Foto Hernâni Von Doellinger |
segunda-feira, 30 de junho de 2014
sexta-feira, 27 de junho de 2014
O Mundial tal qual ele é 12
Foto Hernâni Von Doellinger |
1. Portugal não tem nada que se sentir envergonhado com o que aconteceu no Brasil. A Selecção Nacional, sim.
X. Diz-se que Paulo Bento tem muita personalidade e carácter. Mas creio que há aí alguma confusão: zangar-se com toda a gente costuma ser apenas sinal de mau feitio.
2. Admiro o sucesso de Jorge Mendes. É o melhor do mundo. Ainda assim, acho que chegou a altura de a liderança da FPF e a tarefa de seleccionador serem entregues a outro empresário.
quinta-feira, 26 de junho de 2014
O Mundial tal qual ele é 11
Em Brasília, na apresentação oficial do novo penteado de Cristiano Ronaldo, a Selecção Nacional de futebol conseguiu uma lamentável vitória sobre os restos da selecção do Gana. À mesma hora, em Wimbledon, a bela russa Maria Sharapova jogava contra a suíça Timea Bacsinszky, que também não é nada de se deitar fora. Na televisão, eu escolhi o ténis feminino - um jogo verdadeiramente para homens.
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Guimarães Rosa 2
Gargalhada
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...
"Magma", Guimarães Rosa
(João Guimarães Rosa nasceu no dia 27 de Junho de 1908. Morreu em 1967.)
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...
"Magma", Guimarães Rosa
(João Guimarães Rosa nasceu no dia 27 de Junho de 1908. Morreu em 1967.)
Ainda não falaram dois doutores
Foto Hernâni Von Doellinger |
Novos desenvolvimentos no estranho caso das antenas de telecomunicações de Matosinhos-Sul. Esta manhã deveria ter sido colocada a segunda antena, mas não foi. Apareceram moradores, carregados de advogados e papéis, chamou-se a polícia, mandaram vir jornalistas, os trabalhos pararam. A antena nem chegou a ser descarregada. Pouco antes do meio-dia preparava-se para voltar para casa, de rabinho entre as pernas, à espera das novas ordens de Guilherme Pinto, a quem pertence a próxima jogada. Faça o favor, Senhor Presidente...
Foto Hernâni Von Doellinger |
quarta-feira, 25 de junho de 2014
Francisco Otaviano
Ilusões da vida
Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu;
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.
Francisco Otaviano
(Francisco Otaviano nasceu no dia 26 de Junho de 1825. Morreu em 1889.)
Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu;
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.
Francisco Otaviano
(Francisco Otaviano nasceu no dia 26 de Junho de 1825. Morreu em 1889.)
Ruy Barata
Poema e fuga em ré menor
Sobre o piano - rosas
entre as rosas o azul
e o azul não era azul
era vermelho.
Tocavam Bach
e era como luz que transitasse
no mistério.
Todos estavam silenciosos
e no fulgor das pupilas
envenenadas pelo medo
havia uma estranha dor de morte prematura.
Minha mãe chegou-se a mim e disse fica,
meu avô me segurava do retrato,
meus netos me acenavam do futuro.
Porém eu estava sitiado
entre a fuga e a tocata.
A nuvem carregou-me adormecido,
varei a criação,
transpus o limbo,
quando acordei,
meu pai,
já era céu.
"A Linha Imaginária", Ruy Barata
(Ruy Barata nasceu no dia 25 de Junho de 1920. Morreu em 1990.)
Sobre o piano - rosas
entre as rosas o azul
e o azul não era azul
era vermelho.
Tocavam Bach
e era como luz que transitasse
no mistério.
Todos estavam silenciosos
e no fulgor das pupilas
envenenadas pelo medo
havia uma estranha dor de morte prematura.
Minha mãe chegou-se a mim e disse fica,
meu avô me segurava do retrato,
meus netos me acenavam do futuro.
Porém eu estava sitiado
entre a fuga e a tocata.
A nuvem carregou-me adormecido,
varei a criação,
transpus o limbo,
quando acordei,
meu pai,
já era céu.
"A Linha Imaginária", Ruy Barata
(Ruy Barata nasceu no dia 25 de Junho de 1920. Morreu em 1990.)
terça-feira, 24 de junho de 2014
A notícia que me estava a fazer falta
"Penteado de Ronaldo não é homenagem a bebé com doença grave", anuncia o JN com o maior destaque que pode e sabe. Não é. Os outros alegados jornais estarão certamente também em cima de tão momentoso não assunto. E depois ficam admirados...
segunda-feira, 23 de junho de 2014
Pedro Oom
Pode-se escrever
Pode-se escrever sem ortografia
Pode-se escrever sem sintaxe
Pode-se escrever sem português
Pode-se escrever numa língua sem se saber essa língua
Pode-se escrever sem saber escrever
Pode-se pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se escrever sem caneta
Pode-se sem caneta escrever caneta
Pode-se sem escrever escrever plume
Pode-se escrever sem escrever
Pode-se escrever sem sabermos nada
Pode-se escrever nada sem sabermos
Pode-se escrever sabermos sem nada
Pode-se escrever nada
Pode-se escrever com nada
Pode-se escrever sem nada
Pode-se não escrever
"Actuação Escrita", Pedro Oom
(Pedro Oom nasceu no dia 24 de Junho de 1926. Morreu em 1974.)
Pode-se escrever sem ortografia
Pode-se escrever sem sintaxe
Pode-se escrever sem português
Pode-se escrever numa língua sem se saber essa língua
Pode-se escrever sem saber escrever
Pode-se pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se escrever sem caneta
Pode-se sem caneta escrever caneta
Pode-se sem escrever escrever plume
Pode-se escrever sem escrever
Pode-se escrever sem sabermos nada
Pode-se escrever nada sem sabermos
Pode-se escrever sabermos sem nada
Pode-se escrever nada
Pode-se escrever com nada
Pode-se escrever sem nada
Pode-se não escrever
"Actuação Escrita", Pedro Oom
(Pedro Oom nasceu no dia 24 de Junho de 1926. Morreu em 1974.)
Joaquim Manuel de Macedo 2
Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de telhados abaixo. Em um sarau todo mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos murmuram, e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas de seu tempo, e o moço goza de todo os regalos de sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu; estão no seu elemento: aqui uma, cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos aplausos, por entre os quais surde, às vezes, um bravíssimo inopidado, que solta de lá da sala do jogo o parceiro que acaba de ganhar a sua partida no écarté, mesmo na ocasião em que a moça se espicha completamente, desafinando um sustenido; daí a pouco vão as outras, pelos braços de seus pares, se deslizando pela sala e marchando em seu passeio, mais a compasso que qualquer de nossos batalhões da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que conversam sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e risadinhas apreciáveis. Outras criticam de uma gorducha vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que veio para o chá, e que ela levava aos pequenos que, diz, lhe ficaram em casa. Ali vê-se um ataviado dandy que dirige mil finezas a uma senhora idosa, tendo os olhos pregados na sinhá, que senta-se ao lado. Finalmente, no sarau não é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns, é regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos.
"A Moreninha", Joaquim Manuel de Macedo
(Joaquim Manuel de Macedo nasceu no dia 24 de Junho de 1820. Morreu em 1882.)
"A Moreninha", Joaquim Manuel de Macedo
(Joaquim Manuel de Macedo nasceu no dia 24 de Junho de 1820. Morreu em 1882.)
domingo, 22 de junho de 2014
O Mundial tal qual ele é 10
O adepto. O adepto anda quatro anos a poupar para acompanhar a selecção no Mundial. Ou então assalta um banco. Acompanhar a seleccção no Mundial implica, às vezes, atravessar continentes - coisa para custar um dinheirão. O pão e água para toda a família justifica-se portanto como regime de emergência, e o assalto a bancos também. É o amor, é o país, é a selecção. Está certo.
Depois a selecção está a jogar miseravelmente e a levar três secos a dois minutos do fim e já com guia de marcha para casa. E o adepto entra numa depressão desgraçada, mãos esgadanhando a cabeça incrédula, lágrimas esborratando as pinturas de guerra, dei cabo da minha vida por esta merda, ai os meus ricos filhinhos, mais me valia morrer, uma tristeza que só vista. Exactamente. A televisão vê a tristeza do adepto - profunda, incrédula, esgadanhada e esborratada - e passa-a no ecrã gigante do estádio. Em câmara lenta e HD. O adepto vê que está a ser visto na televisão, e salta, e ri, e manda beijinhos, e faz caretas, e tira macacos do nariz, e fica tão feliz, tão feliz, tão feliz da vida, que se foda o desespero, que se foda a selecção, que se fodam os filhos, valeu bem a pena a fome que passaram durante quatro anos. Ou o assalto ao banco. Que está certo e também dá na televisão.
Depois a selecção está a jogar miseravelmente e a levar três secos a dois minutos do fim e já com guia de marcha para casa. E o adepto entra numa depressão desgraçada, mãos esgadanhando a cabeça incrédula, lágrimas esborratando as pinturas de guerra, dei cabo da minha vida por esta merda, ai os meus ricos filhinhos, mais me valia morrer, uma tristeza que só vista. Exactamente. A televisão vê a tristeza do adepto - profunda, incrédula, esgadanhada e esborratada - e passa-a no ecrã gigante do estádio. Em câmara lenta e HD. O adepto vê que está a ser visto na televisão, e salta, e ri, e manda beijinhos, e faz caretas, e tira macacos do nariz, e fica tão feliz, tão feliz, tão feliz da vida, que se foda o desespero, que se foda a selecção, que se fodam os filhos, valeu bem a pena a fome que passaram durante quatro anos. Ou o assalto ao banco. Que está certo e também dá na televisão.
sábado, 21 de junho de 2014
sexta-feira, 20 de junho de 2014
Machado de Assis 2
Musa consolatrix
Que a mão do tempo e o hálito dos homens
Murchem a flor das ilusões da vida,
Musa consoladora,
É no teu seio amigo e sossegado
Que o poeta respira o suave sono.
Não há, não há contigo,
Nem dor aguda, nem sombrios ermos;
Da tua voz os namorados cantos
Enchem, povoam tudo
Da íntima paz de vida e de conforto.
Ante esta voz que as dores adormece,
E muda o agudo espinho em flor cheirosa,
Que vales tu, desilusão dos homens?
Tu que podes, ó tempo?
A alma triste do poeta sobrenada
À enchente das angústias,
E, afrontando o rugido da tormenta,
Passa cantando, alcíone divina.
Musa consoladora,
Quando da minha fronte da mancebo
A última ilusão cair, bem como
Folha amarela e seca
Que ao chão atira a viração do outono,
Ah! no teu seio amigo
Acolhe-me, - e haverá minha alma aflita,
Em vez de algumas ilusões que teve,
A paz, o último bem, último e puro!
"Crisálidas", Machado de Assis
(Machado de Assis nasceu no dia 21 de Junho de 1839. Morreu em 1908.)
Que a mão do tempo e o hálito dos homens
Murchem a flor das ilusões da vida,
Musa consoladora,
É no teu seio amigo e sossegado
Que o poeta respira o suave sono.
Não há, não há contigo,
Nem dor aguda, nem sombrios ermos;
Da tua voz os namorados cantos
Enchem, povoam tudo
Da íntima paz de vida e de conforto.
Ante esta voz que as dores adormece,
E muda o agudo espinho em flor cheirosa,
Que vales tu, desilusão dos homens?
Tu que podes, ó tempo?
A alma triste do poeta sobrenada
À enchente das angústias,
E, afrontando o rugido da tormenta,
Passa cantando, alcíone divina.
Musa consoladora,
Quando da minha fronte da mancebo
A última ilusão cair, bem como
Folha amarela e seca
Que ao chão atira a viração do outono,
Ah! no teu seio amigo
Acolhe-me, - e haverá minha alma aflita,
Em vez de algumas ilusões que teve,
A paz, o último bem, último e puro!
"Crisálidas", Machado de Assis
(Machado de Assis nasceu no dia 21 de Junho de 1839. Morreu em 1908.)
quinta-feira, 19 de junho de 2014
quarta-feira, 18 de junho de 2014
O Mundial tal qual ele é 9
Feira medieval de Matosinhos-Sul
A feira medieval de Matosinhos-Sul está a aprontar-se ali em baixo, na Praia do Titã, e vai de amanhã até domingo (20 a 22 de Junho). A feira medieval da Matosinhos-Sul tem o curioso nome de "Recriação Histórica de Cayo Carpo" para se distinguir das teze mil setecentas e noventa e seis feiras medievais que se realizam no Norte do País, e sobretudo para se distinguir da verdadeira feira medieval de Matosinhos, que é em Leça do Balio, lá para Setembro.
terça-feira, 17 de junho de 2014
O Mundial tal qual ele é 8
Foto Hernâni Von Doellinger |
"Coentrão fora do Mundial, Patrício e Hugo Almeida falham fase de grupos", informa em título o jornal Público. As coisas começam finalmente a compor-se. Aos três lamentáveis enfermos, estimo-lhes as melhoras. E aos outros vinte também.
Cá em casa, a copa é comigo. A minha mulher toma conta do Mundial. E perguntou-me - Para que é que servem os jogos de preparação se, depois, quando é a sério, jogam os outros, os que não jogaram os jogos de preparação porque estavam muito manquinhos. Afinal, os que jogaram tão bem nos jogos de preparação e agora não jogam, prepararam-se para quê? E o João Pereira, porque é que não o mandam para uma casa de correcção?
Sinceramente, não lhe soube responder. Estive para dizer "Pergunta ao Mendes", mas disse que a comida estava na mesa, e safei-me assim... com tranquilidade. Para além disso, suponho que já não há casas de correcção.
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A medalha de Pinto da Costa
Uma vereadora do PS na Câmara do Porto criticou hoje o facto de Pinto da Costa, presidente do FC Porto, não ter sido incluído na lista de personalidades que vão receber em Julho medalhas da cidade.
O rol de pessoas que o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, quer condecorar foi tornado público há quatro dias; a Selecção Nacional levou ontem um enxerto de porrada da Mannschaft (atenção: não foi Portugal que levou um enxerto de porrada da Alemanha - isso levamos nós todos os dias -, foi a Selecção) e hoje não se fala de futebol; Pinto da Costa merece todas as medalhas, mas por acaso este ano não ganhou nada.
A vereadora do PS aparenta ter, portanto, um problema de timing. Um triplo problema de timing. Fosse eu dado a larachas, e diria que a vereadora do PS acaba de cometer hat-trick. Mas um destes dias lá a veremos fugazmente no camarote presidencial do Estádio do Dragão, que é onde eles e elas gostam de chegar.
O rol de pessoas que o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, quer condecorar foi tornado público há quatro dias; a Selecção Nacional levou ontem um enxerto de porrada da Mannschaft (atenção: não foi Portugal que levou um enxerto de porrada da Alemanha - isso levamos nós todos os dias -, foi a Selecção) e hoje não se fala de futebol; Pinto da Costa merece todas as medalhas, mas por acaso este ano não ganhou nada.
A vereadora do PS aparenta ter, portanto, um problema de timing. Um triplo problema de timing. Fosse eu dado a larachas, e diria que a vereadora do PS acaba de cometer hat-trick. Mas um destes dias lá a veremos fugazmente no camarote presidencial do Estádio do Dragão, que é onde eles e elas gostam de chegar.
A História repete-se mas não é gaga
Em 1940, por este 17 de Junho, a União Soviética abocanhou a Letónia, a Lituânia e a Estónia, com o acordo da velha Alemanha nazi e o assobio para o lado do resto do mundo. Faço 25 segundos de silêncio pensando na Ucrânia, na Alemanha nazi de hoje em dia, nos EUA e no resto do mundo látero-assobiador. Quem inventou que a História não se repete, só podia estar a falar das explicações para exames.
segunda-feira, 16 de junho de 2014
Dante Milano 2
Canção bêbada
Estou bêbedo de tristeza,
De doçura, de incerteza,
Estou bêbedo de ilusão,
Estou bêbedo, estou bêbedo,
Bêbedo de cair no chão.
Os que me virem caído
Pensarão que estou ferido.
Alguém dirá: "Foi suicídio!"
"É um bêbedo!" outros dirão.
E ficarei estirado,
Bêbedo, desfigurado.
Talvez eu seja arrastado
Pelas ruas, empurrado,
Jogado numa prisão.
Ninguém perdoa o meu sonho,
Riem da minha tristeza,
Bêbedo, bêbedo, bêbedo,
Em mim, humilhada a glória,
Escarnecida a poesia,
Rasgado o sonho, a ilusão
Sumindo, a emoção doendo.
E ficarei atirado,
Bêbedo, desfigurado.
Dante Milano
(Dante Milano nasceu no dia 16 de Junho de 1899. Morreu em 1991.)
Estou bêbedo de tristeza,
De doçura, de incerteza,
Estou bêbedo de ilusão,
Estou bêbedo, estou bêbedo,
Bêbedo de cair no chão.
Os que me virem caído
Pensarão que estou ferido.
Alguém dirá: "Foi suicídio!"
"É um bêbedo!" outros dirão.
E ficarei estirado,
Bêbedo, desfigurado.
Talvez eu seja arrastado
Pelas ruas, empurrado,
Jogado numa prisão.
Ninguém perdoa o meu sonho,
Riem da minha tristeza,
Bêbedo, bêbedo, bêbedo,
Em mim, humilhada a glória,
Escarnecida a poesia,
Rasgado o sonho, a ilusão
Sumindo, a emoção doendo.
E ficarei atirado,
Bêbedo, desfigurado.
Dante Milano
(Dante Milano nasceu no dia 16 de Junho de 1899. Morreu em 1991.)
domingo, 15 de junho de 2014
O Mundial tal qual ele é 6
Foto Hernâni Von Doellinger |
O França-Honduras não teve hinos. Num Mundial em que os penáltis de encomenda até têm saído tão bem, esqueceram-se do principal: do gira-discos e dos velhos altifalantes. Só pode ser falta de informação, ou então qualquer coisinha contra Portugal, porque, se o Brasil queria um serviço como deve ser, profissional e a mandar ventarolas, que viesse ao lado de cá encomendá-lo. Os responsáveis pela empreitada deveriam saber, tinham de saber, que as "Amplificações sonoras de João Baptista Gonçalves, de Antime, Fafe, deslocam-se a qualquer localidade, haja ou não haja corrente eléctrica". Não tenho a menor dúvida, o Mundial do Brasil ficava muito bem servido com os altifalantes do Baptista. Com os altifalantes do Baptista, hinos... é de calcanhar.
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Também não exagéremos!
O casal passeava o cãozinho de quarto de quilo pela manhã solarenga e ventosa da marginal de Matosinhos. Nisto, o fraldiqueiro, que é como as pessoas, só lhe falta falar, apertou-se-lhe a vontade e urinou com grande pertinácia no famoso passeio mandado construir no reinado de D. Narciso Miranda e que já está bom para ser deitado ao lixo.
O pai do cão, quero dizer o homem, olhou ao redor e resolveu dar uma lição de civilidade a quem por ali passava àquela hora de quem não tem palha no ninho. Quer-se dizer: a mim. E mandou à mulher, quero dizer à mãe do cão - Trazes o saquinho?, limpa aí o chichi!
- O chichi? - chispou a madama. - Então eu vou andar ali com as mãos a apanhar o mijo? Também não exagéremos!
Suspeito que estou de acordo com a pragmática senhora. Realmente, também não exagéremos...
O pai do cão, quero dizer o homem, olhou ao redor e resolveu dar uma lição de civilidade a quem por ali passava àquela hora de quem não tem palha no ninho. Quer-se dizer: a mim. E mandou à mulher, quero dizer à mãe do cão - Trazes o saquinho?, limpa aí o chichi!
- O chichi? - chispou a madama. - Então eu vou andar ali com as mãos a apanhar o mijo? Também não exagéremos!
Suspeito que estou de acordo com a pragmática senhora. Realmente, também não exagéremos...
sábado, 14 de junho de 2014
Festas do Mártir S. Sebastião 2014
Foto Hernâni Von Doellinger |
Fazem jus ao pomposo título que ostentam: Grandiosas Festas ao Mártir S. Sebastião. Mas são, melhor dito, a Festa dos Pescadores de Matosinhos ou, mais famosas ainda, as festas da minha rua. Este ano tomam conta dos dias 18, 19 e 20 do próximo mês de Julho, com tenda montada na Lota do Pescado do Porto de Leixões, como manda a tradição. O cartaz e o programa estão disponíveis aqui.
O Mundial tal qual ele é 5
Última hora. A televisão alertou-me: Portugal já deixou Campinas, para defrontar a Alemanha. Fui a correr para casa, queria ver o jogo. E vi. Era o Uruguai-Costa Rica. A minha mulher explicou-me que a Selecção Nacional só joga na próxima segunda-feira. A notícia do dia era, portanto, que Portugal viajou. Também está bem. Sem o tendão rotuliano de Cristiano Ronaldo e com os jornalistas a serem despedidos às carradas, não se pode esperar muito mais.
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sexta-feira, 13 de junho de 2014
O Mundial tal qual ele é 4
Neymar: "Nunca imaginei fazer um golo na abertura do Mundial". Ó falsíssima modéstia!, claro que imaginou. Até eu imaginei marcar um golo (aliás, quatro) na abertura do Mundial, e não sei jogar futebol...
O Mundial tal qual ele é 3
O futebol é um negócio demasiado sério para depender apenas dos pés dos jogadores. Por isso é que há árbitros, penáltis e FIFA - para que as coisas sejam como devem ser. A esse respeito, as arbitragens no Mundial do Brasil estão a dar o seu melhor.
quinta-feira, 12 de junho de 2014
Fernando Pessoa 2
Coroai-me de rosas;
Coroai-me em verdade
De rosas -
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.
"Odes", Ricardo Reis
(Fernando Pessoa nasceu no dia 13 de Junho de 1888. Morreu em 1935.)
Coroai-me em verdade
De rosas -
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.
"Odes", Ricardo Reis
(Fernando Pessoa nasceu no dia 13 de Junho de 1888. Morreu em 1935.)
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O Mundial tal qual ele é 2
Campinas, Brasil, sob um ameno calor tropical. A Selecção Nacional treina. Ouço na televisão que "Cristiano Ronaldo está a fazer gelo". Sempre prestável o nosso rapaz.
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O Mundial tal qual ele é
Um empate do Brasil logo no primeiro jogo era mau para o negócio. Ordens de cima. Para além disso, podia incendiar ainda mais as ruas. O árbitro japonês esteve bem. Pode ser que o mandem brevemente para casa, mas vai de dever cumprido.
Portugal de luxo, Portugal de lixo
Foto Hernâni Von Doellinger |
Leio num site oficial do Governo de Portugal: "A Pousada do Porto, instalada no Palácio do Freixo, acabou de entrar na prestigiada e exclusiva rede The Leading Hotels of the World. Só os mais luxuosos, prestigiados e sofisticados hotéis são admitidos na referida listagem de apenas 430 unidades em todo o mundo."
Cheguei à exclusiva, luxuosa, sofisticada e duas vezes prestigiada novidade com meia dúzia de dias de atraso. Mas sei que em Janeiro as notícias diziam que Portugal tinha cinco hotéis na lista dos 100 melhores do mundo, e que, em 2012, era português o melhor hotel da Península Ibérica e o melhor pequeno hotel de luxo da Europa era em Lisboa. Em Portugal há mais de 40 hotéis de luxo.
Há também mais de três milhões de pobres, meio milhão de trabalhadores a salário mínimo, um milhão e meio de desempregados e milhares de sem-abrigo. No Portugal de lixo multiplicam-se os chalés de luxo como o da foto acima. Ontem, no espaço de menos de cem metros, passei por três. E só espero que os deixem ficar. É o que resta a estes desgraçados: a ilusão de terem um tecto.
quarta-feira, 11 de junho de 2014
Controlinveste, a imparável: mais 160 para a rua
Parece que Joaquim Oliveira vendeu os jornais a Angola. E depois? Qual é o escândalo? O que é que Portugal perde com a passagem do Jornal de Notícias e do buraco do Diário de Notícias para as mãos de um grupo angolano? Perde independência? Isenção? Credibilidade? Transparência? Rigor? Qualidade? Profissionalismo? Competência? Seriedade? Memória? Deontologia? Dignidade? Referência? Jornalismo? Não se perde o que não há. Talvez se percam empregos. Mas estou em condições de assegurar que isso já aconteceu outras vezes, mesmo antes da chegada dos angolanos.
Uma vez, o estado-maior da Controlinveste descia no elevador do Edifício JN do Porto e eu também. Entrei a meio caminho para ir a casa comer a sopa. Era ir num pé e vir no outro. Disse boa tarde, mas ninguém me ligou. Aquela gente não ouve, não vê nem pensa para além do umbigo de cada qual. Iam todos entretidos na galhofa, preparando mais uma leva de despedimentos. A maior de todas. Eram os filhos do Joaquim, acolitados por um ou dois administradores anónimos limitados e pelo director de publicações, João Marcelino. E era exactamente Marcelino o animador de serviço, exibindo a capa do Diário de Notícias daquele dia. Dizia o também director do DN - "O que é preciso é isto: mete-se aqui este vermelhinho e está o assunto resolvido, é só vender".
João Marcelino referia-se à foto do Benfica que dominava a primeira página do DN. E (deixemo-nos de hipocrisias) não estava a dizer nenhuma asneira. Haja Benfica! O Diário de Notícias tem finalmente quem o compre.
(Texto escrito e publicado no dia 19 de Outubro de 2012, com o título O que é preciso é Benfica, e repetido no dia 4 de Junho de 2013, com o título Angola toma conta do JN, do DN e da TSF. Hoje sobe outra vez à cena porque a Controlinveste acaba de anunciar o despedimento de mais 160 trabalhadores. E eu nem sabia que ainda havia tantos para despedir. Num país a sério, em jornais a sério, os directores que dão prejuízo é que vão para o olho da rua. Aqui a culpa é sempre do porteiro. E viva a Selecção!)
Uma vez, o estado-maior da Controlinveste descia no elevador do Edifício JN do Porto e eu também. Entrei a meio caminho para ir a casa comer a sopa. Era ir num pé e vir no outro. Disse boa tarde, mas ninguém me ligou. Aquela gente não ouve, não vê nem pensa para além do umbigo de cada qual. Iam todos entretidos na galhofa, preparando mais uma leva de despedimentos. A maior de todas. Eram os filhos do Joaquim, acolitados por um ou dois administradores anónimos limitados e pelo director de publicações, João Marcelino. E era exactamente Marcelino o animador de serviço, exibindo a capa do Diário de Notícias daquele dia. Dizia o também director do DN - "O que é preciso é isto: mete-se aqui este vermelhinho e está o assunto resolvido, é só vender".
João Marcelino referia-se à foto do Benfica que dominava a primeira página do DN. E (deixemo-nos de hipocrisias) não estava a dizer nenhuma asneira. Haja Benfica! O Diário de Notícias tem finalmente quem o compre.
(Texto escrito e publicado no dia 19 de Outubro de 2012, com o título O que é preciso é Benfica, e repetido no dia 4 de Junho de 2013, com o título Angola toma conta do JN, do DN e da TSF. Hoje sobe outra vez à cena porque a Controlinveste acaba de anunciar o despedimento de mais 160 trabalhadores. E eu nem sabia que ainda havia tantos para despedir. Num país a sério, em jornais a sério, os directores que dão prejuízo é que vão para o olho da rua. Aqui a culpa é sempre do porteiro. E viva a Selecção!)
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terça-feira, 10 de junho de 2014
Crónicas na Pátria de Cabral
Foto HUGO DELGADO |
O livro "Guiné-Bissau, Um País Adiado - Crónicas na Pátria de Cabral" é apresentado amanhã, quinta-feira, pelas 18 horas, na Biblioteca Municipal Florbela Espanca, em Matosinhos. A obra, da autoria de Manuel Vitorino e com fotos de Hugo Delgado, tem prefácio de Frei Fernando Ventura e notas de Adriano Bordalo e Sá.
segunda-feira, 9 de junho de 2014
Anderson Herzer
Mataram João Ninguém
Quando o próximo sangue jorrar
daquele por quem ninguém irá chorar,
daquele que não deixará nada para se lembrar
daquele em quem ninguém quis acreditar.
Quando seus olhos só puderem fitar o escuro
quando seu corpo já estiver inerte, frio e duro,
quando todos perceberem morto João Ninguém
e quando longe de todos ele será seu próprio alguém.
Tantas mãos, tantas linhas incertas,
tantas vidas cobertas, sem ninguém pra sentir,
Tantas dores, tantas noites desertas
tantas mãos entreabertas, sem ninguém pra acudir.
Qualquer dia vou despir-me da luta
pisar em coisas brutas, sem me arrepender.
Tão difícil ver a vida assassinada
quando estamos já tontos pra tentar sobreviver.
As perguntas sem respostas, sem nada,
as vidas curtas e desamparadas
o último grito que não foi ouvido
calaram mais um homem iludido.
E no mundo não dão mais argumentos
pra fugir aos lamentos de quem sozinho falece.
Para esses não há mais compreensão,
não há mais permissão, para que se tropece.
Na televisão, o aguardo da cotação
um instante ocupado, para dizer morto João Ninguém
mas a aflição ataca, a cotação subiu ou caiu?
E João morreu... ninguém ouviu.
Eu vou distribuir panfletos
dizendo que João morreu,
talvez alguém se recorde
do João que falo eu.
Falo daquele mendigo que somos
pelo menos em matéria de amor,
daquele amor que esquecemos de cultivar
o qual, com tanto dinheiro, ninguém jamais coroou.
"A Queda para o Alto", Anderson Herzer
(Sandra Mara Herzer, que assinava Anderson Herzer, nasceu no dia 10 de Junho de 1962. Morreu em 1982.)
Quando o próximo sangue jorrar
daquele por quem ninguém irá chorar,
daquele que não deixará nada para se lembrar
daquele em quem ninguém quis acreditar.
Quando seus olhos só puderem fitar o escuro
quando seu corpo já estiver inerte, frio e duro,
quando todos perceberem morto João Ninguém
e quando longe de todos ele será seu próprio alguém.
Tantas mãos, tantas linhas incertas,
tantas vidas cobertas, sem ninguém pra sentir,
Tantas dores, tantas noites desertas
tantas mãos entreabertas, sem ninguém pra acudir.
Qualquer dia vou despir-me da luta
pisar em coisas brutas, sem me arrepender.
Tão difícil ver a vida assassinada
quando estamos já tontos pra tentar sobreviver.
As perguntas sem respostas, sem nada,
as vidas curtas e desamparadas
o último grito que não foi ouvido
calaram mais um homem iludido.
E no mundo não dão mais argumentos
pra fugir aos lamentos de quem sozinho falece.
Para esses não há mais compreensão,
não há mais permissão, para que se tropece.
Na televisão, o aguardo da cotação
um instante ocupado, para dizer morto João Ninguém
mas a aflição ataca, a cotação subiu ou caiu?
E João morreu... ninguém ouviu.
Eu vou distribuir panfletos
dizendo que João morreu,
talvez alguém se recorde
do João que falo eu.
Falo daquele mendigo que somos
pelo menos em matéria de amor,
daquele amor que esquecemos de cultivar
o qual, com tanto dinheiro, ninguém jamais coroou.
"A Queda para o Alto", Anderson Herzer
(Sandra Mara Herzer, que assinava Anderson Herzer, nasceu no dia 10 de Junho de 1962. Morreu em 1982.)
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Luís de Camões
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E, em mim, converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
"Sonetos", Luís de Camões
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E, em mim, converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
"Sonetos", Luís de Camões
Foi você que pediu uma antena?
Foto Hernâni Von Doellinger |
Ela aí está, firme e hirta, como prometera Guilherme Pinto. Eu gosto. Por mim, até se metia lá outra...
domingo, 8 de junho de 2014
José Gomes Ferreira 2
Eléctrico/XVIII
(Todos os dias passo pelas Amoreiras
quando vou para o laboratório de Campolide
marcar filmes numa moviola)
Há lá renda que se assemelhe
a este tecido de árvores no Ar...
(Hei-de pedir à Maria Keil
para as pintar.)
Árvores do Jardim do Aqueduto
sem flor nem fruto,
nem nada de seu...
Só este azul de pássaros a cantar
que vai da terra ao céu.
José Gomes Ferreira
(José Gomes Ferreira nasceu no dia 9 de Junho de 1900. Morreu em 1985.)
(Todos os dias passo pelas Amoreiras
quando vou para o laboratório de Campolide
marcar filmes numa moviola)
Há lá renda que se assemelhe
a este tecido de árvores no Ar...
(Hei-de pedir à Maria Keil
para as pintar.)
Árvores do Jardim do Aqueduto
sem flor nem fruto,
nem nada de seu...
Só este azul de pássaros a cantar
que vai da terra ao céu.
José Gomes Ferreira
(José Gomes Ferreira nasceu no dia 9 de Junho de 1900. Morreu em 1985.)
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Todos os dias passo pelas Amoreiras
Não baixem os braços, disse Cavaco, isto é um assalto
Cavaco Silva, suponho que desarmado, exortou os portugueses a não "baixarem os braços". Em Manteigas, o Supremo Magistrado da Nação disse também outras coisas muitíssimo importantíssimas como, por exemplo, "Eu tenho de facto muita esperança de que desta crise saia uma economia mais dinâmica, mais sustentável, mais integrada nos mercados internacionais e mais competitiva".
Manteigas dá-se ao deslize, parece-me. Em 1964, o Cavaco da altura chamava-se Tomás, também lá foi e o seu discurso ficou igualmente célebre. Disse, a certo passo, a Veneranda Figura: "É uma terra [Manteigas] bem interessante, porque, estando numa cova, está a mais de 700 metros de altitude".
Estou em crer, Cavaco não diria melhor.
Manteigas dá-se ao deslize, parece-me. Em 1964, o Cavaco da altura chamava-se Tomás, também lá foi e o seu discurso ficou igualmente célebre. Disse, a certo passo, a Veneranda Figura: "É uma terra [Manteigas] bem interessante, porque, estando numa cova, está a mais de 700 metros de altitude".
Estou em crer, Cavaco não diria melhor.
sábado, 7 de junho de 2014
José Gomes
O Zé Gomes foi comprar cigarros faz hoje um ano e nunca mais veio. O Zé faz falta. Faz-me falta. Era um homem que dava, e não há muitas pessoas assim.
Como há um ano, fui para a varanda, fumei um habano e bebi um copo, e desta vez não chorei. Estás a ouvir, Zé? A fotografia aqui em baixo é para ti. Se queres que te diga, ainda não consegui apagar o teu número de telefone. Quando resolveres, liga.
Pronto, chorei agora. Borrei a escrita.
Como há um ano, fui para a varanda, fumei um habano e bebi um copo, e desta vez não chorei. Estás a ouvir, Zé? A fotografia aqui em baixo é para ti. Se queres que te diga, ainda não consegui apagar o teu número de telefone. Quando resolveres, liga.
Pronto, chorei agora. Borrei a escrita.
sexta-feira, 6 de junho de 2014
Desnecessidades da língua portuguesa
Já repararam na quantidade de palavras da língua portuguesa que usam escusadamente um eme final? O eme que se escreve mas não se lê. Podia passar a noite inteira a dar exemplos uns atrás dos outros - abrevio porém dando seis, como os dedos de uma mão mais um: rodage, vantage, viage, sabotage, calibrage, portage, arage. E afinal são sete, os dedos de uma mão mais dois da outra. Para que é que estas palavras precisam do eme no fim se o eme no fim não se diz? E logo a letra eme, a das três perninhas, tantas perninhas, menos duas apenas do que as cinco patas do cavalo.
O eme, faço notar, que ainda por cima é a letra minúscula mais obesa do nosso abecedário. Um escândalo! Uma evidente desnecessidade e um tremendo desperdício de espaço num país com somente noventa e dois mil quilómetros quadrados. Mas isto os da troika não viram, e aos do acordo ortográfico a coisa também lhes passou ao lado. Salta aos olhos que estes doutores da mula ruça não andam de metro e muito menos de camioneta. Não falam com pessoas, nunca foram ao Minho. Ou, se calhar, faltou-lhes corage.
O eme, faço notar, que ainda por cima é a letra minúscula mais obesa do nosso abecedário. Um escândalo! Uma evidente desnecessidade e um tremendo desperdício de espaço num país com somente noventa e dois mil quilómetros quadrados. Mas isto os da troika não viram, e aos do acordo ortográfico a coisa também lhes passou ao lado. Salta aos olhos que estes doutores da mula ruça não andam de metro e muito menos de camioneta. Não falam com pessoas, nunca foram ao Minho. Ou, se calhar, faltou-lhes corage.
Caetano Veloso by night
Acordei com Caetano Veloso cantando. "Alguém cantando longe daqui / Alguém cantando longe, longe / Alguém cantando muito / Alguém cantando bem / Alguém cantando é bom de se ouvir". Os meus sonhos são um bocado tolos, confesso, mas eu não sonhava. Não sonho com homens, sejam de que sexo forem. Não era portanto a minha cabeça. Também não era o rádio da mesinha de cabeceira, nem a televisão dos vizinhos, e já se sabe que nestes prédios de hoje em dia ouvimos tudo uns dos outros. Nada disso. Era mesmo o velho tropicalista, novinho em folha, cantando ao vivo e para mim, trazido do Parque da Cidade por uma brisa de sul. "Ei! Hoje eu mando um abraçaço". E eu de camarote, na cama. Que luxo! Tornei a adormecer, embalado pela quentura da música, aconchegado em memórias felizes. "Gosto muito de te ver, leãozinho / Caminhando sob o sol / Gosto muito de você, leãozinho".
Espero que o dispensável Passos Coelho não me venha agora cobrar o bilhete. Eu moro aqui ao lado, não tenho culpa de ter ouvido. E até estava a dormir. Como a maioria dos portugueses.
Espero que o dispensável Passos Coelho não me venha agora cobrar o bilhete. Eu moro aqui ao lado, não tenho culpa de ter ouvido. E até estava a dormir. Como a maioria dos portugueses.
quinta-feira, 5 de junho de 2014
Gomes Leal 2
Miserere mei
I
Eis-me sentado só, na Rua da Amargura,
Como um mendigo vil, de rota capa escura,
Sem ter pátria, nem lei.
Desci, mais do que Job, ao lameiro corrupto.
- Ó piedosa Mulher das tranças cor de luto,
Miserere mei!...
II
Por teus olhos subtis, mais raros que as safiras,
As aras poluí, fiz a batina em tiras,
Minha estola rasguei.
Agora sou Dagnon, Rei das dores insondáveis.
- Ó piedosa Mulher dos olhos admiráveis,
Miserere mei!...
III
Por teu amor, desci às trevas lacrimosas.
Por teu amor, vaguei nas ruínas leprosas.
Por ti uivei, chorei,
Nas galés, hospitais, na Insónia, na Demência,
- Ó piedosa Mulher, Senhora da Clemência,
Miserere mei!...
IV
Como Saul, cruzei as estradas devassas.
Nos cardos, nos tojais, nas alfurjas, nas praças,
Os farrapos larguei
Da minha alma sangrenta, estrelada em martírios.
- Ó piedosa Mulher dos dedos cor dos lírios,
Miserere mei!...
V
Por teu amor, desci às pávidas geenas
Dos não ouvidos ais, das não ouvidas penas.
Por ti, eu blasfemei.
Por ti eu me estorci nas palhas da enxovia...
- Ó piedosa Mulher, Flor da Melancolia,
Miserere mei!...
VI
Brandam que te ofendi. - Mas os teus olhos castos
mal conheceram como, as mãos postas, de rastos,
Eu poli e escavei,
Com meus prantos de sangue, as lapas dos retiros.
- Ó piedosa Mulher, Senhora dos Suspiros,
Miserere mei!...
VII
Arrastei-me no pó das solidões tisnadas,
No inferno das galés, nas insónias suadas.
De nostalgia, uivei,
Como o proscrito infeliz nos grandes gelos russos.
- Ó piedosa Mulher, Senhora dos Soluços,
Miserere mei!...
VIII
O suor empastou meus pálidos cabelos.
Junto ao leito febril, torvo de pesadelos,
Pai nem Mãe encontrei!
Só teu pranto sorvi, nas angústias agudas...
- Ó piedosa Mulher, Mãe das lágrimas mudas,
Miserere mei!...
IX
Agora, livre enfim dos Ciclos da Loucura,
Já transpondo os portais da Babilónia Escura,
Mais órfão me encontrei.
Órfão, meu Deus, de ti, dos teus ais, teus cuidados...
- Ó piedosa Mulher, Mãe dos Abandonados,
Miserere mei!...
Gomes Leal
(Gomes Leal nasceu no dia 6 de Junho de 1848. Morreu em 1921.)
I
Eis-me sentado só, na Rua da Amargura,
Como um mendigo vil, de rota capa escura,
Sem ter pátria, nem lei.
Desci, mais do que Job, ao lameiro corrupto.
- Ó piedosa Mulher das tranças cor de luto,
Miserere mei!...
II
Por teus olhos subtis, mais raros que as safiras,
As aras poluí, fiz a batina em tiras,
Minha estola rasguei.
Agora sou Dagnon, Rei das dores insondáveis.
- Ó piedosa Mulher dos olhos admiráveis,
Miserere mei!...
III
Por teu amor, desci às trevas lacrimosas.
Por teu amor, vaguei nas ruínas leprosas.
Por ti uivei, chorei,
Nas galés, hospitais, na Insónia, na Demência,
- Ó piedosa Mulher, Senhora da Clemência,
Miserere mei!...
IV
Como Saul, cruzei as estradas devassas.
Nos cardos, nos tojais, nas alfurjas, nas praças,
Os farrapos larguei
Da minha alma sangrenta, estrelada em martírios.
- Ó piedosa Mulher dos dedos cor dos lírios,
Miserere mei!...
V
Por teu amor, desci às pávidas geenas
Dos não ouvidos ais, das não ouvidas penas.
Por ti, eu blasfemei.
Por ti eu me estorci nas palhas da enxovia...
- Ó piedosa Mulher, Flor da Melancolia,
Miserere mei!...
VI
Brandam que te ofendi. - Mas os teus olhos castos
mal conheceram como, as mãos postas, de rastos,
Eu poli e escavei,
Com meus prantos de sangue, as lapas dos retiros.
- Ó piedosa Mulher, Senhora dos Suspiros,
Miserere mei!...
VII
Arrastei-me no pó das solidões tisnadas,
No inferno das galés, nas insónias suadas.
De nostalgia, uivei,
Como o proscrito infeliz nos grandes gelos russos.
- Ó piedosa Mulher, Senhora dos Soluços,
Miserere mei!...
VIII
O suor empastou meus pálidos cabelos.
Junto ao leito febril, torvo de pesadelos,
Pai nem Mãe encontrei!
Só teu pranto sorvi, nas angústias agudas...
- Ó piedosa Mulher, Mãe das lágrimas mudas,
Miserere mei!...
IX
Agora, livre enfim dos Ciclos da Loucura,
Já transpondo os portais da Babilónia Escura,
Mais órfão me encontrei.
Órfão, meu Deus, de ti, dos teus ais, teus cuidados...
- Ó piedosa Mulher, Mãe dos Abandonados,
Miserere mei!...
Gomes Leal
(Gomes Leal nasceu no dia 6 de Junho de 1848. Morreu em 1921.)
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Pedro Nava 2
O defunto
Quando morto estiver meu corpo,
Evitem os inúteis disfarces,
Os disfarces com que os vivos,
Só por piedade consigo,
Procuram apagar no Morto
O grande castigo da Morte.
Não quero caixão de verniz
Nem os ramalhetes distintos,
Os superfinos candelabros
E as discretas decorações.
Quero a morte com mau-gosto!
Dêem-me coroas de pano.
Dêem-me as flores de roxo pano,
Angustiosas flores de pano,
Enormes coroas maciças,
Como enormes salva-vidas,
Com fitas negras pendentes.
E descubram bem minha cara:
Que a vejam bem os amigos.
Que não a esqueçam os amigos.
Que ela ponha nos seus espíritos
A incerteza, o pavor, o pasmo.
E a cada um leve bem nítida
A idéia da própria morte.
Descubram bem esta cara!
Descubram bem estas mãos.
Não se esqueçam destas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram,
Em que sexos demoraram
Seus sabidos quirodáctilos?
Foram nelas esboçados
Todos os gestos malditos:
Até os furtos fracassados
E interrompidos assassinatos.
- Meus amigos! olhem as mãos
Que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam! Elas fugiram
Da suprema purificação
Dos possíveis suicídios.
- Meus amigos, olhem as mãos!
As minhas e as vossas mãos!
Descubram bem minhas mãos!
Descubram todo o meu corpo.
Exibam todo o meu corpo,
E até mesmo do meu corpo
As partes excomungadas,
As sujas partes sem perdão.
- Meus amigos, olhem as partes...
Fujam das partes,
Das punitivas, malditas partes...
Eu quero a morte nua e crua,
Terrífica e habitual,
Com o seu velório habitual.
- Ah! o seu velório habitual!
Não me envolvam em lençol:
A franciscana humildade
Bem sabeis que não se casa
Com meu amor da Carne,
Com meu apego ao Mundo.
E quero ir de casimira:
De jaquetão com debrum,
Calça listrada, plastron...
E os mais altos colarinhos.
Dêem-me um terno de Ministro
Ou roupa nova de noivo ...
E assim solene e sinistro,
Quero ser um tal defunto,
Um morto tão acabado,
Tão aflitivo e pungente,
Que sua lembrança envenene
O que resta aos amigos
De vida sem minha vida.
- Meus, amigos, lembrem de mim.
Se não de mim, deste morto,
Deste pobre terrível morto
Que vai se deitar para sempre
Calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão
Os penetras escorraçados,
As prostitutas recusadas,
Os amantes despedidos,
Como os que saem enxotados
E tornariam sem brio
A qualquer gesto de chamada.
Meus amigos, tenham pena,
Senão do morto, ao menos
Dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
Sapatos pretos de verniz.
Olhem bem estes sapatos,
E olhai os vossos também.
Pedro Nava
(Pedro Nava nasceu no dia 5 de Junho de 1903. Morreu em 1984.)
Quando morto estiver meu corpo,
Evitem os inúteis disfarces,
Os disfarces com que os vivos,
Só por piedade consigo,
Procuram apagar no Morto
O grande castigo da Morte.
Não quero caixão de verniz
Nem os ramalhetes distintos,
Os superfinos candelabros
E as discretas decorações.
Quero a morte com mau-gosto!
Dêem-me coroas de pano.
Dêem-me as flores de roxo pano,
Angustiosas flores de pano,
Enormes coroas maciças,
Como enormes salva-vidas,
Com fitas negras pendentes.
E descubram bem minha cara:
Que a vejam bem os amigos.
Que não a esqueçam os amigos.
Que ela ponha nos seus espíritos
A incerteza, o pavor, o pasmo.
E a cada um leve bem nítida
A idéia da própria morte.
Descubram bem esta cara!
Descubram bem estas mãos.
Não se esqueçam destas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram,
Em que sexos demoraram
Seus sabidos quirodáctilos?
Foram nelas esboçados
Todos os gestos malditos:
Até os furtos fracassados
E interrompidos assassinatos.
- Meus amigos! olhem as mãos
Que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam! Elas fugiram
Da suprema purificação
Dos possíveis suicídios.
- Meus amigos, olhem as mãos!
As minhas e as vossas mãos!
Descubram bem minhas mãos!
Descubram todo o meu corpo.
Exibam todo o meu corpo,
E até mesmo do meu corpo
As partes excomungadas,
As sujas partes sem perdão.
- Meus amigos, olhem as partes...
Fujam das partes,
Das punitivas, malditas partes...
Eu quero a morte nua e crua,
Terrífica e habitual,
Com o seu velório habitual.
- Ah! o seu velório habitual!
Não me envolvam em lençol:
A franciscana humildade
Bem sabeis que não se casa
Com meu amor da Carne,
Com meu apego ao Mundo.
E quero ir de casimira:
De jaquetão com debrum,
Calça listrada, plastron...
E os mais altos colarinhos.
Dêem-me um terno de Ministro
Ou roupa nova de noivo ...
E assim solene e sinistro,
Quero ser um tal defunto,
Um morto tão acabado,
Tão aflitivo e pungente,
Que sua lembrança envenene
O que resta aos amigos
De vida sem minha vida.
- Meus, amigos, lembrem de mim.
Se não de mim, deste morto,
Deste pobre terrível morto
Que vai se deitar para sempre
Calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão
Os penetras escorraçados,
As prostitutas recusadas,
Os amantes despedidos,
Como os que saem enxotados
E tornariam sem brio
A qualquer gesto de chamada.
Meus amigos, tenham pena,
Senão do morto, ao menos
Dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
Sapatos pretos de verniz.
Olhem bem estes sapatos,
E olhai os vossos também.
Pedro Nava
(Pedro Nava nasceu no dia 5 de Junho de 1903. Morreu em 1984.)
As cimeiras ibéricas são sempre um sucesso
Em 1986, a Pousada de Santa Marinha, na Costa, em Guimarães, recebeu a terceira edição de uma coisa chamada Cimeira Luso-Espanhola. Aníbal Cavaco Silva era o primeiro-ministro de Portugal, Felipe González era o presidente do Governo espanhol e eu era jornalista de O Primeiro de Janeiro. Estivemos lá os três.
Tarde e a más horas, o meu jornal lembrou-se de me mandar para o local do crime. Tarde e a más horas quero dizer, no caso em apreço, já depois de a coisa ter começado. E eu fui todo contente, de braço de fora na Catrel com letras, pendurado no Adélio Santos, que era o homem das fotografias e outras habilidades. Eu tinha muita vaidade na minha profissão.
Consegui credenciar-me, com alguns empenhos e uma sorte do caraças, numa esquina do Toural, que, tenho ideia, era posto de turismo mas tratava do assunto. Cheguei lá acima engatilhadíssimo para colocar umas certas e determinadas questões tanto ao Silva como ao González, que os havia de foder, porém mandaram-me para uma sacristia que era a "sala de imprensa" ibérica. Ficámos lá todos de quarentena a contar anedotas uns aos outros, anedotas de espanhóis e portugueses, "Vale, vale", "Já me tinhas dito". Os jornalistas somos uns gajos com piada. Somos piadéticos sem fronteiras.
A cimeira eram dois dias. Escrevi um primeiro texto, de lançamento da coisa, na véspera da coisa, ainda na redacção, e assinei, com grande lata, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". Creio que na altura era "enviado-especial" que se usava, com hífen, o que dada uma maior cagança à função. Não fui corrigido por quem devia ter tarimba e mais juízo do que eu - portanto estava certo. É preciso que se note: era a minha primeira saída para o "estrangeiro" e, como estão recordados, eu tinha muita vaidade na profissão. Vai daí, fiz as malas e parti da portuense Rua de Santa Catarina rumo ao fim do mundo, onde cheguei passado um bocado.
Naqueles bons velhos tempos, as pernoitas eram pagas e eu fui dormir a Fafe (eu sou de Fafe). Eu estava para fora, era enviado-especial, estão a perceber? O Adélio é que que não concordava comigo e veio dormir a casa, que lhe dava mais jeito.
Da cimeira, enquanto lá estive, só soube os recados que os chegamissos do Cavaco nos traziam de vez em quando, que a coisa estava atrasada e que "Eles" estavam a discutir isto e aquilo, tudo a correr muito bem para o nosso lado, Portugal 5-Espanha 3. A "Eles" só os vi na conferência de imprensa final. E na verdade nem os vi, estava muita gente à minha frente, mesmo sendo "Eles" maiúsculos. E também não os ouvi, mas isso a camaradagem resolveu. E eu voltei a assinar, com grande gabarito e por mais três ou quatro vezes, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". E voltou a sair assim no jornal.
Resumindo e concluindo: a Cimeira Luso-Espanhola de Guimarães foi um sucesso e a cobertura do enviado-especial de O Primeiro de Janeiro também. O meu amigo Adélio Santos morreu fez ontem um ano. E já se comia qualquer coisinha.
(Texto escrito e publicado no dia 1 de Março de 2013, sob o título Enviado especial a Guimarães. Mas podia ser a Vidago. A coisa já vai, portanto, na vigésima sétima. E é mais um sucesso, de certeza. Como os simulacros de catástrofe, que correm sempre bem.)
Tarde e a más horas, o meu jornal lembrou-se de me mandar para o local do crime. Tarde e a más horas quero dizer, no caso em apreço, já depois de a coisa ter começado. E eu fui todo contente, de braço de fora na Catrel com letras, pendurado no Adélio Santos, que era o homem das fotografias e outras habilidades. Eu tinha muita vaidade na minha profissão.
Consegui credenciar-me, com alguns empenhos e uma sorte do caraças, numa esquina do Toural, que, tenho ideia, era posto de turismo mas tratava do assunto. Cheguei lá acima engatilhadíssimo para colocar umas certas e determinadas questões tanto ao Silva como ao González, que os havia de foder, porém mandaram-me para uma sacristia que era a "sala de imprensa" ibérica. Ficámos lá todos de quarentena a contar anedotas uns aos outros, anedotas de espanhóis e portugueses, "Vale, vale", "Já me tinhas dito". Os jornalistas somos uns gajos com piada. Somos piadéticos sem fronteiras.
A cimeira eram dois dias. Escrevi um primeiro texto, de lançamento da coisa, na véspera da coisa, ainda na redacção, e assinei, com grande lata, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". Creio que na altura era "enviado-especial" que se usava, com hífen, o que dada uma maior cagança à função. Não fui corrigido por quem devia ter tarimba e mais juízo do que eu - portanto estava certo. É preciso que se note: era a minha primeira saída para o "estrangeiro" e, como estão recordados, eu tinha muita vaidade na profissão. Vai daí, fiz as malas e parti da portuense Rua de Santa Catarina rumo ao fim do mundo, onde cheguei passado um bocado.
Naqueles bons velhos tempos, as pernoitas eram pagas e eu fui dormir a Fafe (eu sou de Fafe). Eu estava para fora, era enviado-especial, estão a perceber? O Adélio é que que não concordava comigo e veio dormir a casa, que lhe dava mais jeito.
Da cimeira, enquanto lá estive, só soube os recados que os chegamissos do Cavaco nos traziam de vez em quando, que a coisa estava atrasada e que "Eles" estavam a discutir isto e aquilo, tudo a correr muito bem para o nosso lado, Portugal 5-Espanha 3. A "Eles" só os vi na conferência de imprensa final. E na verdade nem os vi, estava muita gente à minha frente, mesmo sendo "Eles" maiúsculos. E também não os ouvi, mas isso a camaradagem resolveu. E eu voltei a assinar, com grande gabarito e por mais três ou quatro vezes, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". E voltou a sair assim no jornal.
Resumindo e concluindo: a Cimeira Luso-Espanhola de Guimarães foi um sucesso e a cobertura do enviado-especial de O Primeiro de Janeiro também. O meu amigo Adélio Santos morreu fez ontem um ano. E já se comia qualquer coisinha.
(Texto escrito e publicado no dia 1 de Março de 2013, sob o título Enviado especial a Guimarães. Mas podia ser a Vidago. A coisa já vai, portanto, na vigésima sétima. E é mais um sucesso, de certeza. Como os simulacros de catástrofe, que correm sempre bem.)
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terça-feira, 3 de junho de 2014
Fafe e o turismo
Foto Hernâni Von Doellinger |
"O turismo em Fafe" é tema para um debate a realizar no próximo sábado, dia 7 de Junho, pelas 21h30, no Club Fafense. Mais uma iniciativa do Club Alfa, dinamizada, como sempre, por Pedro Sousa, que desta vez conta com a participação de Abel Castro, Alberto Baptista, António Daniel, Carla Paredes Castro, Carlos Afonso, Jesus Martinho, Luís Carvalho, Miguel Summavielle e Ricardo Gonçalves.
Na ocasião será apresentado o número seis da revista Alfa.
segunda-feira, 2 de junho de 2014
José Lins do Rego 2
Vitorino Carneiro da Cunha mandava no que era seu, na sua vida. As
feridas que lhe abriam no corpo nada queriam dizer. Não havia força que
pudesse com ele. Os parentes se riam de seus rompantes, de suas
franquezas. Eram todos uns pobres ignorantes, verdadeiros bichos que não
sabiam onde tinham as ventas. Quando parava no engenho, quando
conversava com um Manuel Gomes do Riachão, via que era melhor ser como
ele, homem sem um palmo de terra, mas sabendo que era capaz de viver
conforme os seus desejos. Todos tinham medo do governo, todos iam atrás
de José Paulino e de Quinca do Engenho Novo, como se fossem carneiros de
rebanho. Não possuía nada e se sentia como se fosse senhor do mundo. A
sua velha Adriana quisera abandoná-lo para correr atrás do filho.
Desistiu para ficar ali como uma pobre. Podia ter ido. Ele, Vitorino
Carneiro da Cunha, não precisava de ninguém para viver. Se lhe tomassem a
casa onde morava, armaria a sua rede por debaixo dum pé de pau. Não
temia a desgraça, não queria a riqueza. Lá se foram os três homens que
libertara, a quem dera toda sua ajuda. O tenente se enfurecera com o seu
poder. Nunca pensara que existisse um homem que fosse capaz de
enfrentá-lo como fizera. A sua letra, o papel que assinara com o seu
nome, dera com a força do miserável no chão. Era Vitorino Carneiro da
Cunha. Tudo podia fazer, e nada temia. Um dia tomaria conta do
município. E tudo faria para que aquele calcanhar-de-judas fosse mais
alguma coisa. Então Vitorino se via no dia do seu triunfo. Haveria muita
festa, haveria tocata de música, discurso do Dr. Samuel, e dança na
casa da Câmara. Viriam todos os chaleiras do Pilar falar com ele. Era o
chefe, era o mais homem da terra. E não teria as besteiras de José
Paulino, aquela tolerância para com sujeitos safados, que só queriam
comer no cocho da municipalidade. Com Vitorino Carneiro da Cunha não
haveria ladrões, fiscais de feira roubando o povo. Tudo andaria na
correta, na decência.
"Fogo Morto", José Lins do Rego
(José Lins do Rego nasceu no dia 3 de Junho de 1901. Morreu em 1957.)
"Fogo Morto", José Lins do Rego
(José Lins do Rego nasceu no dia 3 de Junho de 1901. Morreu em 1957.)
domingo, 1 de junho de 2014
A geração do hambúrguer
Um dos maiores problemas dos nossos supermercados é que põem a cortar bacalhau uma malta muito gira e muito porreira que nunca na vida comeu bacalhau e nem sabe de que árvore é que aquilo vem. Resultado: trazemos para casa postas com a largura de um selo dos correios.
Ana Cristina Cesar
Soneto
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?
"A Teus Pés", Ana Cristina Cesar
(Ana Cristina Cesar nasceu no dia 2 de Junho de 1952. Morreu em 1983.)
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?
"A Teus Pés", Ana Cristina Cesar
(Ana Cristina Cesar nasceu no dia 2 de Junho de 1952. Morreu em 1983.)
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