Em 1986, a Pousada de Santa Marinha, na Costa, em Guimarães, recebeu a terceira edição de uma coisa chamada Cimeira Luso-Espanhola. Aníbal Cavaco Silva era o primeiro-ministro de Portugal, Felipe González era o presidente do Governo espanhol e eu era jornalista de O Primeiro de Janeiro. Estivemos lá os três.
Tarde e a más horas, o meu jornal lembrou-se de me mandar para o local do crime. Tarde e a más horas quero dizer, no caso em apreço, já depois de a coisa ter começado. E eu fui todo contente, de braço de fora na catrel com letras, pendurado no Adélio Santos, que era o homem das fotografias e outras habilidades. Eu tinha muita vaidade na minha profissão.
Consegui credenciar-me, com alguns empenhos e uma sorte do caraças, numa esquina do Toural, que, tenho ideia, era posto de turismo mas tratava do assunto. Cheguei lá acima engatilhadíssimo para colocar umas certas e determinadas questões tanto ao Silva como ao González, que os havia de foder, porém mandaram-me para uma sacristia que era a "sala de imprensa" ibérica. Ficámos lá todos de quarentena a contar anedotas uns aos outros, anedotas de espanhóis e portugueses, "Vale, vale", "Já me tinhas dito". Os jornalistas somos uns gajos com piada. Somos piadéticos sem fronteiras.
A cimeira eram dois dias. Escrevi um primeiro texto, de lançamento da coisa, na véspera da coisa, ainda na redacção, e assinei, com grande lata, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". Creio que na altura era "enviado-especial" que se usava, com hífen, o que dada uma maior cagança à função. Não fui corrigido por quem devia ter tarimba e mais juízo do que eu - portanto estava certo. É preciso que se note: era a minha primeira saída para o "estrangeiro" e, como estão recordados, eu tinha muita vaidade na profissão. Vai daí, fiz as malas e parti da portuense Rua de Santa Catarina rumo ao fim do mundo, onde cheguei passado um bocado.
Naqueles bons velhos tempos, as pernoitas eram pagas e eu fui dormir a Fafe (eu sou de Fafe). Eu estava para fora, era enviado-especial, estão a perceber? O Adélio é que que não concordava comigo e veio dormir a casa, que lhe dava mais jeito.
Da cimeira, enquanto lá estive, só soube os recados que os chegamissos do Cavaco nos traziam de vez em quando, que a coisa estava atrasada e que "Eles" estavam a discutir isto e aquilo, tudo a correr muito bem para o nosso lado, Portugal 5-Espanha 3. A "Eles" só os vi na conferência de imprensa final. E na verdade nem os vi, estava muita gente à minha frente, mesmo sendo "Eles" maiúsculos. E também não os ouvi, mas isso a camaradagem resolveu. E eu voltei a assinar, com grande gabarito e por mais três ou quatro vezes, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". E voltou a sair assim no jornal.
Resumindo e concluindo: a Cimeira Luso-Espanhola de Guimarães foi um sucesso e a cobertura do enviado-especial de O Primeiro de Janeiro também. O meu amigo Adélio Santos morreu fez ontem um ano. E já se comia qualquer coisinha.
Umas fanequinhas muito fresquinhas.
ResponderEliminarJvD
O Adélio era mais carne, muita. Mas, sim, por mim iam umas fanequinhas muito fresquinhas. As fanecas, como diz o Lopes, são um um peixinho muito honesto.
EliminarE se há alguém que percebe de fanecas, é o Lopes.
EliminarJvD
Em tua honra, do Adélio e também dos tempos do Janeiral acho que se bebia era qualquer coisa. Tchim, tchim!
ResponderEliminarGrande abraço,
P.
Grande abraço, amigo P., grande abraço.
EliminarTambém estive nessa "coisa" mas ao serviço de " A CAPITAL". O condutor era o saudoso Pinto, grande companheiro, (ensinou-me o caminho para todas as tascas daqui até Espanha, algumas por caminhos de cabras). Só não me lembro do redactor que foi comigo... como era para trabalhar talvez tenha sido o saudoso Alfredo Mourão, porque se fosse para meter os pés debaixo da mesa, lá teria de ir o chefe Mário Alexandre.
ResponderEliminarMas como sempre, o teu texto é fabuloso! Mas fabulosos é coisa que actualmente não interessa nada.
O saudoso Adélio era um bom companheiro nestas jornadas, e, "um bifinho com batatas fritas calhava mesmo bem agora".
G.J.