Sou
  fã de Marcelo Rebelo de Sousa, já disse. Gosto daquele ar cartomante 
com que o Professor nos revela tudo aquilo que nós já sabíamos. Gosto  
daquele sorrisinho matreiro, sorrisinho marca já-te-fodi. Gosto da forma
 como o Professor vai à televisão vender pedaços de nada como se fossem o
 mundo inteiro. O truque está no poder de concentração e nos embrulhos. 
 Marcelo usa papel de embrulho do melhor: papel de lustro, manobrista e 
 recadeiro. E os fregueses adoram. Marcelo sabe mais que o Papa. Sabe  
mais que a Irmã Lúcia. Sabe o passado e o futuro. Marcelo é o nosso  
presente.
A
  omnisciência sempre me seduziu. Desde miúdo, quando, ainda em Fafe, eu
  ia a casa do Bertinho Dantas (o sobrinho) jogar O Sabichão. Depois, ao
  longo da vida, tive a sorte de encontrar sábios a sério em velhos  
lavradores, em professores, em camaradas de profissão, em três ou quatro
 amigos, gente que muito respeito e continuo a admirar. Hoje, porém, no 
 negócio dos que tudo sabem, só me contento com Deus. Deus no Céu e  
Marcelo Rebelo de Sousa na Terra. 
Era
  uma vez 2005, ano de eleições legislativas em Portugal. Luís Filipe  
Menezes chefiava a lista do PSD por Braga e foi em pré-campanha a  
Celorico de Basto. O cabeça de cartaz do jantar-comício era Marcelo  
Rebelo de Sousa. O meu jornal mandou-me atrás dele. Na ementa, "lombo assado" evidentemente.
Dos
  discursos, lembro-me apenas que Menezes "lançou" a candidatura de  
Marcelo à Presidência da República (as voltas que a vida dá!),  
oferecendo-lhe um quadro já não sei com que motivos. No final das  
intervenções, Marcelo andou de mesa em mesa, como noivo em dia de  
casamento, distribuindo bacalhauzada àquela gente toda a quem fazia  
questão de fazer de conta que conhecia.
Eu aproveitei a confusão para dizer ao que ia:
- Sr. Professor, eu sou o...
- Eu sei - cortou simpaticamente Marcelo, estendendo-me a mão e um sorriso de orelha a orelha.
- ... o Hernâni Doellinger, do...
- Sei muito bem quem é - insistiu Marcelo, retirando a mão e reduzindo o sorriso.
- ... jornal 24horas - consegui informar, enfim.
-
  Exactamente, eu sei, sei muito bem, Hernâni, 24horas, eu sabia -  
concluiu Marcelo, metendo o resto de sorriso no bolso das calças e  
pedindo licença para continuar com os cumprimentos, que ainda havia  
muitas mesas para bacalhauzar no salão de cima e que falávamos no fim.
Claro
 que não falámos. Marcelo Rebelo de Sousa foi-se embora como quem não  
quer a coisa, sem me dar uma segunda oportunidade e se calhar até fez  
bem, o 24horas não se recomendava. Também não interessa. O importante é 
 isto: o Professor não me conhecia de lado nenhum, nunca me tinha visto 
 mais gordo nem mais magro, mas apareci-lhe à frente e ele "soube" logo 
 quem eu era. Não é extraordinário? Agora que penso nisso, devia ter-lhe
  pedido que me lesse a sina. E que me desse os números do Euromilhões.
Ainda
 hoje guardo religiosamente a mão com que cumprimentei Marcelo Rebelo de
 Sousa naquele encontro histórico de Celorico de Basto. Os nossos  
contactos seguintes, tal como os anteriores, resumiram-se ao telefone.  
Ligava eu, por dever de ofício. O Professor atendeu-me quase sempre. E  
foi sempre amável e útil.
P.S. - Publicado originalmente no dia 28 de Agosto de 2012. Sobre O Astro - "Pensar, Professor, pensar..." -, quem tiver idade para se lembrar da telenovela  de 
Janete Clair e do desempenho do actor Francisco Cuoco percebe a  
história do cartomante, quem for mais novo que se informe. E reparem: em
 2005, portanto há quinze anos, ainda as selfies em Portugal eram geralmente outra coisa,
 Luís Filipe Menezes também lia a sina,  adivinhava a candidatura do 
Professor, exactamente em Celorico, mas não era assim tão difícil - 
Marcelo, estava-lhe nas  linhas das mãos, trabalha no assunto desde que 
nasceu. Com efeito, Marcelo Rebelo de Sousa é Presidente da República desde pequeninho. Pequeninho, que é como se
 diz pequenino lá para os nossos lados galegos de Fafe e Basto. Ou pequerricho...
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