Foto Hernâni Von Doellinger |
segunda-feira, 31 de janeiro de 2022
Mais logo afocinharemos!
Mas os gafanhotos. Os gafanhotos eram absolutamente essenciais, alimentavam heróis em construção, forjavam homens de aço, oleavam máquinas de guerra que haveríamos de ser. Eram, repito, absolutamente essenciais, naturalmente curriculares. Os gafanhotos e a pancada.
Assim eram os Comandos, tropa dita de elite para onde não fui voluntário, é preciso que se note. "Mais logo afocinharemos!", ameaçava o tenente por tudo e por nada, só porque lhe apetecia. E afocinhávamos. Passávamos a vida a afocinhar. Havia um cuidado muito grande com a nossa alimentação. Por vontade de quem mandava, nós, os desprezíveis instruendos, estaríamos sempre a comer, às mãos desabridas de sargentos e cabos com idade para serem coronéis, com poderes de general, práticas de verdugos descontrolados e tremendas saudades ultramarinas. Consta que, mais quarenta anos passados, os Comandos ainda são assim. E que às vezes "as coisas correm mal". Há mortes, mesmo sem guerra.
Em 1978 correu mal uma aula de morteiros. Um instrutor jactante e incompetente, como se exige que sejam os instrutores, apontou para o infinito, despoletou a granada e, sem querer, deixou-a escorregar tubo abaixo. Pum! O morteiro só parou em cheio num centro comercial da Amadora, por acaso com pessoas dentro. Sei disto porque estava lá, do lado do morteiro e do instrutor palerma. E, para evitar problemas com a população, não me deixaram vir a casa nesse fim-de-semana.
Quanto aos gafanhotos, fritos e de escabeche decerto marchavam melhor. Pelo menos parece ser esse o entendimento da nossa Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, que anunciou em Junho de 2021 a autorização para a produção, comercialização e utilização na alimentação em Portugal de sete espécies de insectos - duas de gafanhotos, duas de grilos, duas de larvas e um besouro.
Naquele tempo, no meu breve tempo de Comandos, eu já tinha visto na televisão a preto e branco a série Kung Fu, com David Carradine, mas ainda não conhecia a anedota "O Mestre e o Gafanhoto", que haveria de ouvir anos mais tarde contada numa cassete pelo menestrel brasileiro Juca Chaves e que, se bem me lembro, é mais ou menos assim:
Gafanhoto, aprendiz de Shaolin, era pequenininho e perguntou ao seu velho Mestre, que era cego e sabia tudo:
- Mestre, quando é que eu me tornarei um homem?
E o Mestre respondeu-lhe:
- Gafanhoto, quando um dia você passar a mão entre as pernas e sentir duas bolas, então você será um homem. Mas quando um dia você passar a mão entre as pernas e sentir quatro bolas, não pense que é super-homem. É que tem alguém lhe enrabando...
P.S. - Este texto é tão velho como o velho mestre de kung fu. O meu gastronómico encontro com os gafanhotos desenrolou-se durante a chamada "semana maluca" dos Comandos, em que o dia é noite e a noite é dia, com horários e afazeres trocados, incluindo as refeições e a instrução, ainda por cima abrilhantada pelas famosas prova da sede, prova de choque ou prova de sobrevivência. Hoje, 31 de Janeiro, é Dia ao Contrário. Mas na boa.
domingo, 30 de janeiro de 2022
A crucha
Perguntam-me: mas afinal o que é a crucha? E eu respondo: a crucha é o coruto, o cocoruto, a cruta, o cimo, o cume, o pináculo. Quer-se dizer: a crucha é a corucha se observada e dita em Fafe. Evidentemente.
Contra os canhões
sábado, 29 de janeiro de 2022
Educado e exemplar tomador de medicações
- Temos tomado a nossa medicação? - pergunta-me ela.
- Temos, temos, senhora doutora - respondo eu, que sou uma pessoa educada e um exemplar tomador de medicações.
- Temos feito o nosso exerciciozinho diário?
- Todos os dias, senhora doutora.
- Temos moderado a nossa alimentação?
- Que remédio, senhora doutora. O dinheiro já só dá para cascas de batatas.
- Ora ainda bem. Vamos lá ver como que é temos a nossa tensão - diz-me ela.
- Vamos a isso, senhora doutora, nem é tarde nem é cedo - digo eu, tirando o casaco e arregaçando a manga da camisa.
Vimos a tensão.
- Temo-la um bocadinho alta - informa-me ela, sem esconder a preocupação.
- Um bocadinho pouco ou um bocadinho muito, senhora doutora? - pergunto eu, também já um bocadinho muito à rasca.
- Bastante, bastante. Vamos meter este comprimidozinho debaixo da língua e vamos deitar um bocadinho ali - diz-me ela.
- Vamos lá então, senhora doutora. A senhora doutora primeiro, que eu gosto de ficar por cima - digo eu, que, repito, sou uma pessoa educada e exemplar tomador de medicações.
P.S. - Publicado originalmente no dia 27 de Dezembro de 2012. A Faculdade de Medicina do Porto (chamando-se Régia Escola de Cirurgia) foi fundada no dia 29 de Janeiro de 1825.
Sonhos molhados, uns e outros
Sonhar com pessoas amigas que já morreram, falar com elas no sonho, explicam-me que é o melhor que me podia acontecer. É o pré-aviso de que está aí a rebentar-me nas mãos uma fartura de boas notícias, um mar de felicidade e saúde como o aço para mim e para os meus. O que é preciso é estar atento aos recados que os defuntos da corda me querem segredar. Isto é a regra geral, científica, embora possa parecer o horóscopo.
Não sei se esta tão conveniente interpretação dos sonhos com mortos também vale para Portugal e para vivos chamados Hernâni Von Doellinger naturais de Fafe e residentes em Matosinhos-sur-Mer. Pela miséria que me tem saído na rifa nos últimos tempos, suspeito que não, mas cá fico à espera de melhores dias.
Tenho alguma pressa, confesso, porque se uma coisa sei de certeza é que os sonhos padecem de prazo de validade. Um gajo deita-se uma noite moço e convencido de que os sonhos molhados até são um acontecimento, vá lá, engraçaaaaado..., e acorda de manhã ancião e alagado em mijo derivado à incontinência urinária. A vida é tão breve, não foi?
Entretanto, gostaria de aproveitar a oportunidade para comunicar aos meus sonhos que, uma vez que desdenho a Raspadinha, o que me convinha mesmo era o Euromilhões. O jackpot do jackpot, se fazem favor. Agora vou dormir e passo à escuta.
Por falar nisso: sonhar com algodão dizem que é muito bom para a saúde e que traz uma vida cheia de dinheiro e de felicidade. Bem empregue. É preciso ser-se mesmo muito desgraçado para sonhar com algodão. Se ainda fosse com merda...
Aflitinho, aflitinho...
Aflitíssimo, entrei no Terrace e pedi: - Por favor, dá-me licença de utilizar a casa de banho? -. Estava preparado para receber uma de duas respostas, "sim" ou "não", mas deram-me a terceira e em forma de pergunta: - Vai tomar alguma coisa? - Eu disse que beberia uma água e tornei a pedir: - Por favor, dá-me licença de utilizar a casa de banho? - Que assim sim. Utilizei então a casa de banho, isto é, mijei, fiz uma descarga de autoclismo, limpei do chão duas pingas que não souberam o caminho e lavei as mãos. Evidentemente eu poderia sair da casa de banho do Terrace e vir-me embora, mas fui tomar a água contratada. Aproveitei para explicar calmamente ao jovem e educado funcionário que um dia, quando ele for mais velho, talvez da minha idade, vai ficar tipo fodido por lhe fazerem a ele o que ele me fez a mim. O jovem e educado funcionário disse-me que é desta maneira que ali se trabalha, no Terrace, por ordens da gerência. Paguei um euro e meio pela água e estou arrependido: não sei se o dinheiro chegava, mas, em vez de beber a puta da água, devia ter comido um biju. A água pôs-me outra vez à rasca na viagem de metro da Trindade até Matosinhos. Vim a correr para casa e mijei-me pernas abaixo mal consegui abrir a porta...
O Terrace é um café situado no gaveto das ruas de Fernandes Tomás, da Trindade e do Estêvão, nas traseiras da Câmara Municipal do Porto. E tem gerência.
P.S. - Publicado originalmente no dia 20 de Outubro de 2018. Hoje, 29 de Janeiro, Portugal assinala o Dia da Incontinência Urinária. É também Dia Internacional do Hanseniano.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
O ouriço-cacheno
Perguntam-me: mas afinal o que é um ouriço-cacheno? E eu respondo: um ouriço-cacheno é um ouriço-terrestre, cientificamente chamado Erinaceus europaeus e também conhecido como porco-espinho, ouriço-cacho ou simplesmente ouriço. Quer-se dizer: um ouriço-cacheno é um ouriço-cacheiro se visto e dito em Fafe. Evidentemente.
Eles estão aqui...
A minha fornecedora de electricidade é chinesa, a minha companhia de seguros é chinesa, a minha fornecedora de água é israelo-americana, o meu banco agora também é chinês, o carro da minha mulher é germano-checo, o nosso frigorífico é italiano, a minha máquina fotográfica é japonesa, a nossa televisão é sul-coreana, a minha cadeira de trabalho é do IKEA, o meu telemóvel é finlandês, este computador é americano, os meus fósforos são suecos de marca portuguesa e produzidos no Brasil. Quer-se diz: eles sabem-me todo!
Espiões e onzeneiros
Palavra de honra, não percebo as razões de semelhante escarcéu. Mas quê, esta gente toda acha mesmo que os serviços secretos fazem o seu trabalho dentro da lei e que só daquela vez é que mijaram fora do penico? Então não faz parte dos serviços secretos andarem por dentro dos nossos telefones e computadores em geral? Mas para que é que servem os serviços de espionagem? Não é para espiar? Estavam à espera de quê? E os jornalistas não podem ser espiados? Mas podem espiar? E violar o segredo de justiça e desbundar escutas? Afinal o que é que tanto incomoda estes indignados cavalheiros: o acto de espionagem em si ou o facto de se saber dele?
São ingénuos? Não. São hipócritas.
Dados e arregaçados
quinta-feira, 27 de janeiro de 2022
A patroa de Rui Rio
Aqui há uns anos, alguns mais, durante a chatíssima presidência de Rui Rio na Câmara do Porto, os jornalistas foram chamados a acompanhar Sua Excelência numa visita à piscina municipal da Pasteleira. Decerto houvera melhoramentos, e Florbela Guedes lá estava a tomar conta. Das obras, do presidente e de nós. No decorrer da desinteressante conversa, e não me lembro a propósito de quê, Rio fez a extraordinária revelação de que não sabia nadar. Para mim, que ia pelo 24horas, já chegava. Na verdade o meu jornal tinha-me mandado lá para conferir se o cinzentão autarca portuense calçava meias da mesma cor, e de que cor, mas aquilo de não saber nadar, no pico de carreira dos Black Company e da campanha contra o afogamento das gravuras do Côa, saíra-me melhor do que a encomenda. Satisfeitos, pedimos a continha e pusemo-nos a andar sem pagar, eu mais o meu camarada da fotografia.
Ainda não tínhamos chegado à Junta de Lordelo do Ouro e já tocava o telemóvel do meu camarada da fotografia, por acaso amigo de infância de Rui Rio. Era a Florbela a dar-lhe o recado que me desse o recado que aquilo de Sua Excelência não saber nadar era a brincar, que ele uma vez até esteve quase a ser Tarzan num filme, que não era notícia, que não valia a pena, que não tinha jeito nenhum, que valha-me Deus! Eu, que também pensava que não era notícia, e confesso que nem ia escrever, resolvi então oferecer à Dra. Florbela Guedes, ex-jornalista, o mesmo tratamento que ela nos dispensava sistematicamente a nós, jornalistas, não nos atendendo sequer o telefone e fechando-nos todas as portas e janelas. Mandei-a por isso dar uma curva com os quatro piscas ligados e, em dois ou três históricos parágrafos, antológicos e imortais, denunciei ao mundo e arredores o escândalo do século - Rui Rio não sabe nadar, yo! -, que eu não sou para brincadeiras. E ia-me saindo o Pulitzer daquele ano...
O orador
- Faz discursos?
- Rezo pai-nossos.
O pregador
O pregador não iria, porém, deixar os seus créditos por mãos alheias. Compenetrado mas decidido, agarrou nas três tachas que levava na ponta da língua, sacou do martelo que trazia à cintura, e em menos de um padre-nosso já tinha consertado a estante que o sacristão escangalhara sem querer nas arrumações da missa das sete.
O primeiro pódio
Era a primeira vez que subia ao pódio. Chegou-se ao microfone e disse, pigarreando, "Chape, chape, um, dois; um, dois, três; um, dois, três, quatro, experiência." Que pena a sala estar vazia...
O número
E se fossem lamber sabão?
Foto Hernâni Von Doellinger |
Que fique registado - eu não tenho nada contra o uísque Jameson, antes pelo contrário. Aliás, se o uísque em geral não soubesse a sabão e se eu gostasse de uísque, era Jameson que beberia. E bebi durante algum tempo, por armanço puro e sem gelo.
Aqui há coisa de trinta anos estive lá, na Old Jameson Distillery, em Dublin, ou na The Jameson Experience Midleton, em Cork - isso é que já não sei precisar, porque os ares da Irlanda, pelo que percebi daquela vez, para além de fazerem muito mal ao fígado, também não são grande coisa para a memória. Mas quase que posso jurar que estive lá, e fiquei convencido. O Jameson foi o único uísque que alguma vez pedi pelo nome, mais que não fosse para ex-pli-car ao resto do balcão que eu... estive lá. Depois cheguei à idade de ganhar juízo, e ganhei. Aprendi o vinho.
(Havia o sabão azul, o sabão rosa e o sabão amarelo. O sabão azul era o sabão macaco, para lavar roupa de barba rija, o sabão rosa já naquele tempo era para peças mais delicadas e o sabão amarelo era para lavar as escadas e os soalhos, que, em muitas casas, depois eram encerados. E havia também o sabão para lamber, que eu nunca soube de que cor era nem que sabor tinha, mas era o que a minha mãe me mandava fazer, - Vai lamber sabão!, quando eu andava à roda dela a arengar conversa sem assunto.)
Posto isto, permito-me continuar inclinado a afirmar, aguardando porém comprovação laboratorial, que é com sabão de lamber que se faz uísque. Anda portanto meio mundo a lamber sabão, e era também ao que se deveriam dedicar as cabeças da STCP que têm a distinta lata de deixar colar publicidade a uísque num "ex-líbris incontornável da cidade do Porto". Do Porto - como o célebre vinho. Nem que fosse o Três Velhotes...
P.S. - Publicado originalmente no dia 11 de Abril de 2014. Hoje, 27 de Janeiro, é Dia Internacional do Vinho do Porto. Já agora: o vinhinho aí de cima chama-se apenas Velhotes, mas o povo, que percebe muito bem os desenhos, chama-lhe desde sempre Três Velhotes, e burro é quem não aproveita a abébia publicitária. Quanto a isso, porém, Cálem-te boca...
quarta-feira, 26 de janeiro de 2022
Este frio, que não há meio...
Estou como diz o povo e com razão: mais vale sol do que mal agasalhado.
Nada a declarar!
O Costa ia amiúde a África. Quatro ou cinco vezes por ano. E em cada regresso era sempre revistado e detido na fronteira do aeroporto. Sempre! Até já lhe chamavam o Costa do Marfim.
P.S. - Hoje, 26 de Janeiro, é Dia Mundial das Alfândegas.
O viagra ao poder!
Mas o máximo era conseguirmos um borguista tipo Silvio Berlusconi, o octogenário italiano que, segundo o língua-de-trapos do seu médico pessoal, ainda aqui atrasado podia "ter, sem exagero, seis relações sexuais por semana", desde que descansasse ao domingo, derivado à religião.
Um homem assim é que era bom. Alguém que se concentrasse realmente no essencial - a mulherenguice - e que, por favor, nos saísse de cima.
P.S. - Publicado originalmente no dia 27 de Junho de 2011. O magnata italiano Silvio Berlusconi anunciou a sua entrada na política no dia 26 de Janeiro de 1994.
terça-feira, 25 de janeiro de 2022
Dos Tessalonicenses aos Escalabitanos
Assim miraculosamente convertido, Paulo resolveu pôr a correspondência em ordem e desatou a escrever missivas. Para além da algumas cartas com destinatário individual, sempre para homens, que fique devidamente registado, epistolou aos Romanos, aos Coríntios, aos Gálatas, aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses, aos Tessalonicenses e eventualmente aos Hebreus. Catequizou também os Gentios, e quando eu graças a Deus descobri a Bíblia, em pequenino, julgava que os Gentios eram um povo assim como os Helvéticos ou os Teutónicos, naturais e residentes num país de que era proibido ou eventualmente pecado dizer o nome, por indecente e má figura.
E Melquisedeque? Ai o que eu gostava do nome Melquisedeque! E Ponto e Bitínia e Capadócia e Antioquia, nomes assim de perlimpimpim, de números de circo de Natal. Antioquia que me fazia sonhar aventuras das mil e uma noites, lamentando embora que São Paulo, que aqui terá pregado o seu primeiro sermão, nunca tenha mandado uma epístola na volta do correio, uma sequer para amostra, aos simpáticos e desamparados Antioquenses.
Já quanto aos sodomitas, habitantes de Sodoma, continuo a achar que ficaram com a pior parte da fama. Os gomorritas, que eram outros que tais, safaram-se, vá-se lá saber porquê, e nem constam nos dicionários. A História às vezes é muito injusta e parece-me que a Bíblia devia ter aqui uma palavra a dizer.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2022
A história exemplar do deputado Almeida
Avisado pelo jornalista que o entrevistava para a perigosidade da matéria em que estava a mexer (matéria altamente inflamável e explosiva, e que ainda lhe poderia rebentar nas mãos), o jovem deputado limitou-se a encher o peito e a declarar-se "preparado para as críticas". Mas não estava. Dois dias depois, o deputado Almeida foi humilhado pelo seu próprio grupo parlamentar e obrigado a fazer um lamentável pedido de desculpas. Os colegas de bancada fizeram dele gato-sapato. E, para a humilhação ser completa, o puxão de orelhas colectivo, que até foi privado, saiu imediatamente para os jornais.
Ficou a saber-se que o jovem André Almeida se defendeu dizendo que as suas declarações tinham sido "irreflectidas" e que pediu formalmente desculpas aos seus indignados companheiros de carteira. Mas nem esta triste figura bastou ao inquisidor-mor Agostinho Branquinho, um dos falcões do velho PSD, que insistiu no enxovalho, argumentando que o pedido de desculpas não era suficiente para fazer desaparecer os danos entretanto causados. Nesse dia André Almeida já não atendeu o telefone do 24horas.
Quanto aos "danos" apontados à reguado por Branquinho, esse inapagável farol da deontologia social-democrata, foram sendo meticulosamente reparados. De oitavo na lista de candidatos do PSD por Aveiro às Legislativas de 2005, André Almeida desceu para décimo em 2009 e para décimo primeiro em 2011. Isto é: nunca mais sentou o cu na Assembleia. André virou-se então para a política local e foi líder da concelhia do PSD de Arouca, lugar a que não se recandidatou, alegando "razões profissionais, familiares e pessoais". Suponho que André Almeida abandonou definitivamente a política por volta de 2015, para se dedicar a coisas sérias e a uma vida útil e honesta: é dentista, se não me engano.
domingo, 23 de janeiro de 2022
Viva a liberdade! Abaixo as cuecas!
Nas mãos de Agustina
Agustina Bessa-Luís ocupou o cargo de directora de O Primeiro de Janeiro entre 1986 e 1987. Digo bem: ocupou o cargo. Fazendo o favor a Diogo Freitas do Amaral, a quem o jornal da portuense Rua de Santa Catarina tinha sido dado pela família Pinto de Azevedo. Agustina entrou e mandou logo mudar de sítio a secretária do gabinete da direcção, para poder apanhar solzinho nas perninhas. É a grande marca do seu consulado. De resto, era bonito de se ver aquela mulherzinha de carrapito e xaile ou lenço pelas costas, sentada quase invisível, debruçada sobre o mesão, com os pés a meio caminho do soalho, manuscrevendo laboriosamente numa letrinha mínima, encarreirada e esdrúxula que era preciso desvendar.
Agustina escrevia para o jornal uns "editoriais" extraordinários, que eram tudo menos editoriais. Eram pérolas literárias, histórias, contos, ensaios, que viam a luz do dia no cantinho superior esquerdo, ou talvez direito, da primeira página.
A directora não sabia nada do jornal e o jornal também não queria saber dela. Um dia o chefe de redacção entrou-lhe no gabinete perguntando-lhe o que fazer com uma notícia eventualmente mais melindrosa e que agitava na mão. É, antigamente as notícias viajavam em folhas de papel. "Eu não sei nada disso", enxotou a directora, "vá falar com o chefe de redacção". E o chefe de redacção disse "Com certeza, senhora directora", e foi falar consigo mesmo, modalidade, aliás, em que era e ainda é campeão.
Agustina deixou O Primeiro de Janeiro depois dos pascácios da administração lhe terem feito a sacanagem de publicar, sem lhe dar cavaco, uma edição apócrifa do jornal, a pedido das bolachas Triunfo. A escritora exigiu a demissão dos administradores, que se mantiveram nos seus lugares, agarrados ao tacho como lapas. Saiu ela.
Sei disto tudo e outro tanto porque conheço muito bem o tipo que revia os "editoriais" de Agustina no velho Janeiro e que, vítima do efeito dominó provocado pela honrada renúncia da directora, acabaria por ter de tomar conta da redacção. Conheço-o tão bem que é como se me visse ao espelho.
P.S. - Hoje, 23 de Janeiro, é Dia da Escrita à Mão.
sábado, 22 de janeiro de 2022
Votam uns pelos outros, e quê?
O ânus da prova
Bilac (1865-1918) e Pessoa (1888-1935). Não quero saber aqui quem é ovo ou quem é galinha, nem me interessa como assunto, de momento, o miserável, escusado e alegado acordo ortográfico. Lembrei-me foi dos professores doutores da mula ruça, traidores à pátria, que enchem a boca de "periúdos", de "interésses", de "rúbricas", de "perzeveranças", de "mediúcres". Enchem a boca e apodrecem a língua. Apodrecem a língua e matam a nação.
António Costa, por exemplo. Já era tempinho de aprender a falar português, depois de, em 2015, ter aprendido a não falar mandarim. Não há lá pelos corredores e gabinetes de São Bento ou no Largo do Rato quem saiba ensinar ao nosso ainda primeiro-ministro a basezinha das regras de concordância, alguém que o proíba de comer sílabas enquanto fala? Falar com a boca cheia é, para além do mais, falta de educação.
P.S. - No dia 22 de Janeiro de 1500, o nosso rei D. Manuel I determinou que "não se pague moradia aos moços fidalgos" sem estes terem dado provas do domínio da língua, com certidão passada por mestre de gramática. Ai se fosse hoje! O que seria dos nossos novos "moços fidalgos", os ilustres e amiúde analfabetos deputados da Nação?...
sexta-feira, 21 de janeiro de 2022
Amai-vos uns aos outros (mas devagarinho)
Miss Universo
A brincar, a brincar...
E vejo finalmente os ocupantes, ainda por trás: é o do volante e, ao lado, uma louraça da fazer parar o trânsito. Mas eu avanço. Avanço cuidadosamente para a ultrapassagem, olho para o gajo e o gajo sorri malandro. E eu continuo a olhar (eu posso olhar e continuar a olhar, porque eu não conduzo, não sei conduzir, nem sequer tenho carta) e o gajo continua a sorrir. Brincalhão! A gaja não sorri, não me liga nenhuma, olha sempre em frente, tomando sentido à estrada, ainda mais loura do que há bocado e, reparo agora, tem uns lábios vermelhos e escarrapachados.
A minha mulher desliga o pisca e então é que se me faz luz. A gaja da catrel é uma boneca. Uma boneca mesmo, de plástico, uma boneca insuflável, de carregar pela boca. O gajo olha para mim e sorri cada vez mais, está a gostar. Malandro! Não sei onde é que a gaja tem a mão.
P.S. - Publicado originalmente no dia 12 de Dezembro de 2012.
E foi lavar-se...
O roto e o nu
Vendedores de Céu e de mobílias de sala
Andam aos pares, como o Senhor mandou para a arca, aos pares e de Bíblia na mão, e vê-se logo que são boas pessoas. Missionam a bom missionar, de porta em porta, no meio da rua, sujeitam-se a malcriadezas em nome da fé que têm para dar e vender, e dou-lhes valor por isso. Um par interpelou-me um destes dias, ali em baixo, no passeio à beira-mar onde às vezes montam banca:
- Um minutinho, por favor, já pensou no que lhe acontecerá quando morrer? E porque morremos? Não quer saber a verdade acerca da morte?
Eu, que achei a abordagem um bocado desajeitada e tétrica, desnecessariamente radical, resolvi dar-lhes uma ajuda, uma segunda oportunidade, recentrando o assunto:
- Não é nada da morte que me querem falar, pois não? A morte até poderia ser um bom princípio, em termos de marketing, de aproximação tablóide à clientela, quero dizer, mas vocês querem é falar-me da vossa Igreja, querem converter-me à vossa Igreja, querem anunciar-me Deus, o único verdadeiro, Jeová, é ou não é?
Era.
- Então, em verdade vos digo, assim será feito - disse eu, com voz de sarça ardente ditando leis -, ouço-vos, vocês falam-me da vossa Igreja e de Jeová, mas só se também me derem tempo de antena para eu vos falar de uma mobília de sala de jantar muito jeitosa que tenho para vender.
- Mas para que queremos nós ouvi-lo falar acerca da mobília de sala de jantar, se temos uma praticamente nova, estamos tão bem servidos e não precisamos de mudar? - respondeu o par em coro e percebi logo que, para além de par, formava também casal.
A resposta era mesmo a que me calhava, portanto sentenciei:
- Pois, caríssimos irmãos, eu e Deus é a mesma coisa: já tenho um e estou muito contente com Ele. Vou agora trocar, porquê? E amém.
Eu sei que fui (sou) um bocado parvo. Mas correu bem. Vendi-lhes duas mobílias de sala de jantar.
P.S. - Publicado originalmente no dia 30 de Dezembro de 2015.
Para falar com Deus
A mulher que não acreditava na religião verdadeira
- Somos Testemunhas de Jeová - responderam as duas senhoras muito simpáticas e pacientes.
- Olha, ainda por cima jeovás! Rua, andor daqui para fora! - mandou Dona Amélia, sacando do toco de vassoura, mais rápida que a própria sombra. - Eu não acredito nessas lérias. Eu não acredito na religião católica, que é a verdadeira, e ia agora... Xô, xô, xô, já disse!
P.S. - Publicado originalmente no dia 20 de Abril de 2016.
Deus, cara a cara
quinta-feira, 20 de janeiro de 2022
Estamos fritos
Comprou três quarteirões de sardinha miúda. Passou a manhã na sertã. E a tarde em Figueiró dos Vinhos.
O Legislador
quarta-feira, 19 de janeiro de 2022
O amor andava de Florett
Por Asgard!
terça-feira, 18 de janeiro de 2022
Eu não lhe admito, senhor deputado!
- Então o que é que o senhor deputado disse, senhor deputado?
- Eu disse aquilo, senhor deputado.
- Aquilo, senhor deputado? E só agora é que o senhor deputado diz isso, senhor deputado?
- Eu não admito que o senhor deputado diga que eu disse isso, senhor deputado!
Brincar em serviço
Ele nunca brincava em serviço. O que, para um palhaço de circo, era talvez contraproducente.
segunda-feira, 17 de janeiro de 2022
Prevaricação
Por falar em deputados, falemos de ex-deputados. Jaime Marta Soares, por exemplo. O comendador Marta Soares, ex-dirigente nacional do PSD, ex-deputado, ex-presidente de câmara, ex-comandante de bombeiros, filarmónico, animador de centros de convívio e aeroclubes, piloto aviador encartado, ex-guarda-redes, ex-árbitro de futebol, jornalista amador, confrade da chanfana, fala-barato e tempo inteiro, ex-presidente da Assembleia Geral do Sporting e sobretudo redundante ex-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. Posto isto. Jaime Marta Soares vai ser julgado por prevaricação, estando também acusado da prática dos crimes de participação económica em negócio, falsificação de documento e abuso de poderes. Sobras do tempo em que foi presidente da Câmara de Vila Nova de Poiares, onde mandou durante quase quarenta anos.
Relativamente a essa matéria
- Relativamente a essa matéria, senhor deputado, devo esclarecer que não tenho nada a acrescentar relativamente a essa matéria.
- E relativamente à outra matéria, senhor primeiro-ministro?
- Relativamente à outra matéria, senhor deputado, devo esclarecer que não tenho nada a acrescentar relativamente à outra matéria.
- Bem me parecia, senhor primeiro-ministro!
- Ainda bem que nos entendemos, senhor deputado!
Realmente. O que seria de nós, do País, da Nação, do nosso amado Portugal, sem os nossos senhores deputados, sem os nossos senhores primeiros-ministros, gente assim de categoria?...
domingo, 16 de janeiro de 2022
Enquanto o pau vai e vem, descansa o lombo
Olhem por exemplo o Professor Marcelo. Também já comi lombo de porco com ele, diga-se em abono da verdade, mas logo que pulou para Presidente: no almoço cerimonial da tomada de posse, foi creme de espargos, robalo a vapor e gelado; e no almoço comemorativo dos 40 anos da Constituição, em 2016, a ementa versava creme de couve-flor, tranches de garoupa e pudim de Estremoz. Também um desconsolo, realmente, mas de alto gabarito.
Deus nos livre dos afrontamentos
Quando a ilha do Sal ficou sem Super Bock
E lembro-me do Verão de 1990, na então pacata ilha do Sal, Cabo Verde. Agosto passava para Setembro, e a Super Bock esgotou sem remédio em toda a ilha. Fui eu.
O homem que sabia de codornizes
Fiquei contente. José Mário Branco sabia de quase tudo e, tomem lá, até sabia de codornizes. E eu não sei de nada, mas desunho-me satisfatoriamente com as codornizes. A minha platónica relação com José Mário Branco era de admiração e reverência. Sobretudo respeito: silêncio, que se vai ouvir José Mário Branco. A partir daquele momento a nossa relação passou a ser de camaradas, acho que tenho esse direito. Que ninguém separe o que a codorniz uniu. E era mais duas bifanas e dois fininhos, se faz favor!
No mesmo DN escreve-se sobre "tetos" para os sem-abrigo em Lisboa. Tetos, pois. Quando forem horas de mamar, chamem-me.
Saia mais um galo!
O segredo não está no picante
E depois foi-se embora. Atenção: foi-se embora sem antes ir à Conga comer uma bifana. Mas, desta ou doutra vez, comeu bifanas em Lisboa. Isto cabe na cabeça de alguém? As bifanas da capital sempre me mereceram as maiores reservas e, francamente, a equipa do No Reservations deveria estar na posse desta importante informação.
Bourdain disse que gostou muito das lisboetas "sanduíches gordurosas de porco", com carne "imunda e cortada em fatias finas". É uma definição elegante e que se aceita. Mas havia de ter provado as do Porto, na Rua do Bonjardim! E não me venham dizer que as bifanas são iguais em todo o lado. Porque não são. E não me venham dizer que é tudo uma questão de picante - mais ou menos. Porque não é. E não me venham dizer que é só temperar com vinho branco e mais não sei quê (o resto fica cá comigo, que também as faço uma categoria). Porque não é. É com o vinho (e com o resto), mas também com cerveja, ou para onde é que vocês cuidam que vão as sobras dos barris e a espuma que esborda dos finos (ou imperiais) mal tirados? Vai tudo lá para dentro, para o caldeirão da molhanga, e aqui é que bate o ponto. Aqui é que a porca torce o rabo. É que as bifanas do Porto chafurdam em Super Bock. E isso faz toda a diferença.
sábado, 15 de janeiro de 2022
Eram quatro e formavam um excelente trio
Eram quatro pessoas em palco: um senhor à viola, uma senhora no clarinete, um senhor ao piano e outro senhor virando-lhe as páginas da partitura. Procurei-lhes os nomes enquanto tocavam Brahms e Mozart com assinalável competência. Os quatro formavam o famoso Trio Tomter, Kam & Ihle Hadland. Isto é: são o senhor Lars Anders Tomter, a senhora Sharon Kam e o senhor Christian Ihle Hadland, por ordem de instrumentos. O mudador de páginas, posto que exímio executante, era provavelmente o rapaz, ou o moço das obras que vai ao tasco buscar as minis...
O exemplo vem de cima
A obra-prima
Os especialistas dividem-se e a opinião pública também. Há quem defenda que o melhor trabalho de Miguel Ângelo são os frescos da Capela Sistina. Outros preferem a Baía de Cascais...
Allegro ma non troppo
Deu-lhe um baque. Ele a princípio até ficou satisfeito, mas na verdade preferia um rimsky-korsakov.