhecida do que os tremoços, mas que a justiça portuguesa, por não ter GPS, nunca sabe onde é que é. E penso: quem me dera ser pirata...
É o que eu estimo, do fundo do coração, ao nosso Isaltino, que não é menos do que os outros piratas só por ser um pirata português. Palavras para quê? Vai, Isaltino, vai, e não olhes para trás! Vai pela sombra e encontra a tua ilha ao sol. E deixa um milhãozito na conta deste teu sincero admirador, que não te faz diferença nenhuma e ficas aqui com um sobrinho para toda a vida.

P.S. - Não vos deixeis enganar. Este texto escrevi-o aqui no dia 13 de Outubro de 2011, já Isaltino e a Justiça brincavam às escondidas, muito entretidinhos, e a história continua. É, pelos vistos, uma história interminável...

O cartaz das Festas


As Festas, se as chamo assim com maiúscula, só podem ser umas: as da Senhora de Antime, que já foram da vila, depois do concelho, agora da cidade, mas isso não interessa para nada, porque elas são é da Senhora de Antime. E cartaz, quando digo cartaz, quero dizer aquele papelão com desenhos ou fotografias, letras e números que anuncia as Festas, só para as situar no tempo, obra de autor, uma marca, um marco, talvez agora se chame qualquer coisa em inglês, mas não faço a mínima ideia. Cartaz, para mim, não é a lista de quem vai cantar a Fafe, quero lá saber. Isso, se calhar, é o programa, mas também me é indiferente - chamem-lhe os nomes que quiserem.
Ora bem. Fafe é uma terra de artistas, ó se Fafe é terra de artistas!, é e não são assim tão poucos, e cada um mais artista que o outro, uma fartura só comparável à ausência de um verdadeiro cartaz para as Festas há não sei quantos anos. Vejo disso em todo o lado, cartazes de categoria, em festas de caracacá e terras assim-assim, às vezes autênticas obras de arte, material de colecção, e eu, fafense e sem nada, fico envergonhado, triste e invejoso.
Custará assim tanto abrir um concurso anual para a criação de um cartaz para as Festas? O bum bum Brasil é importante, contra isso nada, nesse ponto estou plenamente de acordo com o senhor presidente da câmara, eu próprio sou um conceituado apreciador de glúteos quando do sexo certo, é portanto dinheiro muito bem gasto pelo Município, investimento como deve ser, mas, mal que pergunte, não sobrará qualquer coisita no orçamento autárquico para usar também na promoção de outras partes do corpo, vamos admitir que quase tão importantes, como, por exemplo, a cabeça?

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

Mas com respeito...

- A menina valsa?
- Valso.
- E polca?
- Polco.
- E tuísta?
- Tuísto.
- E foxtrota?
- Foxtroto.
- E bolera?
- Bolero.
- E zumba?
- Zumbo.
- E rumba?
- Rumbo.
- E fandanga?
- Fandango.
- E vira?
- Viro.
- E tanga?
- Olha o respeito!...

P.S. - O compositor francês Jacques Offenbach, autor da ópera cómica "Orfeu nos Infernos", que integra o "Galop infernal" usado no cancã, nasceu no dia 20 de Junho de 1819.

E ali dançaram tanta dança

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Estou mortinho pelo Verão

Estou mortinho pelo Verão. O calor, a praia, o mar, a areia, os biquínis, as sungas, as bolas, o Algarve. Uma vez fui ao Algarve. Fui, palavra de honra, em 1981, se não estou em erro. E, quer-se dizer, nunca mais!

terça-feira, 18 de junho de 2024

É só inveja, muita raivinha...

Foto Hernâni Von Doellinger

Quando o telefone toca

O telefone toca, a gente atende num susto, e o que é que faz? A gente, quero dizer nós todos, os portugueses de um modo geral. Posto isto - então o que é que a gente faz? A gente agarra-se ao telefone com as duas mãos numa aflição que Deus me livre, e pergunta para o outro lado, aos gritos e falta de ar: - Estou?! Estou??!! Estou???!!! A gente tem medo de não estar. Precisamos de confirmação. Ó insegurança! Ó angústia existencial! Ó pânico desgraçado! Ó compinchas caguinchas! Que é das armas e dos barões assinalados? Que é das quinas e dos castelos da bandeira? Que é dos heróis do mar, nobre pobre, nação valente?
E nisto estamos. Ou não estaremos?

O fim do mundo em cuecas

Gosto destes filmes e destas séries da moda que contam o fim do mundo, os diversos modelos de fim do mundo, e a luta heróica e espectacular dos sobreviventes. Bombas atómicas, holocausto nuclear, invasões marcianas, asteróides desgovernados, pandemias assassinas, ataques de mortos-vivos, revolta dos macacos e outras claques, aquecimento global, acentuado arrefecimento nocturno, maternidades encerradas, urgências desaparecidas, caos no serviço nacional de saúde, catástrofes de proporções bíblicas, apocalípticas, deuteronómicas, cenários dantescos, destruições épicas, brutais, a estrada da morte, o teatro de operações, o dispositivo no terreno, os meios aéreos e os aéreos inteiros, a cinza, a lava, a escuridão, a luz, a asfixia, o nada, o silêncio, o-drama-a-tragédia-o-horror. O planeta desaparece e, no seu regenerador desaparecimento, traz à tona os melhores dos melhores de todos nós, americanos por certo. O pai-herói, a mãe-coragem, o bebé-milagre, o Sepúlveda Taberneiro, de quem ninguém sabia há mais de quarenta anos, desde que pôs os cornos à mulher no Sabugal e fugiu com a espanhola da casa de alterne. Para a América, Kansas City, Missouri. Dão bons títulos nos jornais.

Estes filmes fazem-me acreditar na redenção da humanidade. Os sobreviventes são a esperança num futuro melhor. Isto por um lado. Por outro: mas qual futuro e quais sobreviventes? Se o mundo acabou, como é que há sobreviventes?

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Pânico.

Pela família, tudo!

Convidou a parentela considerada mais próxima, vinte pessoas e treze crianças. Marcou restaurante para as duas em ponto. Encomendou azeitonas, bacalhau assado no forno e tripas à moda do Porto, bebidas e sobremesa à escolha de cada qual. Pediu pratos de plástico, copos de plástico, talheres de plástico, correntes de ar, moscas e se possível formigas. Era a sua vez de organizar o tradicional piquenique de família e ele queria tudo como deve ser.

Comer da boca para fora

Hoje é Dia Internacional do Sushi, Dia Internacional do Piquenique e Dia da Gastronomia Sustentável. Com tanta fartura num dia só, não me venham dizer que há fome em Portugal.

Assim e assado

- Há dias assim.
- E assado?
- Aos domingos.  

P.S. - Hoje é Dia da Gastronomia Sustentável. E Dia Internacional do Sushi. E Dia Internacional do Piquenique.

No fio da navalha

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 17 de junho de 2024

O Alto das Freiras e outros pecados velhos

Chamava-se Alto das Freiras e não Monte das Freiras, como alguns lhe chamam hoje em dia, ou Monte das Freitas, como também já por aí li, Deus lhes perdoe a ignorância e o atrevimento, mas antes Freitas do que Serafão, como quem vai para a Póvoa de Lanhoso. Isto não é resolvido por decreto, apetecimento ou alvará camarário - os sítios têm o nome que o povo lhes chama, e mais nada. E Alto das Freiras era o que o povo chamava àquele sítio lá em cima no antigo monte de São Jorge. Exactamente, quando era monte, isto é, antes de ser capado e desaparecido, o monte ali existente chamava-se monte de São Jorge, e na crucha do falecido monte de São Jorge é que dominava o Alto das Freiras e era no Alto das Freiras que se acoplava o famoso pionono, a garrafinha, de que já aqui falei.
Agora, Alto das Freiras porquê, isso é que eu já não sei. E não é que não me lembre, que se calhar me tenha esquecido, não, na verdade nunca soube, nunca fiz nem faço a mais pequena ideia. Cheguei a imaginar que era dali que saíam as irmãzinhas que tomavam conta do Hospital, incluindo a "Mamer", a primeira dona daquilo tudo, ainda hoje suspeito que sim, mas nunca ninguém mo confirmou capazmente nem alguma vez vi documento que o garantisse, e portanto continuo neste impasse. Em todo o caso, um sítio assim chamado Alto das Freiras, e ainda por cima com pionono e garrafinha, punha-me a cabeça às voltas. Eu sempre fui um bocado tolo e, confesso, bastante dado a elucubrações amiúde lúbricas e libidinosas, desculpem-me a expressão, porque ele há palavras que realmente nos levam por maus caminhos, e "elucubração", "lúbrica" e "libidinosa" são dessas tais, sugestivas até mais não, gráficas como nem era preciso, palavras estuporadas, descaradas e fonéticas, das que dizem logo ao que vão, xô diabo vem cá toma!
Que se segue. O busílis nem estava bem no alto das freiras, que, no entanto, por si só, bem trabalhadinho, já daria pano para mangas. O problema era meter na mesma frase, no mesmo pensamento, as palavras freiras, alto, pionono e garrafinha. E agora dizem que também tem mamoas. Estão a ver o filme? Estão a ver onde é que ia parar a minha cabeça-de-alho-chocho?
Ademais, a fama do monte andava pelas ruas da amarguras. Ou pelas alamedas dos prazeres, consoante o ponto de vista. Naquele tempo não havia motéis, os carros eram poucos e as quelhas e os montes prestavam-se ao necessário, eram albergue de amores ilícitos, clandestinos, era ali que tudo acontecia. E ia-se ao monte. Ia-se ao monte esgaçar umas pernadas de carvalho para o trono da cascata do Santo António da minha rua, ia-se aos fentos ou ao mato para o eido ou às giestas secas para espertar a lareira do chão da cozinha, ia-se brincar aos cobóis, ia-se cagar ao monte e ia-se ipso facto dar umas trancadas, e o que eu gostava da palavra trancadas, mesmo sem ainda conseguir alcançar o que ela quereria dizer, não desfazendo do Trancadas propriamente dito, que era um barbeiro estabelecido na vila, mesmo ao lado do tasco do Neca do Hotel.
E hoje? Hoje as antigas quelhas são avenidas e os velhos montes são urbanizações. Resumindo e concluindo, não sei como é do amor em Fafe.

(Em apêndice. Só para os sacristas do costume, faço notar que o próprio Papa garantiu, há dois ou três dias, que se pode brincar com Deus. E, se se pode brincar com Deus, como disse Francisco, muito mais se pode brincar com freiras, digo eu. Creio, aliás, que elas até agradecem.)

P.S. - Publicado originalmente no meu blogue Fafismos.

Com a casa às costas

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 16 de junho de 2024

Pela medida grande

Vinho, branco ou tinto, e açúcar, de preferência amarelo. Mexe-se com uma colher se houver, ou com os dedos. Da mão. Junta-se-lhe cerveja ou, para coninhas, seven up. O equilíbrio das quantidades fica ao gosto do fabricante. Chama-se a isto "receita" ou "remessa" e deve beber-se bem fresco, mas sem gelo, porra! Os coninhas podem chamar-lhe cocktail...

Ora bem. Hoje é Dia Internacional das Remessas Familiares, e neste caso as quantidades devem ser calculadas, ajustadas e acrescentados em função do número de parentes presentes. Se, em famílias mais numerosas e capazmente apreciadoras, uma infusa não for suficiente, então a remessa pode muito bem ser elaborada e servida num cântaro, num balde, num alguidar, numa bacia, no depósito da água, no tanque ou na banheira, se estiver de vago.

P.S. - Hoje é Dia Internacional das Remessas Familiares.

Rita, Rita, limão

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 15 de junho de 2024

A peita ou... a grandessíssima mama

Peita. Dádiva ou promessa com o fim de subornar, suborno, antigo tributo pago pelos que não eram fidalgos - é o que dizem os dicionários. E peitar, seguindo esta linha de raciocínio, será, então, subornar com peitas, corromper, aliciar com dádivas e promessas. Talvez. Mas peita, naquele tempo, pelo menos em Fafe, era mais que um simples suborno e muito menos que um simples suborno. Até podia ser pagamento de favores, reais ou imaginários, simulacro de cunha, mas ia para além e aquém disso. Não era corrupção tal como hoje a entendemos e usamos, era, isso sim, uma manifestação quase folclórica de uma certa subalternidade social mansamente aceite e assumida pelo pé-descalço, resquícios decerto medievais do tal imposto popular, numa gratidão imensa e sem sentido pelos de cima. Enfim, sabujice e lambe-botismo em todo o seu esplendor, os pobres davam aos ricos, não sei explicar de outra maneira, e assim funcionava o regime.
O meu avô, por exemplo. O meu avô da Bomba gostava muito de ser doente e adorava ir ao Porto "ao especialista". Era uma coisa constada. Íamos "ao especialista" como se fosse uma romaria, uma excursão familiar na catrel de três velocidades do meu padrinho Américo. Íamos, mas todos com a perfeita noção da solenidade do momento e da compostura que se exige numa ida "ao especialista" e ainda por cima ao Porto. Era um cardiologista na Rua de Sá da Bandeira, que por acaso também era médico do poeta Pedro Homem de Mello, que nós conhecíamos da televisão a preto e branco, e eu ficava muito emocionado por estar ali à beira daquela grande figura, na sala de espera, a cores, mas evidentemente sem abrir o bico, para não destoar e às tantas até "incomodar" o meu avô. O meu avô da Bomba, e este era um ponto de que toda a família estava avisada e o resto de Fafe também, "incomodava-se do coração".
Quando ia "ao especialista", o Bô da Bomba levava-lhe sempre um bom quilinho da melhor vitela de Fafe, traço seleccionado e cortada pelas sábias mãos do Sr. Abreu do Talho, embrulhado em imaculado papel costaneira e impecavelmente atado e laçada com fio norte de qualidade superior. Era a peita, o regalo, é claro que o meu avô não podia ir ao Porto com consulta marcada e aparecer "ao especialista" de mãos a abanar...
As peitas aos médicos eram, aliás, aparentemente consensuais e obrigatórias, e creio saber que hoje em dia ainda há quem por aí as pratique. E não se pense que se tratava de um pagamento de consulta em géneros. Não. Era um pagamento em cima do pagamento em dinheiro vivo, pagas e não bufas, um extra, uma gratificação, uma gorjeta de mãos largas, sei lá bem por que carga de água. Em Fafe havia um médico muito famoso por receber peitas, tantas e tantas, material de luxo, belas peças de caça, dúzias de ovos caseiros, salpicões, presuntos, cabos de cebolas, rasas de milho ou feijão, frangos, capões, coelhos, cabritos, mortos e vivos, e não sei se também porcos, peitas, tantas e tantas, dizia eu, que o senhor doutor aceitava alegremente e depois vendia, inclusive aos açougueiros locais, tudo passado a patacos. Isso, o médico rico fazia negócio com as esforçadas oferendas dos seus doentes pobres, tinha até uma "criada" destinada quase exclusivamente a esse ofício. Toda a gente sabia do cambalacho, na vila e nos arredores. Alguém de bolsos mais abonados andava com desejos de uma perdiz de escabeche, precisava de um coelho-bravo para dar ao patrão, queria um pato à moda antiga para uma tainada das tais, não tinha nada que enganar, era só ir ao médico...

A peita, para ser considerada e aceite como tal, deveria ser praticada de chapéu na mão e espinha vergada, balbuciando-se no acto da entrega, reverente e agradecido, muitos "obrigados!", diversos "desculpe por ser pouquinho!", um singelo e envergonhado "semos probes!", e já à porta, sempre andando às arrecuas, um derradeiro e definitiva "desculpe"...

O Natal era uma época especialmente porreira para as peitas. Consoada não é só o banquete de Natal, a reunião da família à mesa, na noite de 24 para 25 de Dezembro. Consoada é também a prenda que se dá a alguém pelo Natal, dias antes, e esse uso da palavra era então muito comum em Fafe.
Nas férias de Natal, era costume os meninos da escola primária levarem a consoada, isto é, a peita a casa das professoras ou professores. Uma oferta simples, chocolates, rebuçados, alguma mercearia essencial, como se fosse para o Banco Alimentar, um gesto bonito, dir-se-ia, se não estivesse desde logo ferido de uma profunda injustiça social. Havia aqui, no exercício da peita escolar, qualquer coisa de insensato, algo de paradoxal, uma gritante subversão de valores - afinal, os miúdos éramos sobretudo filhos de operários, caixeiros de baixo salário, pequenos lavradores aflitos, tarefeiros incertos, proletários de uma forma geral, e os professores, apesar do infinito desprezo de Salazar, eram professores, quer-se dizer.
Havia professoras ou professores que levavam a mal e tomavam de ponta os alunos que não lhes dessem nada. Havia professoras ou professores que aceitavam simpaticamente o mimo e entregavam às crianças uns docinhos para a troca. Havia professoras ou professores que agradeciam muito o gesto, mas pediam aos meninos que voltassem a levar as coisinhas para casa, onde faziam muito mais falta. E havia o meu professor e a esposa do meu professor.
O meu professor, melhor dito, o meu excelentíssimo professor era o Toninho da Cafelândia, o Professor Correia, que morava, se não me engano, na Rua dos Combatentes da Grande Guerra, ali logo nas redondezas do Jardim do Calvário e do Tribunal. Fui lá uma vez levar a peita. Talvez um quilo de açúcar, do melhor, talvez um quilo de arroz, do melhor, ajeitados não em cartuchos normais, cinzentos, grosseiros, mas nuns cartuchos coloridos, alegres, finos, eventualmente até com fitinhas. A minha mãe caprichou.
Toquei a campainha e fui acolhido pela esposa do meu professor. Perguntou-me quem é que eu era, não precisei de explicar muito, sabia de nós, da nossa situação, a senhora agradeceu sinceramente os meus dois cartuchos, pegou neles com um sorriso, pediu-me para esperar um bocadinho à porta e foi lá dentro. A casa tinha umas escadas. A esposa do meu professor voltou num lampo e, quando voltou, vinha mais carregada do que quando foi. Trazia nas mãos, para me dar, um saquinho com rebuçados e um saco com quatro cartuchos dentro, talvez arroz, talvez açúcar, mas eram outros os cartuchos e a dobrar, para eu entregar à minha mãe e que lhe dissesse muito obrigado e que lhe mandava cumprimentos.
A boa senhora solucionara facilmente o paradoxo. E eu, todo contente, aprendi a lição da gentileza e da generosidade, do respeito pela dignidade do pobre que dá.

Por outro lado, convém não esquecer, o assunto aqui era a peita. A peita, de uma forma geral. A peita, isto é, a mama, a grandessíssima mama.

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

Passadeira azul

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Metia-se a cotio e pronto

Antigamente metia-se a cotio. Cotio, para além de nome de uma casta de figos algarvios ou de uma variedade de grão-de-bico, quer também dizer, como adjectivo, que coze facilmente. Cotio era coisa de todos os dias, de uso quotidiano. Cotiar é trazer a cotio ou quotidianamente, gastar com o uso ou, até, regionalmente, motejar. É usar-se muito a miúdo, repetir-se. Havia a roupa de domingo e a roupa da semana, quer-se dizer, a roupa de cotio, do dia-a-dia. Com o tempo e a missa e a traça, a roupa de domingo ficava desbotada, coçada, puída, picada, então metia-se também a cotio, servia para o trabalho, para a vida de casa ou para a labuta no campo. Era. Antigamente metia-se a cotio.

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Palavras para quê? Era um artista português...


Esqueçamos por momentos as eleições, que graças a Deus já foram, e a Selecção Nacional, que ainda há-de ser, se Deus quiser. Puxemos à memória aquele célebre anúncio da televisão a preto e branco com um homem (africano do Império, por sinal) a abocanhar uma cadeira e a fazê-la andar à roda acima da cabeça como ventoinha de helicóptero. Aquilo é que eram dentes fortes, gengivas sãs, boca saudável. E tudo porquê? Porque o artista era um artista português e usava Pasta Medicinal Couto.
Eu, que sou dos tempos áureos do Restaurador Olex, também usei a Couto durante mais de um quarto de século, julgo que inicialmente "receitada" pelo extraordinário Quinzinho da Farmácia, o "médico" dos pobres de Fafe, o melhor médico de família que Deus ao mundo botou, ainda os médicos de família não tinham sido inventados. Aquela coisa de ser "Medicinal" no nome do meio também me convencia, tenho de confessar. E só a larguei após sucessivas tentativas falhadas para fazer sequer mexer uma cadeira de plástico com os dentes e depois de ir ao dentista pela primeira vez na vida, aos 45 anos.
A Couto nasceu no Porto há 92 anos, quando não era natural um preto de cabeleira loira e um branco de carapinha. A fórmula da "Pasta Medicinal" foi registada a 13 de Junho de 1932 e prometia não só lavar os dentes, mas também protegê-los dos malefícios da sífilis e evitar as infecções das gengivas. Em 2001, por imposição das normas comunitárias relativas a este tipo de produtos, a marca foi obrigada a deixar cair a tão sedutora quanto conveniente designação de "Medicinal", passando a chamar-se simplesmente Pasta Dentífrica Couto. Até hoje.
Em 2012, o então principal accionista da empresa Couto, em Vila Nova de Gaia, anunciou que tinha dois pretendentes à compra da marca. Um da área da cosmética e outro do sector farmacêutico, ambos com intenções de "aumentar mais as vendas". O negócio deveria ser fechado até 2017. Não sei se foi. Mas também hoje em dia as cadeiras são muito mais leves...

P.S. - Exactamente. No dia 13 de Junho de 1932, faz hoje 92 anos, "Alberto Ferreira Couto e um amigo dentista registam no Porto a primeira fórmula da Pasta Medicinal Couto, desenvolvida para reduzir os casos de infeção gengival e limitar o fenómeno crescente da retração das gengivas", pode ler-se nas Efemérides Lusa.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Idoso e embriagado

O título da notícia diz: "Idoso de 83 anos apanhado a conduzir embriagado em Braga". Embriagado, e depois? Condutores bêbados é o que mais há, quase que faz parte em Portugal. O espanto, para mim, é alguém ter sido apanhado a conduzir aos 83 anos...

Filipe La Féria, o supersupremo

Ouço os reclames na rádio Antena 1, a nossa rádio nacional, e os reclames são dois, vão alternando. Diz um que o espectáculo "Laura" é "o sonho supremo de Filipe La Féria". E o outro diz que o espectáculo "A Bela Adormecida" é "a obra-prima de Filipe La Féria". Eu não sei quem é que escreveu os reclames, mas parecem-me lidos por vozes oficiais da rádio Antena 1, a nossa rádio nacional, vozes e rádio em que, por princípio e definição, podemos e devemos confiar. Portanto "Laura" e "A Bela Adormecida" são de certeza dois musicais do caraças, extraordinários, superlativos, absolutamente absolutamente, únicos, só também não sei se "obra-prima" é mais do que "sonho supremo" ou se "sonho supremo" é mais do que "obra-prima". Ou vice-versa.
Em todo o caso, a mim, que não domino a ciência do vaudeville e espreito às vezes a televisão, sempre me pareceu que Filipe La Féria desenrascou-se muito bem com o espectáculo "Passa por mim no Rossio", em 1991, e depois, ao longo dos anos, só lhe vai mudando o título.

terça-feira, 11 de junho de 2024

Porque não tocas mais tangos?

Foto Hernâni Von Doellinger

Que é que tem o Barnabé que é diferente do outro? Para começar, é baixinho, abreviado como estampa. Por isso o Senhor Barnabé ele próprio se resume, humilde, e diz que o povo todo o conhece por Bé, e é assim que gosta de ser chamado, contou-me ele. Bé. Estão a ver aquele homenzinho gentil, doce, dez-réis de gente num ar pândego de pinto-calçudo, sacola de merenda a tiracolo, sempre mortinho por concordar com tudo e com todos, estaca aqui para falar com um, estaciona ali para conversar com outro, e na cara, em vez de cara, um sorriso maroto, cândido, inextinguível? Estão a ver? É o meu Senhor Bé. Eu e Senhor Bé partilhamos todas as manhãs o Passeio Atlântico de Matosinhos e suponho que somos amigos. Há também quem o conheça por "São Pedro da Cova", porque é de lá que ele vem diariamente de autocarro para passear vagaroso a borda do mar. Nos seus oitenta e picos bem medidos, são quase duas horas de viagem para cada lado, com transbordo, todos os dias ou quase, mas sem lamúrias. O Senhor Bé - que também se lembra, como eu, de quando Fafe e São Pedro da Cova andaram à pancada por causa da bola - faltou-me ao convívio no tempo de estado de emergência, da merda da pandemia, mas logo que pôde tirou outra vez o passe e voltou. Diz que estava cheio de saudades.
Eu contei-lhe do outro Barnabé, que dava dois dele, ou três. O Senhor Barnabé de Fafe, funileiro de alto gabarito, morador e estabelecido naquele escondidinho do Santo Velho e músico vitalício da Banda de Revelhe. O Senhor Barnabé fafense devia ser uma enorme despesa em farda e tocava tuba porque não havia instrumento maior, tirando talvez o bombo, e a tuba vinha-lhe realmente por medida. Quanto ao Senhor Bé, que certamente não gastaria metro e meio para um fato, eu às vezes até me ria imaginando-o, pequenino e gaiato, a tocar pífaro nos intervalos.
Que se segue? Aqui há coisa de três meses o Senhor Bé tornou a faltar-me e eu, confesso, escarmentado com o desaparecimento da minha abençoadora das 7h30, fiquei com medo de perguntar por ele. Para más notícias, já basta o Correio da Manhã. Mas três meses são três meses, estamos no Natal, e ontem ganhei finalmente coragem. Fui tirar nabos do púcaro junto de outro dos habitués do Passeio, e ouvi o que não queria. O Senhor Bé não vem mais. Morreu. Exactamente há três meses. Foi mudar uma válvula ao coração "e ficou na máquina", disse-me o amigo. Ficou na máquina, assim, isso é lá alguma maneira?
Quer-se dizer: o Senhor Bé morreu e eu, palavra de honra, zanguei-me um bocado com o acontecimento. Às vezes, Deus me perdoe, acho isto da vida muito mal organizado...

P.S. - Publicado originalmente no dia 23 de Novembro de 2021, sob o título "Que é que tinha o Barnabé?". Hoje é dia de São Barnabé, apóstolo, e portanto cá estamos outra vez. Também é dia de São João de São Facundo, sacerdote, do mártir São Restituto, e de Santa Paula Frassinetti, virgem, mas estes, lamento, não conheci nem sei de cantigas a respeito.

Não há dinheiro para tinta

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Um dia, nada mais

Portugal tem um dia e por acaso é hoje. É pouquinho, mas foi o que se pôde arranjar...

P.S. - Hoje é 10 de Junho. Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas.

Portugal segundo Alexandre O'Neill

Portugal

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

Alexandre O'Neill, "Feira Cabisbaixa"

Dia de Portugal, por António Arnaut

Dia de Portugal

Dia de Portugal. Dia de Camões
e das Comunidades.
O Presidente distribui condecorações
na feira das vaidades.

País de heróis e de santos
à beira mar enterrado.
Nunca outra Pátria teve tantos,
assim, por atacado.

António Arnaut

Portugal

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 9 de junho de 2024

Levaram-lhe o autorrádio

- É pá, tipo, fogo, roubaram-me o autorrádio!...
- É pá, tipo, partiram-te o vidro?...
- É pá, tipo, sei lá, também levaram o carro...

Na véspera de Portugal

Hoje é véspera de Portugal. Amanhã é Portugal. Depois de amanhã é terça-feira, dia de pica-boi.

O broche, como deve ser visto

Foto Hernâni Von Doellinger

Há quem diga que não há diferença nenhuma entre um broche e um colchete, que são uma e a mesma coisa. Dicionários razoavelmente informados, como, por exemplo, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, sétima edição, que é a que tenho aqui sempre à mão, consideram-nos, ao broche e ao colchete, sinónimos. Eu, com o devido respeito, discordo. Vejamos bem a coisa. Para mim, tirando o "che" que ambos ostentam, não há comparação possível entre um broche e um colchete. Um broche é um broche e um colchete até pode ser um parêntese recto. Um é uma coisa e o outro é, às vezes, um empecilho. Só quem não passou por eles é que se confundirá. Sei do que falo. Também sei de salas de costura, não cuidem, mas, vamos lá, admitindo a paridade, se vosselências forem gramáticos como eu e quiserem tirar a questão a limpo, se tiver de ser um ou outro, se pretenderem escrutinar a minha preferência, perguntem-me então sem tibiezas: broche ou colchete? E eu digo logo e sempre: broche. Broche, evidentemente. Nem imagino que se possa dizer: olha, faz-me um colchete!...

Gramático era o que me chamava o Empregado do Arquivo quando, por azar, calhávamos os dois no mesmo autocarro às voltas pelo Porto, cada qual na sua vida. O Empregado do Arquivo, assim autodenominado, meu camarada em O Primeiro de Janeiro, morava, se não me engano, no Hospital Conde Ferreira, dava três voltas sobre si próprio antes de cruzar a porta do jornal, em Santa Catarina, e era filho do poeta Alberto de Serpa, que lhe batia em público. Isso, Alberto de Serpa, ilustre membro da geração de Orpheu, modernista, presencista, o poeta da poesia livre, do lirismo do quotidiano, enfiava uns generosos sopapos ao filho, sem medo de testemunhas e de acusações de violência por assim dizer doméstica. O rapaz conseguia ser realmente muito chato, irritante até ao quinto caralho, dava cabo da cabeça ao velho, que tentava acompanhar sem sobressaltos o fecho do suplemento literário "Das Artes Das Letras", que eu penosamente revia, mas, quer-se dizer, o rapaz, assim o tratava o pai, era tolinho encartado, estava internado e tudo, e, que diabo, já tinha para aí quarenta anos ou mais...

P.S. - Hoje é Dia Internacional dos Arquivos.

sábado, 8 de junho de 2024

Há quem lhe chame céu

Foto Portugal de Lés-a-Lés

Atenção, apicultores!

"Vespas de todo o país juntam-se em Braga", anuncia o jornal O Minho. Será no feriado de segunda-feira, 10 de Junho, e mais se informa que trata-se da "21.ª Concentração Nacional de Vespas, evento integrado no Calendário Vespista Nacional, a cargo do Vespa Clube de Portugal". De acordo com a organização, as vespas devem concentrar-se a partir das 8 horas, no Largo das Carvalheiras. Recomenda-se cuidado com o enxofre...

Delícias do mar, o raio que vos parta

Areia macia e morna, água, espuma, o sal da terra, cheiro a argaço, sol quando Deus quer, a brisa nas ventas, o falar das ondas, o silêncio do horizonte a ganhar de vista, madrugadas de pés molhados, ocasos de fogo, um fino bem tirado, pescadores, peixeiras, surfistas, parassurfistas, ciclistas e todos os tipos de nudistas, vagas memórias infantis de uma semana em família na Póvoa de Varzim, a Foz, Matosinhos, a ver navios, os números repetidamente extraordinários do Porto de Leixões, camarão da costa, gambas cozidas e "tigres" grelhados no Peixoto de Fafe que já não é, cracas em São Mateus, alcatra de peixe no Boca Negra, lapas em casa do Victor e da Ana, ilha Terceira, ilha Terceira, ilha Terceira, ecos de Nemésio, mexilhões de vinagreta, masoquistas esturricando agosto e areando os entrefolhos, amêijoas à Bulhão Pato no portinho de Âncora, o bacalhau assado na brasa do Senhor Álvaro em Valença, o bacalhau assado no forno pela minha mãe, o bacalhau de quarto da minha avó de Basto, os bolinhos de bacalhau da Albertininha da Lameira, as patanisca da minha mulher, as sardinhas fritas do Paredes, a punheta de bacalhau do meu cunhado Álvaro, as trutas "do Coura" do querido amigo Vilaça Pinto, que, palavra de honra, era como se fossem marítimas, polvo de molho-verde, o meu polvo frito, as lulas recheadas da minha sogra, as sardinhas assadas da saudosa Dona Dina na Apúlia, o esplêndido rodovalho para "o senhor do rodovalho" que era eu mal entrava a porta, navalhas na chapa, arroz de tomate com petinga, ou com jaquinzinhos, ou arroz de grelos com, ou arroz de feijão com, mas malandro, malandro, malandro, ou, supra-sumo dos supra-sumos, o arroz de feijão vermelho com grelos e bacalhau frito da minha cunhada Isabel, as fanecas do Manel do Campo, biqueirão, marmotinha de rabo na boca, filetes de peixe-galo, a raia frita no Salta o Muro aqui à porta, a lagosta na ilha de São Jorge comida à ganância e à moina, as percebes na ilha do Sal, as bandejas nas rias galegas, fish and chips num velho pub irlandês, carapaus grelhados no quintal do meu sogro, ostras de Setúbal degustadas em Bordéus, a mastodôntica cabeça de pescada que vou cozer para o jantar de hoje, os tremoços da Marrequinha da Recta, as castanhas assadas da Maria Barraca e até bolas de berlim bissextamente compradas na Rua da Junqueira mais famosa do país. Isto são delícias do mar. Outra coisa não:
Fitas de nastro tingidas de cor-de-rosa gomitado, cortadas em palitos empacotados e refrigerados em vácuo e vendidos à babuge nos supermercados não são, por mais que lhes chamem, delícias do mar! Não, não e não! Serão tudo o que quiserem - delícias do mar, não!

P.S. - Hoje é Dia Mundial dos Oceanos.

Sete mares e mais um

Mar Asmo
Mar Telo
Mar Celo

Mar Mita
Mar Mota
Mar Sapo
Mar Fim

Mar Ibela e Seu Rola-Rola.

Acto irreflectido

Hoje é dia de reflexão tendo em vista o acto eleitoral de amanhã. Mais um. Mais um acto eleitoral e mais um dia de reflexão. E um dia assim não podia ser mais oportuno nem de maior utilidade. Sobretudo para as pessoas que, como eu, votaram no passado domingo.

Ai, ai, ai, ai, ai!...

Foto Hernâni Von Doellinger