E ficou pensando na sua espinhosa situação. Deviam de ocorrer-lhe ideias aflitivas que os romancistas raras vezes atribuem aos seus heróis. Nos romances todas as crises se explicam, menos a crise ignóbil da falta de dinheiro. Entendem os novelistas que a matéria é baixa e plebeia. O estilo vai de má vontade para coisas rasas. Balzac fala muito em dinheiro; mas dinheiro a milhões. Não conheço, nos cinquenta livros que tenho dele, um galã num entreacto da sua tragédia a cismar no modo de arranjar uma quantia com que pague ao alfaiate, ou se desembarace das redes que um usurário lhe lança, desde a casa do juiz de paz a todas as esquinas, donde o assaltam o capital e juro de oitenta por cento. Disto é que os mestres em romance se escapam sempre. Bem sabem eles que o interesse do leitor se gela a passo igual que o herói se encolhe nas proporções destes heroizinhos de botequim, de quem o leitor dinheiroso foge por instinto, e o outro foge também, porque não tem que fazer com ele. A coisa é vilmente prosaica, de todo o meu coração o confesso.
"Amor de Perdição", Camilo Castelo Branco
(Camilo Castelo Branco nasceu no dia 16 de Março de 1825. Morreu em 1890.)
"Ora eu vou contar. Há-de haver dez anos que eu fui ao Porto para contratar o meu casamento com o pai de uma menina, que, não desfazendo em ninguém que me ouve, tinha um palmo de cara que se podia ver; tocava realejo, e dançava o sólio inglês e a gaivota, que eram poucos os olhos da cara p'ra verem. Deu-me no goto a moça, e resolvi casar-me. É verdade que lá no Porto diziam que o pai fazia em casa o dinheiro que lhe era preciso para os seus gastos; mas isso que tinha?! Fazer dinheiro é um modo de vida que não me consta que desfizesse casamento em parte nenhuma... Pelo contrário, meu mano frade diz que tem feito muitos."
ResponderEliminarCamilo Castelo Branco, in "O Morgado de Fafe em Lisboa"
Beijo
Guida
Obrigado, Guidinha. Beijinho.
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