O sentimento poético está mais vivo e puro nas almas habituadas às harmonias campestres do que em nós, os habitantes das grandes cidades: é por isso que os camponeses acendem no estio as fogueiras festivas, usança que, como todos sabem, ofende o nosso profundíssimo e estupidíssimo senso-comum. Eu, por mim, que graças a Deus não tenho a honra de pertencer à classe desses que lidam, contentes de si, por se bambolearem no vértice da animalidade pura e que se chamam homens da vida positiva, digo que, por mais ardente que vá o estio, amo uma fogueira no arraial em véspera de festa, e aquele estourar e chispar dos foguetes que roçam rápidos pelo manto escuro da noite. Sei também que o consumir-se pólvora em esbombardear cidades e em alastrar de cadáveres um campo de batalha é coisa muito mais filosófica e sisuda do que desbaratá-la nas festividades supersticiosas do povo. Mas nem todos podemos ser filósofos, e eu tenho queda particular para a superstição.
E que quereis? O catolicismo é jovial: o seu culto, como o vulgo o entende, é ruidoso e risonho e brilhante e atractivo e sociável, e por isso debalde trabalharíeis para arrancá-lo ao povo, que vive e morre no meio do trabalho, dos cuidados, das privações. O domingo, o dia santo, o orago da paróquia são os seus dias de contentamento e repouso. Abençoado quem inventou os oragos! Pois as invocações da Virgem, e a advocacia dos santos?! Mil vezes bendito quem os multiplicou!
"O Pároco da Aldeia" ("Lendas e Narrativas"), Alexandre Herculano
(Alexandre Herculano nasceu no dia 28 de Março de 1810. Morreu em 1877.)
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