domingo, 31 de março de 2013
A ordem dos factores nem sempre é arbitrária
- O meu problema foi deitar as canas e apanhar os foguetes - explicava o maneta.
sábado, 30 de março de 2013
Este futebol precisa de uma limpeza
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Lembro-me de uma Páscoa
A memória é fácil - foi em 1974 e no sábado do Domingo de Ramos havia Festival da Canção. Era a grande noite, a verdadeira. Deixaram-nos ir para a sala da televisão, ouvimos as cantigas a preto e branco, apresentadas pela Glória de Matos e pelo Artur Agostinho, mas na hora da votação, a parte mais emocionante, os do orfeão, à voz de comando, desatámos a descer por umas escadas que nem sabíamos e, num lampo, chegámos à rua. Ia passar a procissão. Era a nossa vez de cantar. O estrado com degraus estava montado logo ao pé da porta, no cantinho do Largo de Santiago, defronte do Governo Civil. Cantámos o "Miserere", como mandava a tradição. E era digno de ser ouvido, minhas senhoras e meus senhores: nós cantávamos a cores.
Cantámos numa fervurinha mas como querubins, como querubins apressados, a procissão parou e passou, em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo amém, e toca a galgar a escadaria (que já não era secreta) com o coração aos saltos, quem é que ganhou, mas afinal quem é que ganhou? Foi o Paulo de Carvalho, foi "E Depois do Adeus".
Ao contrário do que alguém possa ainda pensar, "E Depois do Adeus" é apenas uma notável balada de dor de corno, sem qualquer submensagem política. Muito bem cantada, isso sim, e com uma orquestração (do maestro José Calvário, também autor da música) do melhor que alguma vez se fez ou virá a fazer no nosso país.
Há quase 40 anos que ando com esta Páscoa no ouvido. E não por causa da bela canção do Paulo de Carvalho. É o "Miserere". O "Miserere" que ainda sei de cor e com o qual, volta e meia, puxando pelo lamentável baixo-barítono que sobrevive dentro de mim, atazano o orelhame do pessoal cá de casa.
As saudades fizeram-me isto: fui ontem à procura do meu "Miserere" no YouTube e não o encontrei. Quem sou eu para desgostar do sublime "Miserere" de Allegri, que está em todo o lado como Deus Nosso Senhor, mas - deu-me para aqui - ontem o "Miserere" bracarense é que me sabia...
Abril de 1974 foi um mês muito mal organizado em Portugal, e tomem 2013 como termo de comparação: o Festival da Canção realizou-se a 6, o Domingo de Ramos a 7 e a Páscoa a 14. Vistas bem as coisas, só o 25 de Abril é que calhou no dia certo.
Cantámos numa fervurinha mas como querubins, como querubins apressados, a procissão parou e passou, em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo amém, e toca a galgar a escadaria (que já não era secreta) com o coração aos saltos, quem é que ganhou, mas afinal quem é que ganhou? Foi o Paulo de Carvalho, foi "E Depois do Adeus".
Ao contrário do que alguém possa ainda pensar, "E Depois do Adeus" é apenas uma notável balada de dor de corno, sem qualquer submensagem política. Muito bem cantada, isso sim, e com uma orquestração (do maestro José Calvário, também autor da música) do melhor que alguma vez se fez ou virá a fazer no nosso país.
Há quase 40 anos que ando com esta Páscoa no ouvido. E não por causa da bela canção do Paulo de Carvalho. É o "Miserere". O "Miserere" que ainda sei de cor e com o qual, volta e meia, puxando pelo lamentável baixo-barítono que sobrevive dentro de mim, atazano o orelhame do pessoal cá de casa.
As saudades fizeram-me isto: fui ontem à procura do meu "Miserere" no YouTube e não o encontrei. Quem sou eu para desgostar do sublime "Miserere" de Allegri, que está em todo o lado como Deus Nosso Senhor, mas - deu-me para aqui - ontem o "Miserere" bracarense é que me sabia...
Abril de 1974 foi um mês muito mal organizado em Portugal, e tomem 2013 como termo de comparação: o Festival da Canção realizou-se a 6, o Domingo de Ramos a 7 e a Páscoa a 14. Vistas bem as coisas, só o 25 de Abril é que calhou no dia certo.
sexta-feira, 29 de março de 2013
Eduardo Prado Coelho
A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve.
E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada.
Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.
O problema está em nós. Nós como povo.
Nós como matéria-prima de um país.
Porque pertenço a um país onde a esperteza é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro.
Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
"Precisa-se de matéria-prima para construir um país", Eduardo Prado Coelho, Público
(Eduardo Prado Coelho nasceu no dia 29 de Março de 1944. Morreu em 2007.)
E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada.
Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.
O problema está em nós. Nós como povo.
Nós como matéria-prima de um país.
Porque pertenço a um país onde a esperteza é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro.
Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
"Precisa-se de matéria-prima para construir um país", Eduardo Prado Coelho, Público
(Eduardo Prado Coelho nasceu no dia 29 de Março de 1944. Morreu em 2007.)
quinta-feira, 28 de março de 2013
Alexandre Herculano
O sentimento poético está mais vivo e puro nas almas habituadas às harmonias campestres do que em nós, os habitantes das grandes cidades: é por isso que os camponeses acendem no estio as fogueiras festivas, usança que, como todos sabem, ofende o nosso profundíssimo e estupidíssimo senso-comum. Eu, por mim, que graças a Deus não tenho a honra de pertencer à classe desses que lidam, contentes de si, por se bambolearem no vértice da animalidade pura e que se chamam homens da vida positiva, digo que, por mais ardente que vá o estio, amo uma fogueira no arraial em véspera de festa, e aquele estourar e chispar dos foguetes que roçam rápidos pelo manto escuro da noite. Sei também que o consumir-se pólvora em esbombardear cidades e em alastrar de cadáveres um campo de batalha é coisa muito mais filosófica e sisuda do que desbaratá-la nas festividades supersticiosas do povo. Mas nem todos podemos ser filósofos, e eu tenho queda particular para a superstição.
E que quereis? O catolicismo é jovial: o seu culto, como o vulgo o entende, é ruidoso e risonho e brilhante e atractivo e sociável, e por isso debalde trabalharíeis para arrancá-lo ao povo, que vive e morre no meio do trabalho, dos cuidados, das privações. O domingo, o dia santo, o orago da paróquia são os seus dias de contentamento e repouso. Abençoado quem inventou os oragos! Pois as invocações da Virgem, e a advocacia dos santos?! Mil vezes bendito quem os multiplicou!
"O Pároco da Aldeia" ("Lendas e Narrativas"), Alexandre Herculano
(Alexandre Herculano nasceu no dia 28 de Março de 1810. Morreu em 1877.)
E que quereis? O catolicismo é jovial: o seu culto, como o vulgo o entende, é ruidoso e risonho e brilhante e atractivo e sociável, e por isso debalde trabalharíeis para arrancá-lo ao povo, que vive e morre no meio do trabalho, dos cuidados, das privações. O domingo, o dia santo, o orago da paróquia são os seus dias de contentamento e repouso. Abençoado quem inventou os oragos! Pois as invocações da Virgem, e a advocacia dos santos?! Mil vezes bendito quem os multiplicou!
"O Pároco da Aldeia" ("Lendas e Narrativas"), Alexandre Herculano
(Alexandre Herculano nasceu no dia 28 de Março de 1810. Morreu em 1877.)
quarta-feira, 27 de março de 2013
terça-feira, 26 de março de 2013
segunda-feira, 25 de março de 2013
domingo, 24 de março de 2013
Melhoramentos na minha rua (da noite para o dia)
sábado, 23 de março de 2013
Com uma facada, era tiro e queda
Sou dos filmes de cobóis desde pequenino e particular consumidor dos spaghetti de Sergio Leone. Tenho-os na despensa, a colecção completa. Gosto. Gosto e assobio. Vejo-os sempre que me apetece, e se dão na televisão, como deram esta semana, na RTP 2, não mando ninguém ver por mim. Porém, ao fim destes anos todos e após milhões de sessões, devo confessar o seguinte: continuo sem perceber a morte dos bandidos. Há ali qualquer coisa que não bate certo. Quer-se dizer - os bandidos é como tordos, morrem uns atrás dos outros até ao chefe, e assim é que está bem, mas já repararam à custa e ao fim de quantos balázios? Já contaram quantas balas são precisas para matar um bandido, um só? Praí dezasseis e todas na muche, até que o estafermo do bandido, um só, repito, aceite esticar de vez o pernil. É muita despesa e má propaganda à inquestionável pontaria, por exemplo, de um atirador da marca de Clint Eastwood. Em contrapartida, quando é à facada, o mau da fita morre logo à primeira. Tiro e queda, já viram?
Acho mal.
Acho mal.
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sexta-feira, 22 de março de 2013
Lugares-comuns 63
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quinta-feira, 21 de março de 2013
Sócrates: mandaram-no vir, agora aturem-no!
1. Se Alfredo Barroso, Ângelo Correia, António Costa, António Vitorino, Bagão Félix, Braga de Macedo, Diogo Feio, Fernando Rosas, Francisco Assis, Francisco Louçã, Jorge Coelho, Lobo Xavier, Manuela Ferreira Leite, Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Medeiros Ferreira, Medina Carreira, Morais Sarmento, Pacheco Pereira, Pina Moura, Rui Rangel e Santana Lopes podem ser comentadores políticos na televisão, porque é que José Sócrates não há-de poder?
2. O silêncio de Sócrates em Paris era abundantemente criticado. À direita, à esquerda e até ao centro, no interior do próprio PS. Exigia-se que o bandalho viesse a Portugal explicar a merda que fez. O bandalho vem. E vai à televisão - primeiro numa "grande entrevista" e depois num programa semanal de 25 minutos, em horário nobre, a seguir ao Telejornal. E agora, aqui-d'el rei!, não querem ouvir nem deixar que os outros ouçam o que o homem tem para dizer?
3. O alegado Governo de Passos Coelho não acerta uma, está completamente descredibilizado. Já morreu mas não sabe. Pior era impossível. Só assim se compreende que até José Sócrates se sinta à vontade para voltar à política e a Portugal, embora disfarçado de comentador televisivo.
4. Por mim, José Sócrates estava muito bem em Paris. Mas também não me incomoda na RTP. Mandaram-no vir, aturem-no!
2. O silêncio de Sócrates em Paris era abundantemente criticado. À direita, à esquerda e até ao centro, no interior do próprio PS. Exigia-se que o bandalho viesse a Portugal explicar a merda que fez. O bandalho vem. E vai à televisão - primeiro numa "grande entrevista" e depois num programa semanal de 25 minutos, em horário nobre, a seguir ao Telejornal. E agora, aqui-d'el rei!, não querem ouvir nem deixar que os outros ouçam o que o homem tem para dizer?
3. O alegado Governo de Passos Coelho não acerta uma, está completamente descredibilizado. Já morreu mas não sabe. Pior era impossível. Só assim se compreende que até José Sócrates se sinta à vontade para voltar à política e a Portugal, embora disfarçado de comentador televisivo.
4. Por mim, José Sócrates estava muito bem em Paris. Mas também não me incomoda na RTP. Mandaram-no vir, aturem-no!
Dinis Machado
A tusa é que interessa, dizia Evaristo, vamos comer uma lagosta, os mariscos dão tusa, antigamente bastava-me mudar de mulher tinha logo tusa, mas agora as coisas são diferentes, percebo aqueles gajos que esfregam cuequinhas de renda nas partes baixas ou que dão pontapezinhos no bidé, interessa é estimular a tusa, o Zé das Roscas dizia que bastava um gajo pensar num buraco qualquer, fecha os olhos, dizia ele, e pensa num buraco, mas isso a mim não me dava tusa nenhuma, dava-lhe a ele porque o seu estado normal era ter tusa, uma vez, dizia, só numa semana, com a Belmira, que era a mais barata, nos buracos das paredes, num bocado de reposteiro de veludo que, enrolado, era uma tara, e sentado na retrete a ver revistas de mulheres nuas, só numa semana, dizia ele, tinham sido mais de cem vezes, eu seja ceguinho se não foram mais de cem vezes, até me chegou a faltar o ar, tenho de ir comprar pó de sulfamidas, dizia ele, a mão na algibeira das calças, acariciando o mastro, um destes dias caço o Poupinhas, aquele do terceiro andar, e toma, o Poupinhas dá-me cá uma tusa, tem uma pele branquinha, aqui há dias foram sete vezes numa só penada a pensar na barriga das pernas da Leninha, e naquela parte da curva das pernas que vai dar à coxa, acordei de noite com a barriga das pernas a mexerem-se à frente dos meus olhos, foram sete vezes, ali, na barriga das pernas e na curva, zaque, zaque, zaque.
"O Que Diz Molero", Dinis Machado
(Dinis Machado nasceu no dia 21 de Março de 1930. Morreu em 2008 e foi um erro.)
"O Que Diz Molero", Dinis Machado
(Dinis Machado nasceu no dia 21 de Março de 1930. Morreu em 2008 e foi um erro.)
quarta-feira, 20 de março de 2013
Ilse Losa
"O que lá vai, lá vai", ouve-se frequentemente dizer. E, não raras vezes, acrescenta-se: "Eu não olho para trás, mas sempre para a frente", o que pretende soar a heroísmo mas, bem analisado, não tem consistência. Não há dia e nem sequer hora em que não olhemos para trás. Basta termos memória. Por tudo e por nada associamos palavras, sítios, objectos, comidas, leituras, caras, acontecimentos, com alguma coisa ouvida, vista, comida, lida, vivida. E mesmo os heróis de desígnios relevantes e que afirmam olhar sempre para a frente por, desse modo, desejarem corrigir os males do nosso mundo, evocam, de certeza, tal como toda a gente, os eventos bons e maus que lhes ficaram para trás.
Na realidade, esse "O que lá vai, lá vai" ou o "Águas passadas não movem moinhos" são ditos cujo desígnio é arredar recordações de acontecimentos calamitosos na nossa vida e deixar ficar apenas as horas soalheiras. Seria bom se isto fosse possível. Ou talvez nem fosse, porque podia fazer de nós qualquer coisa como patetas alegres...
"À Flor do Tempo", Ilse Losa
(Ilse Losa nasceu no dia 20 de Março de 1913. Morreu em 2006.)
Na realidade, esse "O que lá vai, lá vai" ou o "Águas passadas não movem moinhos" são ditos cujo desígnio é arredar recordações de acontecimentos calamitosos na nossa vida e deixar ficar apenas as horas soalheiras. Seria bom se isto fosse possível. Ou talvez nem fosse, porque podia fazer de nós qualquer coisa como patetas alegres...
"À Flor do Tempo", Ilse Losa
(Ilse Losa nasceu no dia 20 de Março de 1913. Morreu em 2006.)
terça-feira, 19 de março de 2013
Professor de ginástica é que era
José Mourinho tem também isto de especial: diz as maiores barbaridades e fica bem na televisão. Em entrevista à RTP, falando do seu lado pessoal e familiar, o técnico do Real Madrid explicou que, "se não tivesse seguido o mundo do futebol", seria "professor" e "feliz". "E se calhar seria uma vida muito melhor do que aquela
que acabámos por ter", precisou.
Pois se calhar. Em 2012, Mourinho foi novamente o treinador mais bem pago do mundo. Ganhou 14 milhões de euros. Uma chatice.
Pois se calhar. Em 2012, Mourinho foi novamente o treinador mais bem pago do mundo. Ganhou 14 milhões de euros. Uma chatice.
Vira para lá essa boca, ó Gaspar!
Vítor Gaspar garante que, "em Portugal, uma medida como uma contribuição sobre os depósitos [como no Chipre] está totalmente fora de questão". E é exactamente isso que me põe à rasca: porque a realidade é sempre ao contrário do que diz o alegado ministro das Finanças.
"Pai há só um",
lamentou-se o professor-ensaiador, espreitando pela cortina a plateia esgotada do teatrinho escolar. "O resto é tudo mães. Galinhas"...
segunda-feira, 18 de março de 2013
De astrólogo para astrólogo
Marcelo Rebelo de Sousa disse na televisão que o incompetente Vítor Gaspar "parece um astrólogo". Marcelo sabe do que fala. E estará porventura incomodado com a concorrência.
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Augusto Abelaira
ela olha pra mim em silêncio, escrevo que ela olha pra mim em silêncio, e aguardo as palavras restantes a fim de as congelar neste diário [escrevo que aguardo as palavras restantes a fim de as congelar neste diário (e escrevo que escrevo que aguardo as palavras restantes a fim de as congelar neste diário - ...-)] - Estiveste a pensar que...? - (escrevo:)
"Bolor", Augusto Abelaira
(Augusto Abelaira nasceu no dia 18 de Março de 1926. Morreu em 2003.)
"Bolor", Augusto Abelaira
(Augusto Abelaira nasceu no dia 18 de Março de 1926. Morreu em 2003.)
domingo, 17 de março de 2013
sábado, 16 de março de 2013
Camilo Castelo Branco
E ficou pensando na sua espinhosa situação. Deviam de ocorrer-lhe ideias aflitivas que os romancistas raras vezes atribuem aos seus heróis. Nos romances todas as crises se explicam, menos a crise ignóbil da falta de dinheiro. Entendem os novelistas que a matéria é baixa e plebeia. O estilo vai de má vontade para coisas rasas. Balzac fala muito em dinheiro; mas dinheiro a milhões. Não conheço, nos cinquenta livros que tenho dele, um galã num entreacto da sua tragédia a cismar no modo de arranjar uma quantia com que pague ao alfaiate, ou se desembarace das redes que um usurário lhe lança, desde a casa do juiz de paz a todas as esquinas, donde o assaltam o capital e juro de oitenta por cento. Disto é que os mestres em romance se escapam sempre. Bem sabem eles que o interesse do leitor se gela a passo igual que o herói se encolhe nas proporções destes heroizinhos de botequim, de quem o leitor dinheiroso foge por instinto, e o outro foge também, porque não tem que fazer com ele. A coisa é vilmente prosaica, de todo o meu coração o confesso.
"Amor de Perdição", Camilo Castelo Branco
(Camilo Castelo Branco nasceu no dia 16 de Março de 1825. Morreu em 1890.)
"Amor de Perdição", Camilo Castelo Branco
(Camilo Castelo Branco nasceu no dia 16 de Março de 1825. Morreu em 1890.)
O meu Minho 10
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sexta-feira, 15 de março de 2013
Odontologicamante falando, estamos conversados
Cheguei ao dentista muito tarde. Já passava dos quarenta. Evidentemente não sou exemplo para ninguém, também neste departamento, mas a verdade é que, apesar de tantos anos de aparente desmazelo odontológico, eu tinha uma cremalheira que era um mimo - foi o que o doutor me disse, muito admirado, quando lhe arreganhei a tacha pela primeira vez. Palavras para quê? Eu usava pasta Pasta Medicinal Couto. Os meus problemas com os dentes começaram, portanto, quando fui ao dentista.
E estreei-me em grande, numa célebre extracção de um siso, que, não é para me gabar, foi uma tragédia. O dente estava muito apegado a mim, eram décadas de convívio e recusava-se a sair, coitado. Anestesia atrás de anestesia, o dentista escarafunchava e escarafunchava, puxava e puxava, pedia desculpa, nunca tinha acontecido, inventava alavancas que não alavancavam nada, fazia o pino, o quatro e o oito, tentou o flique-flaque à retaguarda e o mergulho empranchado de braços abertos, escarafunchava e puxava, o homem suava copiosamente, chovia-me, parava para se desfazer das cambras, ralhava com as assistentes, que pareciam baratas tontas e afogueadas, pedia desculpa, nunca tinha acontecido, e elas, quase em lágrimas e em coro, "Nunca tinha acontecido", mandou vir um escadote, a escada Magirus dos Sapadores, uma marreta da obra em frente e o Regimento de Artilharia da Serra do Pilar, por esta exacta ordem, escarafunchava e escarafunchava, puxava e puxava, desculpe, nunca tinha acontecido, e nada. Que "Daqui não saio, daqui ninguém me tira", insistia o filho da puta do dente, agarrado à gengiva como uma lapa, e já me estava a meter nervos.
Eu esvaía-me numa poça de sangue. A minha boca era já duas, derivado ao escarrapacho forçado. Tinha a boca pior que o chapéu de um pobre - e foi ali que eu percebi na carne o significado da infeliz expressão. Se eu pudesse falar, diria "Chamem-me um carro!", mas eu não podia falar, porque não sentia a boca e isso era do mal o menos.
(Por outro lado, o dentista passa muito bem sem a nossa opinião. Já repararam que o dentista só faz perguntas depois de nos atafulhar a boca com metade dos móveis do consultório e a mangueira do jardim? Respondemos como? Só se for pelo nariz, mas isso é número arriscado e praticável apenas em caso de profunda constipação. E já deram fé que a gente vai lá queixar-se do dente de baixo e o dentista trata do dente de cima? E que geralmente faz bem?)
O dente cedeu, por implosão controlada, ao fim de uma manhã inteira de pancadaria. O dente era eu. Eu era um destroço de uma sangrenta batalha campal. Vi-me ao espelho: tinha os lábios esgaçados de orelha a orelha, parecia o Joker do Jack Nicholson. Para me confortar, o dentista disse-me que ainda ia ficar pior. E ficou. No dia seguinte: os cantos da boca em ferida, a cara feita num bolo, inchada e negra.
Por causa da dose cavalar de anestesia, andei semana e meia a babar-me e com um falar esquisito. Queriam internar-me. Safei-me por uma unha negra à consulta externa do Magalhães Lemos.
Mas isso passou. A sintomatologia física desapareceu. A memória da carnificina é que não. Padeço de stress pós-traumático. Ainda hoje é uma tortura ir ao... barbeiro. Entro em pânico. Estão a ver? A mesma espera, a mesma televisão ligada na Praça da Alegria, a mesma bata branca, a cadeira, a babete, os utensílios cromados, pontiagudos e cortantes, o zzzzzzzzz assobiado do secador que parece o zzzzzzzzz assobiado de uma broca, a televisão ligada na Fátima Lopes, estão a ver? Estão a ouvir? Estão a perceber a minha agonia?
Quer-se dizer: houve aqui uma transferência qualquer que eu não sei explicar. Porque com o meu dentista corre tudo muito bem. O sanguinolento episódio do dente do siso não passou disso e ganhei esta bonita história para contar. Para a semana vou lá outra vez (a terceira, já este ano) e é sempre uma festa ir ao dentista.
E estreei-me em grande, numa célebre extracção de um siso, que, não é para me gabar, foi uma tragédia. O dente estava muito apegado a mim, eram décadas de convívio e recusava-se a sair, coitado. Anestesia atrás de anestesia, o dentista escarafunchava e escarafunchava, puxava e puxava, pedia desculpa, nunca tinha acontecido, inventava alavancas que não alavancavam nada, fazia o pino, o quatro e o oito, tentou o flique-flaque à retaguarda e o mergulho empranchado de braços abertos, escarafunchava e puxava, o homem suava copiosamente, chovia-me, parava para se desfazer das cambras, ralhava com as assistentes, que pareciam baratas tontas e afogueadas, pedia desculpa, nunca tinha acontecido, e elas, quase em lágrimas e em coro, "Nunca tinha acontecido", mandou vir um escadote, a escada Magirus dos Sapadores, uma marreta da obra em frente e o Regimento de Artilharia da Serra do Pilar, por esta exacta ordem, escarafunchava e escarafunchava, puxava e puxava, desculpe, nunca tinha acontecido, e nada. Que "Daqui não saio, daqui ninguém me tira", insistia o filho da puta do dente, agarrado à gengiva como uma lapa, e já me estava a meter nervos.
Eu esvaía-me numa poça de sangue. A minha boca era já duas, derivado ao escarrapacho forçado. Tinha a boca pior que o chapéu de um pobre - e foi ali que eu percebi na carne o significado da infeliz expressão. Se eu pudesse falar, diria "Chamem-me um carro!", mas eu não podia falar, porque não sentia a boca e isso era do mal o menos.
(Por outro lado, o dentista passa muito bem sem a nossa opinião. Já repararam que o dentista só faz perguntas depois de nos atafulhar a boca com metade dos móveis do consultório e a mangueira do jardim? Respondemos como? Só se for pelo nariz, mas isso é número arriscado e praticável apenas em caso de profunda constipação. E já deram fé que a gente vai lá queixar-se do dente de baixo e o dentista trata do dente de cima? E que geralmente faz bem?)
O dente cedeu, por implosão controlada, ao fim de uma manhã inteira de pancadaria. O dente era eu. Eu era um destroço de uma sangrenta batalha campal. Vi-me ao espelho: tinha os lábios esgaçados de orelha a orelha, parecia o Joker do Jack Nicholson. Para me confortar, o dentista disse-me que ainda ia ficar pior. E ficou. No dia seguinte: os cantos da boca em ferida, a cara feita num bolo, inchada e negra.
Por causa da dose cavalar de anestesia, andei semana e meia a babar-me e com um falar esquisito. Queriam internar-me. Safei-me por uma unha negra à consulta externa do Magalhães Lemos.
Mas isso passou. A sintomatologia física desapareceu. A memória da carnificina é que não. Padeço de stress pós-traumático. Ainda hoje é uma tortura ir ao... barbeiro. Entro em pânico. Estão a ver? A mesma espera, a mesma televisão ligada na Praça da Alegria, a mesma bata branca, a cadeira, a babete, os utensílios cromados, pontiagudos e cortantes, o zzzzzzzzz assobiado do secador que parece o zzzzzzzzz assobiado de uma broca, a televisão ligada na Fátima Lopes, estão a ver? Estão a ouvir? Estão a perceber a minha agonia?
Quer-se dizer: houve aqui uma transferência qualquer que eu não sei explicar. Porque com o meu dentista corre tudo muito bem. O sanguinolento episódio do dente do siso não passou disso e ganhei esta bonita história para contar. Para a semana vou lá outra vez (a terceira, já este ano) e é sempre uma festa ir ao dentista.
quinta-feira, 14 de março de 2013
Castro Alves
Quebre-se o cetro do Papa,
Faça-se dele - uma cruz!
A púrpura sirva ao povo
Pra cobrir os ombros nus,
Que aos gritos do Niagara
- Sem escravos, - Guanabara
Se eleve ao fulgor dos sóis!
Banhem-se em luz os prostíbulos,
E das lascas dos patíbulos
Erga-se a estátua aos heróis!
"O Século", Castro Alves
(Castro Alves - Poeta dos Escravos - nasceu no dia 14 de Março de 1847. Morreu em 1871. Tinha 24 anos.)
Faça-se dele - uma cruz!
A púrpura sirva ao povo
Pra cobrir os ombros nus,
Que aos gritos do Niagara
- Sem escravos, - Guanabara
Se eleve ao fulgor dos sóis!
Banhem-se em luz os prostíbulos,
E das lascas dos patíbulos
Erga-se a estátua aos heróis!
"O Século", Castro Alves
(Castro Alves - Poeta dos Escravos - nasceu no dia 14 de Março de 1847. Morreu em 1871. Tinha 24 anos.)
quarta-feira, 13 de março de 2013
Lições de História 3: Egas Moniz
Egas Moniz sempre gostou de fazer a cabeça dos outros. Começou com o pequeno Afonso Henriques e deu-se mal. Depois generalizou e deram-lhe um Nobel. Ultimamente querem tirar-lho, por causa do abuso.
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terça-feira, 12 de março de 2013
EDP, a cínica
Foto Hernâni Von Doellinger |
Diógenes, o Cínico, morava num tonel e andava pelas ruas de candeia acesa em pleno dia. "Procuro um homem", dizia. Um. Para além disso, consta que se masturbava em público.
Já a EDP, não compreendo a que propósito mantém a iluminação ligada até pelo menos ao meio-dia no selecto quarteirão de Pêro de Alenquer, Molhe e Sá de Albergaria, no Porto. Desde a passada sexta-feira. E a EDP "não sabia". Ficou a saber com o telefonema de há bocado e agora... vai ver.
Realmente. A poupança em Portugal é uma coisa muito relativa. E, quando não é rapar directamente do bolso dos pobres, então a poupança é uma treta. Pode até ser desperdício.
Foto Hernâni Von Doellinger |
Raul Brandão
Desde que se cumpram certas cerimónias ou se respeitem certas fórmulas, consegue-se ser ladrão e escrupulosamente honesto - tudo ao mesmo tempo. A honradez deste homem assenta sobre uma primitiva infâmia. O interesse e a religião, a ganância e o escrúpulo, a honra e o interesse, podem viver na mesma casa, separados por tabiques. Agora é a vez da honra - agora é a vez do dinheiro - agora é a vez da religião. Tudo se acomoda, outras coisas heterogéneas se acomodam ainda. Com um bocado de jeito arranja-se-lhes sempre lugar nas almas bem formadas.
"Húmus", Raul Brandão
(Raul Brandão nasceu no dia 12 de Março de 1867. Morreu em 1930.)
"Húmus", Raul Brandão
(Raul Brandão nasceu no dia 12 de Março de 1867. Morreu em 1930.)
segunda-feira, 11 de março de 2013
domingo, 10 de março de 2013
Cavaco, herbívoro e ruminante
Cavaco Silva "é herbívoro", disse Marcelo na televisão. Com efeito. Cavaco é herbívoro e ruminante, está provado nos prefácios. É isso e muito mais. Só não é Presidente da República.
Minha varanda, meu castelo
No prédio onde eu moro, o meu apartamento é o único que não tem marquise ou paramarquise na varanda. Dá nas vistas, é verdade, destoa, e todos os dias tenho a caixa de correio assediada por uns quantos panfletos em quadricromia e papel couché que me oferecem o sufoco a xis euros o metro quadrado. Muito agradecido, mas passo: a varanda faz-me falta tal qual está.
Gosto de correntes de ar, que hei-de fazer? Gosto de terra e gosto de mar. E gosto de levar com a terra e com o mar nas ventas. Gosto dos cheiros. Gosto de pensar (ou de pensar que penso), gosto de refrescar ideias. A minha varanda é o meu retiro. E é o meu quintal, a minha esplanada, o meu posto de vigia. Gosto de semear, de regar os vasos, de espreitar o nanocrescimento dos coentros, da salsa e do tomilho, gosto de fumar a minha cachimbada e beber o meu CRF "em balão previamente aquecido", gosto de ver passar navios. Condenaram-me a isso, a ver navios, mas eu gosto. Sou um gajo cheio de sorte.
Estão a ver a cabeça daquele cromo assamarrado e de chapéu enfiado até às orelhas, sentado na varanda, ignorante da chuva e do frio, de braço de fora, cachimbando e olhando o mar? A cabeça é minha, o cromo sou eu. Não podem ver, mas tenho uma manta a agasalhar-me as pernas. Estou muito bem, não se preocupem.
E estão a ver a gaivota, empoleirada no parapeito e quase em cima de mim? É a tal, a cagona que não me larga. A gaivota também sabe que ali é santuário, lugar de pensamento e liberdade. Somos cúmplices, praticamente almas gémeas. Mas a gaivota abusa, caga na varanda propriamente dita, o que enfurece a minha mulher. Eu, enquanto tomo nota de mais um barco que entra no Porto de Leixões, limito-me a cagar no António Borges.
Gosto de correntes de ar, que hei-de fazer? Gosto de terra e gosto de mar. E gosto de levar com a terra e com o mar nas ventas. Gosto dos cheiros. Gosto de pensar (ou de pensar que penso), gosto de refrescar ideias. A minha varanda é o meu retiro. E é o meu quintal, a minha esplanada, o meu posto de vigia. Gosto de semear, de regar os vasos, de espreitar o nanocrescimento dos coentros, da salsa e do tomilho, gosto de fumar a minha cachimbada e beber o meu CRF "em balão previamente aquecido", gosto de ver passar navios. Condenaram-me a isso, a ver navios, mas eu gosto. Sou um gajo cheio de sorte.
Estão a ver a cabeça daquele cromo assamarrado e de chapéu enfiado até às orelhas, sentado na varanda, ignorante da chuva e do frio, de braço de fora, cachimbando e olhando o mar? A cabeça é minha, o cromo sou eu. Não podem ver, mas tenho uma manta a agasalhar-me as pernas. Estou muito bem, não se preocupem.
E estão a ver a gaivota, empoleirada no parapeito e quase em cima de mim? É a tal, a cagona que não me larga. A gaivota também sabe que ali é santuário, lugar de pensamento e liberdade. Somos cúmplices, praticamente almas gémeas. Mas a gaivota abusa, caga na varanda propriamente dita, o que enfurece a minha mulher. Eu, enquanto tomo nota de mais um barco que entra no Porto de Leixões, limito-me a cagar no António Borges.
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sábado, 9 de março de 2013
Deixem o Espírito Santo em paz
O conclave para a escolha do novo Papa começa na próxima terça-feira, dia 12 de Março. A Capela Sistina está a ser preparada a todo o vapor e duas salamandras. Lá dentro, fechados à chave, o lóbi italiano, o lóbi canadiano, o lóbi americano, o lóbi alemão, o lóbi austríaco, o lóbi francês, o lóbi brasileiro, o lóbi sul-americano, o lóbi africano, o lóbi africanista, o lóbi banqueiro, o lóbi dos velhos, o lóbi dos "novos", o lóbi "conservador", o lóbi "renovador", o lóbi do silêncio, o lóbi "garganta funda", o lóbi gay e outros insondáveis lóbis vão negociar o nome do sucessor de Bento XVI. A feira do costume. Depois não digam que a culpa foi do Espírito Santo.
sexta-feira, 8 de março de 2013
A falta de ar é opcional
As pessoas vivem fechadas em caixotes. Em caixinhas dentro de caixotes. E cada caixinha tem um respiradouro chamado varanda. E as pessoas fazem marquises.
quinta-feira, 7 de março de 2013
O meu Minho 8
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quarta-feira, 6 de março de 2013
Os piores bolinhos de bacalhau do mundo
são num pequeno café, em Penafiel. Três mesas, dois jornais, um balcão sumário e a simpatia imensa do dono. Os bolinhos são tão maus, tão maus, que nunca falho quando por lá passo a horas de aperitivar. Meto o pé no degrau da entrada e sai logo meia dúzia de pedras de gelo directamente da arca frigorífica para a fritadeira de óleo cansado, que é "Para o senhor, para serem fresquinhos". Agradeço a deferência e reservo-me. Cinco minutos, não mais. As pedras de gelo vêm para a mesa a ferver e a pingar, agora em forma aparentada com a dos verdadeiros bolinhos de bacalhau, queimam-me a boca e antes assim, que enganam o paladar. Não sabem ao bacalhau que não têm, mas também não sabem à batata que são só. Escangalham-se ao toque. São maravilhosamente intragáveis e eu como-os. Já disse: o patrão é gente boa e tem três mesas e dois jornais no estabelecimento. Sei dar valor às coisas verdadeiramente importantes. Para apagar o incêndio, bebo uma taça de um obscuro vinho branco de cápsula que sabe a remédio mas não faz bem.
A minha mulher e eu descobrimos o cafezinho por acaso e já lá levei três ou quatro amigos. Para provarem "os piores bolinhos de bacalhau do mundo", é o que lhes prometo, e os amigos depois concordam. Aqueles bolinhos nunca me deixaram ficar mal. Merecem um prémio.
Até porque nos abrem horizontes. A seguir, íamos à Pita Arisca, em Lousada, comer o melhor cabrito do mundo.
A minha mulher e eu descobrimos o cafezinho por acaso e já lá levei três ou quatro amigos. Para provarem "os piores bolinhos de bacalhau do mundo", é o que lhes prometo, e os amigos depois concordam. Aqueles bolinhos nunca me deixaram ficar mal. Merecem um prémio.
Até porque nos abrem horizontes. A seguir, íamos à Pita Arisca, em Lousada, comer o melhor cabrito do mundo.
terça-feira, 5 de março de 2013
Os bolinhos da Albertininha da Lameira
Os melhores bolinhos de bacalhau do mundo eram os da Albertininha da Lameira, em Fafe. Contava a lenda que eram moldados no sovaco da prendada cozinheira, o que lhes emprestaria aquele gosto tão peculiar. A vila antiga dava-se muito a estas lendas: dizia-se também, por exemplo, que os tremoços da Marrequinha da Recta eram a especialidade que eram porque a boa senhora lhes mijava.
A verdade é esta: ainda cheguei a ver a Albertininha, numa tarde de sábado, a fazer a massa dos famosos bolinhos, de alguidar entre as pernas, junto ao fogo da lareira, mas a história do sovaco enformador era uma treta - isso posso jurar, e tive pena.
Os bolinhos do Manel do Campo também eram de se lhes tirar o chapéu. E, de um modo geral, as pensões e os tascos de Fafe faziam gala de confeccionar e servir um produto, como agora se diz, fiel às origens e de altíssima qualidade. Esta tradição local mantém-se, em sítios como, veio-me agora a ideia à boca, o Fernando da Sede (Adega Popular). Os bolinhos de bacalhau com salada de feijão-fradinho e arroz do Fernando surpreendem e encantam os visitantes, e, para os da terra, são uma esplêndida entrada para a vitelinha que há-de vir. Mas isso, nos tempos que correm, é já refeição a pedir uma segunda hipoteca da casa.
É. Os bolinhos "de morrer por mais" são no Minho - bem o sabia mestre Aquilino. Em Fafe, é claro, mas também no Manuel Padeiro e no Gaio, em Ponte de Lima e em dias sim, ou no Conselheiro, em Paredes de Coura, sempre. Em sítios assim, que os há bons e tantos.
Parece-me tolice, portanto, criar uma task force de "especialistas" e simpatizantes, como fez o jornal Público, para provar bolinhos de bacalhau comprados em pastelarias e cafés de Lisboa e do Porto. Ainda por cima, os lisboetas chamam "pastéis de bacalhau" aos bolinhos de bacalhau. (É como os franceses chamarem "fromage" a uma coisa que toda a gente sabe que é queijo). Só podia dar merda e deu. Já se sabia. Já deviam saber. Qual era a ideia? E tomem nota os doutos paineleiros: o resultado seria o mesmo se mandassem vir arroz de grelos, pastelões de petinga, pataniscas ou caldo de nabos. Os cafés e as pastelarias do Porto e de Lisboa não são para esses preparos, estão a perceber? Vá lá, o caldo de nabos... talvez.
A verdade é esta: ainda cheguei a ver a Albertininha, numa tarde de sábado, a fazer a massa dos famosos bolinhos, de alguidar entre as pernas, junto ao fogo da lareira, mas a história do sovaco enformador era uma treta - isso posso jurar, e tive pena.
Os bolinhos do Manel do Campo também eram de se lhes tirar o chapéu. E, de um modo geral, as pensões e os tascos de Fafe faziam gala de confeccionar e servir um produto, como agora se diz, fiel às origens e de altíssima qualidade. Esta tradição local mantém-se, em sítios como, veio-me agora a ideia à boca, o Fernando da Sede (Adega Popular). Os bolinhos de bacalhau com salada de feijão-fradinho e arroz do Fernando surpreendem e encantam os visitantes, e, para os da terra, são uma esplêndida entrada para a vitelinha que há-de vir. Mas isso, nos tempos que correm, é já refeição a pedir uma segunda hipoteca da casa.
É. Os bolinhos "de morrer por mais" são no Minho - bem o sabia mestre Aquilino. Em Fafe, é claro, mas também no Manuel Padeiro e no Gaio, em Ponte de Lima e em dias sim, ou no Conselheiro, em Paredes de Coura, sempre. Em sítios assim, que os há bons e tantos.
Parece-me tolice, portanto, criar uma task force de "especialistas" e simpatizantes, como fez o jornal Público, para provar bolinhos de bacalhau comprados em pastelarias e cafés de Lisboa e do Porto. Ainda por cima, os lisboetas chamam "pastéis de bacalhau" aos bolinhos de bacalhau. (É como os franceses chamarem "fromage" a uma coisa que toda a gente sabe que é queijo). Só podia dar merda e deu. Já se sabia. Já deviam saber. Qual era a ideia? E tomem nota os doutos paineleiros: o resultado seria o mesmo se mandassem vir arroz de grelos, pastelões de petinga, pataniscas ou caldo de nabos. Os cafés e as pastelarias do Porto e de Lisboa não são para esses preparos, estão a perceber? Vá lá, o caldo de nabos... talvez.
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Patativa do Assaré
Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabaio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mio.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.
Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça,
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
Só canto o buliço da vida apertada,
Da liga pesada, das roça e dos eito
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.
Eu canto o cabôco com suas caçada,
Na noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.
Eu canto o vaquêro vestido de côro,
Brigando com o tôro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.
Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.
E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.
"O Poeta da Roça", Patativa do Assaré
(Antônio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu no dia 5 de Março de 1909. Morreu em 2002.)
Trabaio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mio.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.
Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça,
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
Só canto o buliço da vida apertada,
Da liga pesada, das roça e dos eito
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.
Eu canto o cabôco com suas caçada,
Na noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.
Eu canto o vaquêro vestido de côro,
Brigando com o tôro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.
Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.
E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.
"O Poeta da Roça", Patativa do Assaré
(Antônio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu no dia 5 de Março de 1909. Morreu em 2002.)
segunda-feira, 4 de março de 2013
domingo, 3 de março de 2013
A problemática dos bolinhos de bacalhau
"Dois painéis de jornalistas do Público e especialistas em gastronomia", um painel em Lisboa e outro painel no Porto, "reuniram-se" para provar bolinhos de bacalhau (pastéis de bacalhau, para quem lê na capital) comprados fresquinhos "em diferentes pastelarias nas duas cidades". Diz o jornal que foi uma desilusão: as amostras recolhidas eram todas incompetentes - embora, é preciso que se note, não padecessem de carne de cavalo.
Mas de que é que estavam à espera os ilustres paineleiros? Bolinhos de bacalhau em Lisboa e no Porto? E de pastelarias e cafés, percebi bem? Panikes e croissants com chocolate, isso é que os dois comités de sábios deviam ter provado.
(Ler mais em Os bolinhos da Albertininha da Lameira)
Mas de que é que estavam à espera os ilustres paineleiros? Bolinhos de bacalhau em Lisboa e no Porto? E de pastelarias e cafés, percebi bem? Panikes e croissants com chocolate, isso é que os dois comités de sábios deviam ter provado.
(Ler mais em Os bolinhos da Albertininha da Lameira)
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Bulhão Pato
José Augusto Galache, sem jactâncias nem farroncas, era um rapaz que
não tinha medo do diabo à meia-noite. Agora lá está na sua propriedade
do Freixo, ao pé de Vale de Lobos, tratando da sua lavoira, beijando a
terra para manter as forças, sempre jovial e gentil-homem. A bravura e
galhardia do cabo de forcados nas toiradas de amadores no Campo de
Santana foi tal que ainda hoje corre na lenda entre os novos.
Um dia, em Dezembro, véspera de Nossa Senhora da Conceição, embarcámos, noite cerrada ainda, com Lourenço e seus dois filhos mais velhos. Tempo seco, sem vento, e intensamente frio; a geada caía em carambinas. Proa ao Torrão. Lourenço da Pinha, expansivo, animava os filhos:
– Vamos, rapazes, de voga arrancada, que é para aquecer.
Havia águas de monte e o barco, mal clareando, abicou defronte da Quinta do Miranda.
Os dois rapazes acompanharam-nos, e o pai ficou guardando o barco à nossa espera. Os terrenos planos e à beira-mar do Juncal eram lenteiros, enchabocados, como dizem os homens do campo e os caçadores. Nós tínhamos dois cães soberbos: o Black de José Augusto e o meu Faliero. Ambos muito bem parados, cobrando de ferido, e trazendo à mão toda a espécie de caça. Depois do ímpeto da primeira batida sentámo-nos num medão de areia, acudimos ao almoço, que vinha nas redes, e matámos a fome. Engolfámo-nos Juncal dentro. Quando demos por nós estávamos muito adiante das barracas da Costa.
O estômago não tinha a mais leve memória do almoço; a ambição de caçar no dia seguinte não nos mordia menos de que o apetite voraz. Resolvemos ficar; mas ficar aonde e comer o quê? À sorte.
"Memórias", Bulhão Pato
(Raimundo António de Bulhão Pato nasceu no dia 3 de Março de 1828. Morreu em 1912.)
Um dia, em Dezembro, véspera de Nossa Senhora da Conceição, embarcámos, noite cerrada ainda, com Lourenço e seus dois filhos mais velhos. Tempo seco, sem vento, e intensamente frio; a geada caía em carambinas. Proa ao Torrão. Lourenço da Pinha, expansivo, animava os filhos:
– Vamos, rapazes, de voga arrancada, que é para aquecer.
Havia águas de monte e o barco, mal clareando, abicou defronte da Quinta do Miranda.
Os dois rapazes acompanharam-nos, e o pai ficou guardando o barco à nossa espera. Os terrenos planos e à beira-mar do Juncal eram lenteiros, enchabocados, como dizem os homens do campo e os caçadores. Nós tínhamos dois cães soberbos: o Black de José Augusto e o meu Faliero. Ambos muito bem parados, cobrando de ferido, e trazendo à mão toda a espécie de caça. Depois do ímpeto da primeira batida sentámo-nos num medão de areia, acudimos ao almoço, que vinha nas redes, e matámos a fome. Engolfámo-nos Juncal dentro. Quando demos por nós estávamos muito adiante das barracas da Costa.
O estômago não tinha a mais leve memória do almoço; a ambição de caçar no dia seguinte não nos mordia menos de que o apetite voraz. Resolvemos ficar; mas ficar aonde e comer o quê? À sorte.
"Memórias", Bulhão Pato
(Raimundo António de Bulhão Pato nasceu no dia 3 de Março de 1828. Morreu em 1912.)
sábado, 2 de março de 2013
sexta-feira, 1 de março de 2013
Rudolfo, o reno de Passos Coelho
Fiquei a saber hoje que o alegado primeiro-ministro de Portugal tem um "assessor económico" chamado Rudolfo Rebelo. E parece que o Rudolfo é danado para a brincadeira. Anda no Facebook a ver se se avia como os demais e, entre uma e outra, resolveu gozar com a carta que o patarata do António José Seguro mandou ao FMI. O Rudolfo inventou a resposta da Cristine Lagarde e é só rir, é só rir, é só rir - como se pode ler no Público.
Não frequento o Facebook. Mas acredito que, nesta onda galhofeira lançada pelo homem que devia ser de respeito, já algum "amigo" lhe terá respondido: "Aos Rebelos, é vê-los e fodê-los". Ou, parafraseando as imortais palavras do filósofo Viegas: "Ó Rudolfo, porque é que não vais tomar no co?" Mas isto somos nós todos na risota. Que é para o que está, não é?
Não frequento o Facebook. Mas acredito que, nesta onda galhofeira lançada pelo homem que devia ser de respeito, já algum "amigo" lhe terá respondido: "Aos Rebelos, é vê-los e fodê-los". Ou, parafraseando as imortais palavras do filósofo Viegas: "Ó Rudolfo, porque é que não vais tomar no co?" Mas isto somos nós todos na risota. Que é para o que está, não é?
Enviado especial a Guimarães
Em 1986, a Pousada de Santa Marinha, na Costa, em Guimarães, recebeu a terceira edição de uma coisa chamada Cimeira Luso-Espanhola. Aníbal Cavaco Silva era o primeiro-ministro de Portugal, Felipe González era o presidente do Governo espanhol e eu era jornalista de O Primeiro de Janeiro. Estivemos lá os três.
Tarde e a más horas, o meu jornal lembrou-se de me mandar para o local do crime. Tarde e a más horas quero dizer, no caso em apreço, já depois de a coisa ter começado. E eu fui todo contente, de braço de fora na catrel com letras, pendurado no Adélio Santos, que era o homem das fotografias e outras habilidades. Eu tinha muita vaidade na minha profissão.
Consegui credenciar-me, com alguns empenhos e uma sorte do caraças, numa esquina do Toural, que, tenho ideia, era posto de turismo mas tratava do assunto. Cheguei lá acima engatilhadíssimo para colocar umas certas e determinadas questões tanto ao Silva como ao González, que os havia de foder, porém mandaram-me para uma sacristia que era a "sala de imprensa" ibérica. Ficámos lá todos de quarentena a contar anedotas uns aos outros, anedotas de espanhóis e portugueses, "Vale, vale", "Já me tinhas dito". Os jornalistas somos uns gajos com piada. Somos piadéticos sem fronteiras.
A cimeira eram dois dias. Escrevi um primeiro texto, de lançamento da coisa, na véspera da coisa, ainda na redacção, e assinei, com grande lata, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". Creio que na altura era "enviado-especial" que se usava, com hífen, o que dada uma maior cagança à função. Não fui corrigido por quem devia ter tarimba e mais juízo do que eu - portanto estava certo. É preciso que se note: era a minha primeira saída para o "estrangeiro" e, como estão recordados, eu tinha muita vaidade na profissão. Vai daí, fiz as malas e parti da portuense Rua de Santa Catarina rumo ao fim do mundo, onde cheguei passado um bocado.
Naqueles bons velhos tempos, as pernoitas eram pagas e eu fui dormir a Fafe (eu sou de Fafe). Eu estava para fora, era enviado-especial, estão a perceber? O Adélio é que que não concordava comigo e veio dormir a casa, que lhe dava mais jeito.
Da cimeira, enquanto lá estive, só soube os recados que os chegamissos do Cavaco nos traziam de vez em quando, que a coisa estava atrasada e que "Eles" estavam a discutir isto e aquilo, tudo a correr muito bem para o nosso lado, Portugal 5-Espanha 3. A "Eles" só os vi na conferência de imprensa final. E na verdade nem os vi, estava muita gente à minha frente, mesmo sendo "Eles" maiúsculos. E também não os ouvi, mas isso a camaradagem resolveu. E eu voltei a assinar, com grande gabarito e por mais três ou quatro vezes, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". E voltou a sair assim no jornal.
Resumindo e concluindo: a Cimeira Luso-Espanhola de Guimarães foi um sucesso e a cobertura do enviado-especial de O Primeiro de Janeiro também. O meu amigo Adélio Santos morreu fez ontem um ano. E já se comia qualquer coisinha.
Tarde e a más horas, o meu jornal lembrou-se de me mandar para o local do crime. Tarde e a más horas quero dizer, no caso em apreço, já depois de a coisa ter começado. E eu fui todo contente, de braço de fora na catrel com letras, pendurado no Adélio Santos, que era o homem das fotografias e outras habilidades. Eu tinha muita vaidade na minha profissão.
Consegui credenciar-me, com alguns empenhos e uma sorte do caraças, numa esquina do Toural, que, tenho ideia, era posto de turismo mas tratava do assunto. Cheguei lá acima engatilhadíssimo para colocar umas certas e determinadas questões tanto ao Silva como ao González, que os havia de foder, porém mandaram-me para uma sacristia que era a "sala de imprensa" ibérica. Ficámos lá todos de quarentena a contar anedotas uns aos outros, anedotas de espanhóis e portugueses, "Vale, vale", "Já me tinhas dito". Os jornalistas somos uns gajos com piada. Somos piadéticos sem fronteiras.
A cimeira eram dois dias. Escrevi um primeiro texto, de lançamento da coisa, na véspera da coisa, ainda na redacção, e assinei, com grande lata, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". Creio que na altura era "enviado-especial" que se usava, com hífen, o que dada uma maior cagança à função. Não fui corrigido por quem devia ter tarimba e mais juízo do que eu - portanto estava certo. É preciso que se note: era a minha primeira saída para o "estrangeiro" e, como estão recordados, eu tinha muita vaidade na profissão. Vai daí, fiz as malas e parti da portuense Rua de Santa Catarina rumo ao fim do mundo, onde cheguei passado um bocado.
Naqueles bons velhos tempos, as pernoitas eram pagas e eu fui dormir a Fafe (eu sou de Fafe). Eu estava para fora, era enviado-especial, estão a perceber? O Adélio é que que não concordava comigo e veio dormir a casa, que lhe dava mais jeito.
Da cimeira, enquanto lá estive, só soube os recados que os chegamissos do Cavaco nos traziam de vez em quando, que a coisa estava atrasada e que "Eles" estavam a discutir isto e aquilo, tudo a correr muito bem para o nosso lado, Portugal 5-Espanha 3. A "Eles" só os vi na conferência de imprensa final. E na verdade nem os vi, estava muita gente à minha frente, mesmo sendo "Eles" maiúsculos. E também não os ouvi, mas isso a camaradagem resolveu. E eu voltei a assinar, com grande gabarito e por mais três ou quatro vezes, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". E voltou a sair assim no jornal.
Resumindo e concluindo: a Cimeira Luso-Espanhola de Guimarães foi um sucesso e a cobertura do enviado-especial de O Primeiro de Janeiro também. O meu amigo Adélio Santos morreu fez ontem um ano. E já se comia qualquer coisinha.
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