sábado, 31 de dezembro de 2022

Chama o Gregório!

O dia 1 de Janeiro foi inventado no dia 24 de Fevereiro de 1582 pelo papa Gregório XIII. Daí é que vem a mais famosa expressão da noite de passagem de ano - Com licença, vou só ali chamar o Gregório...

Génios

Parecendo que não, há uma diferença assinalável entre o génio da lâmpada e o génio da garrafa. Eu, por exemplo, embora também aprecie a competência e o rasgo de um bom electricista, dou muito mais valor à sabedoria decilitrada de um bêbado manso.

P.S. - O inventor norte-americano Thomas Edison fez a primeira apresentação pública da sua lâmpada incandescente no dia 31 de Dezembro de 1879, acendendo as luzes numa rua em Menlo Park, Nova Jérsia.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Pinto da Costa está velho. Foi de repente.

Ainda anteontem Pinto da Costa tinha apenas 84 anos, estava na plenitude das suas faculdades físicas e mentais, dispunha de idoneidade para dar e vender e era o presidente insubstituível do FC Porto. Hoje Pinto da Costa é um velho de 85 anos, gagá, um bocado trafulha e já devia estar em casa a chá e bolachas e com as perninhas agasalhadas sob um cobertorzinho azul e branco. Foi o que descobriram durante o dia de ontem quatro ou cinco pascácios donzelos - outros irão aparecer - que de repente, por singelo altruísmo e acrisolado amor clubista, lhe querem abafar o lugar. E as peitas.

Os famosos do dia

No dia 29 de Dezembro de 1891 o empresário americano Thomas Edison patenteou o rádio. No dia 29 de Dezembro de 1987 o tractorista português Anacleto Felgueiras fracturou o cúbito.

Tenho pressa, vou a pé

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Os Foda e o Kagawa

Por falar em futebol e aniversariantes, registo, sem ofensa, o nome do jogador alemão Sandro Foda, que nasceu no dia 28 de Dezembro de 1989 e que portanto faz hoje 33 anos, muitos parabéns. Que se segue. Sandro Foda, irmão de Marco Foda, jogou até à época passada no Sturm Graz, da Áustria, onde foi treinado pelo seu próprio pai, Franco Foda. Os Foda, Deus me perdoe, fazem-me lembrar, por exemplo, o internacional japonês Kagawa - Shinji Kagawa -, que por acaso joga agora nos belgas do STVV, ou Sint-Truiden, e não faz anos hoje, mas também realmente.

As gaivotas e assim

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Caixa do Evaristo

Quando abriram a caixa de Pandora, saiu de lá de dentro o Evaristo. Pandora ia morrendo de vergonha...

Boxers, trusses e espermatozóides

Assunto da época: natalidade. Um estudo de cientistas americanos publicado aqui há uns anos na revista Human Reproduction considerava que os homens que normalmente vestem boxers têm mais espermatozóides. A ideia já tem barbas, mas a palpitosa notícia foi-me então dada pelo nosso jornal Público, sempre atento a estas extraordinarices. Não me vou dar ao trabalho de procurar, mas tenho a certeza de que o estudo científico em questão contradiz um outro estudo científico, americano evidentemente, que prova que os boxers prejudicam os espermatozóides. Como se sabe, os estudos científicos, sobretudo na América, tanto podem ser patrocinados por fabricantes de boxers como por fabricantes de slips - é a lei da livre concorrência, pelo menos no reino das cuecas.
Fixemo-nos, porém, no âmago da notícia, nos boxers. Será abusivo concluir que, se um homem com boxers tem mais espermatozóides, um homem sem cuecas de qualquer espécie tem muitos mais? E as famigeradas trusses? E a tanga, como é? E o fio dental, prejudica? E um nudista a tempo inteiro, o que é que ele há-de fazer ao mais que certo excedente de espermatozóides, que às tantas até lhe saem pelas orelhas? E mulher que use boxers, como é que fica de espermatozóides?
Por outro lado, homens que vestem boxers chamam-se, por norma, "segundos". É do boxe.

P.S. - Hoje é Boxing Day. E portanto.

Que tristeza o fim do Natal...

O fim do Natal é muito triste. Terminasse o Natal em m, Natam, terminasse o Natal em x, Natax, terminasse o Natal em y, Natay, terminasse o Natal em z, Nataz, e, quer-se dizer, o fim do Natal até teria alguma piada. Agora, terminar em l, Natal, um esquelético tracinho ao alto, um pauzinho desamparado armado em guarda-redes, é realmente uma tristeza muito grande, um fim que ninguém merece.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

E se o Natal for um embuste?

Portugal, 2022. Dezembro, vésperas de Natal. Quase dois milhões de pessoas subvivendo abaixo do limiar da pobreza. E passam a 4,4 milhões se lhes retirarmos os apoios sociais. Mais de dois milhões e meio de portugueses em risco de pobreza ou exclusão social. Quase vinte por cento da população empregada é pobre. Um quarto dos trabalhadores a salário mínimo, sobretudo mulheres, jovens e precários. Quase dois milhões de pensionistas da Segurança Social com pensões, de velhice ou invalidez, abaixo do salário mínimo. Mais de um milhão de desempregados, entre registados, desarriscados, clandestinos, envergonhados e vitalícios. Mais de quarenta mil famílias que vivem em casas sem condições. Quase dez mil sem-abrigo recenseados, fora os milhares de sem-abrigo obliterados pelas estatísticas e por nós todos. Um vergonhoso número calado de trabalhadores imigrantes tratados como escravos, torturados, humilhados, brutalizados, ignorados farisaicamente pelo país em peso, quando não lançados sem dó nem piedade para o redondel dos novos cães racistas. Fome, frio, doença, abandono, solidão, miséria física e moral, despessoamento, indignidade. Dezembro, vésperas de Natal. Portugal, quase 2023.

Weather report

- Isto é que tem estado!...
- Realmente...
- E então hoje!...
- Lá isso...
- O que é que eles dão para amanhã?
- Eu...
- Pois. Então até logo, vizinho.
- Vá pela sombra, vizinha.
É, o elevador aproxima muito as pessoas. O elevador e o boletim meteorológico.

P.S. - Hoje é Dia do Vizinho. No Brasil.

A menina das gaivotas

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Aproveite o Natal: vá para a cama!

Aproveite estes dias abençoados, ou a quadra, como muito bem dizem os mais fervorosos natalistas. Fique em casa, leia, escreva, pense, e todas as tardes durma um sono, ou dois, consoante a disposição e a companhia, e dormir é aqui uma forma de dizer. E ouça a chuva a bater à janela. Mas não abra se bater leve, levemente, que a chuva não bate assim: é de certeza o Neves, e o Neves é um chato do caralho.

O Natal é um equívoco

O Natal é um paradoxo: alegra e deprime. E é também um equívoco: marcado nas agendas e calendários para o dia 25, toda a gente sabe que é na noite de 24.

Voavam, voavam

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Entre a bisca lambida e o bilhar às três tabelas

Era um atleta de mão cheia. Dele se dizia, e com razão, que dava cartas no jogo de bilhar. Passou ao lado de uma grande carreira, exactamente porque nunca lhe explicaram que bisca lambida é uma coisa e as três tabelas são outra. As duas juntas, com efeito, não perfazem modalidade desportiva.

P.S. - Hoje é Dia do Atleta. No Brasil. E é também o primeiro dia do Verão. No Brasil.

Fazendo a fineza

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 17 de dezembro de 2022

Para consumo na casa

"Os produtos expostos são para consumo no estabelecimento", dizia a tabuleta. E dizia bem. Estávamos, com efeito, num bar de alterne com quartos e água quente no andar de cima.

Ataque à bomba

Disse que ia atacar à bomba, e foi. Anos e anos a fio. Dental. Hoje a bomba é a estação de metro da Trindade e ele era travesti.

Amai-vos uns aos outros (mas devagarinho!)

Ele padecia de um tipo particularmente violento de paronímia. Amiúde confundia bondade com bondage - o que, convenhamos, é deveras inconveniente.

P.S. - Hoje é Dia Internacional Contra a Violência Sobre Trabalhadores do Sexo.

Karate kid 4

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Macaco

Macaco, o termo assim dito, abrange todos os primatas, sem cauda, com cauda curta ou longa, pertencentes às famílias dos cebídeos, hapalídeos, cercopitecídeos, hapalídeos, cercopitecídeos e antropomorfos. São animais que habitam geralmente as regiões quentes do Globo. Nas regiões frias, o macaco é um aparelho mecânico para levantar coisas muito pesadas, como por exemplo automóveis. É também um gajo astuto ou feio. No seu estado superior de desenvolvimento, o macaco pode ser mandante de bando de arruaceiros, isto é, Macaco Líder.

Hidráulico e exótico

Andava com um macaco no carro. Hidráulico, para mudança de pneus. Mas foi apanhado pela GNR numa operação stop. A autoridade procedeu à competente identificação, tendo sido elaborado o respectivo auto de contraordenação por violação do Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção.

O grande prestidigitador

Era um mágico extraordinário: em vez de coelhos da cartola, tirava macacos do nariz.

Macaquinhos no sótão

Ele tinha macaquinhos no sótão. Denunciado pela vizinha bisbilhoteira, ele foi detido e preso. Os animais, após vistoria veterinária, seguiram para o jardim zoológico.

Pentear macacos

Mandaram-no pentear macacos e ele foi. Começou por baixo, evidentemente, mas já é cabeleireiro-chefe em Gibraltar.

Cada macaco no seu galho

"Em que ramo é que trabalhas?", perguntaram-lhe. E o macaco respondeu: "No de baixo, derivado às vertigens..."

P.S. - Hoje é Dia do Macaco.

O despertar da sereia

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 11 de dezembro de 2022

A montanha pariu um rato

A montanha pariu um rato. Que miséria, realmente. Se ainda ao menos parisse um elefante! Ou dois - que incomodam muito mais... 

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Montanha.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

O problema dos meios-irmãos

O problema dos meios-irmãos é que, por exemplo, pegamos em dois e não conseguimos fazer um irmão inteiro. O que é realmente aborrecido.

A família

Tinha realmente uma família numerosa: sete filhos, vinte e três netos, quarenta e sete bisnetos, dezassete trinetos, duas tetranetas e uma trotineta.

Um homem de famílias

O casamento, para ele, era tudo. Aliás, tinha dois. Ao mesmo tempo.

Móvel do crime

Não é tão raro assim. Às vezes o móbil do crime é mesmo o móvel de sala. Acontece geralmente em família, sobretudo em casos de herança ou partilhas.

P.S. - Hoje é Dia da Justiça. No Brasil.

Crime imperfeito

Tirando as minhas caminhadas matinais à beira-mar, passo o dia inteiro enfiado em casa. Sozinho. Quer-se dizer: vivo sem testemunhas. E isso começa a assustar-me. Tenho medo de ser apanhado. Porque - bem vejo o que acontece nos policiais da televisão - sozinho em casa não serve como álibi.

Dá-me o teu melhor sorriso!

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

O Febras, de Timor ao Campo das Cebolas

A menina dos altifalantes avisa-me, numa voz metálica e sincopada, de andróide: "Próxima paragem, Timor." Sobressalto-me, de repente o coração enche-se-me de egrégios avós, de coragem que nunca tive, às armas às armas, digo, maubere people, canto, emociono-me de mim, Ai Timor!, os olhos afogados em lágrimas, olho pela vigia, o mar calmo e eu agoniado, faço as últimas orações, seja o que Deus quiser, dou o peito às balas... e dou também fé que estou no 500, o autocarro da STCP que faz a ligação entre o Mercado de Matosinhos e a portuense Praça da Liberdade, viceversando. Para quem vai, Timor, a paragem da Rua de Timor, fica entre as paragens do Castelo do Queijo e do Homem do Leme, Avenida Montevideu, Foz, e antes assim.

É claro que me lembrei também do Febras, do Armando Febras de Fafe, que guiava um velho camião geralmente cheio de areia e era a única pessoa que eu conhecia que "fez a guerra" em Timor, se não me engano. O Febras era um tipo porreiro, bom amigo, e tinha uma grande pancada naquele tempo. Uma vez falhou a gasolina em Fafe e no resto do País, segundo as notícias, e os carros faziam longas filas que davam duas ou três voltas ao Largo para abastecer. Os condutores desligavam os carros, saíam e empurravam a respectiva viatura consoante a fila ia avançando a conta-gotas. O Febras tinha o camião apontado àquelas bombas muito bem estabelecidas ali entre o Monumento e o Martins da Avenida e não largava o volante, até porque lhe faltava disposição para descer e levar o veículo pelas orelhas. Aquilo era preciso madrugar para garantir um bom lugar na fila, havia até quem fosse para lá de véspera, portanto é bom de ver que pelo meio da manhã já estava tudo com os nervos em frangalhos. E o que é que acontece? Assim que tal, a fila anda um bocadinho, metro, metro e meio, mas o carro imediatamente à frente do Febras nem se mexe. O Febras buzina. E o carro, nada. O Febras torna a buzinar. E o condutor do carro faz aquele sinal internacional descrito no código da estrada como "passa por cima". E o Febras arranca. Evidentemente não passa por cima do carro, isso só ocorre nos filmes americanos, mas leva-o à frente, um metro, metro e meio. O Febras sai então do camião, disposto à pancadaria, a polícia, que rondava por ali, faz de conta que intervém para evitar males maiores, mas nem toma conta da ocorrência, e fica tudo em águas de bacalhau, porque, lá está, era o Febras, e o que é que se havia de fazer?...

Curiosamente, anos mais tarde, o Armando Febras viria a ser agente da autoridade local e parece que ainda emigrou para a América, onde não sei se realmente chegou a passar por cima de automóveis. Mas antes disso, em Abril de 1977, ele fez parte de um extravagante grupo de fafenses que foi a Lisboa de camioneta para apoiar a AD Fafe no famoso jogo com a CUF para a Taça de Portugal. Desse bando, que viveu uma noite maluca pelas ruas do Bairro Alto, com a polícia atrás e tudo, constavam também, entre outros, o meu irmão Pimenta, que certamente organizara a excursão, o Machadinho e o Manel Caixeiro maila sua inseparável pistola. Eu não podia faltar, mas era o mais novo e inocente de todos, posso talvez dizê-lo. Esta parte da história fica, porém, para outra vez.
Quero contar é do amigo do Febras que veio ter connosco ao Campo das Cebolas, que era o sítio onde as camionetas das excursões pernoitavam. Um velho camarada de armas do Armando e a segunda pessoa que eu conheci que "fez a guerra" em Timor, se não estou em erro. Falava com cerrado sotaque lisboeta, alfacinha, malandro, gingão, "gajas" acima, "gajas" abaixo, tinha ouro ao pescoço, anéis, camisa havaiana, botas de cobói, navalha de ponta e mola e um suspeitíssimo Ford Capri que fazia piões de porta aberta.
Isso. Piões de porta aberta. Tantos, tão apertados e a tal velocidade, que no decurso de um deles o indivíduo saiu disparado do automóvel, caiu violentamente no chão, bateu com a cabeça, levantou-se de imediato como uma mola, num improvável pulo de kung fu, soltou um grito de guerra, sacudiu o pó da roupa, entrou no carro, que continuava a andar em círculo, fechou a porta e arrancou a todo o gás em direcção ao sol poente. E eu passei a compreender muito melhor o Armando Febras. 

P.S. - Hoje é Dia de Timor-Leste. Também chamado Dia dos Heróis Nacionais.

Kafka no metro

Entro no metro. Viagem curta, de Matosinhos Sul até à Senhora da Hora, apenas quinze minutos e mudança de linha para Vila do Conde. Sento-me num daqueles bancos frente com frente, éramos quatro, dois de cada lado e, se fosse futebol, a bola seria redonda. Ninguém conhecia ninguém. Os dois rapazes e a rapariga, os três mais para os trinta do que para os vinte, cabeças para baixo e graves, rapam dos bolsos os respectivos telemóveis como se se conhecessem de outras encarnações e estivessem combinados, e jogam, ela, e mensajam, eles, automaticamente, ignorantes uns dos outros, numa simbiose perfeita. Eu vou à mochila e tiro o livro. "Kafka à Beira-Mar", de Haruki Murakami. Pensei: é o que diz a minha mãe - sempre a destoar, eu.

Palavras para que vos quero

"Atenção: devido a um erro de sinalização, o metro foi obrigado a fazer uma paragem brusca. Se alguém se magoou, é favor entrar em contacto com o agente de condução". O "agente de condução" da Metro do Porto que assim falava pelos altifalantes internos para os passageiros da viagem Matosinhos Sul-Estádio do Dragão era uma mulher, e não cuide o Sr. Pedro Arroja que eu estou no gozo. Não estou.
Em trinta palavras exactas, a senhora condutora disse tudo o que era necessário ser dito naquele momento, com objectividade, sem eufemismos nem semânticas, num português escorreito, directo, universalmente compreensível, eficaz. Responsável. A assunção do "erro de sinalização" e da "paragem brusca", a preocupação imediata com os passageiros. Mas ninguém se magoou.
Pensei: que exemplo extraordinário para os nossos comunicadores de merda - governantes, ex-governantes, candidatos a governantes, candidatos a candidatos a governantes, políticos de uma forma geral, altos irresponsáveis, baixos responsáveis, autoridades civis, militares e religiosas, minhas senhoras e meus senhores, telecomentadores, radiofloricultores, trolhas conversadores, politólogos, peritos encartados, periquitos amestrados, vendedores de retroescavadoras com luzinhas e centros de exposições transfronteiriços, taxistas, barbeiros, enchedores de chouriços, especialistas em sarrabulho e fumeiro, jornalistas tremendistas e endrominadores para todo o serviço, que falam sobejamente, eu até reconheço a maioria das palavras, mas não sei o que eles dizem...

P.S. - O Metro do Porto foi inaugurado no dia 7 de Dezembro de 2002.

À velocidade da luz

A velocidade da luz desloca-se praticamente à velocidade da luz. O que é extraordinário!

P.S. - A velocidade da luz foi determinada pelo astrónomo dinamarquês Ole Rømer no dia 7 de Dezembro de 1676. O que também é extraordinário.

Assassinado por formigas

Quando saiu a notícia de que Cícero foi assassinado em Fórmias, edição de 7 Dezembro de 43 antes de Cristo da Trombeta de Arpino, houve logo quem compreendesse que o ilustre político, escritor, orador e filósofo romano fora devorado por formigas. Hoje em dia na nossa comunicação social o lamentável equívoco persiste. Porque os jornais digitais e até os analógicos não têm tempo para.

Karate kid 3

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Do normal ou do bô?

Tínhamos a bó e tínhamos o bô. Eu e os meus irmãos tivemos bó e bô vezes dois, sorte a nossa! Bozinha era a bisavó, e tínhamos, em Basto, uma, muito velhinha, que uma vez deu-me uma batata assada no borralho. Bô queria também dizer bom: binho bô; bô moço; estás bô? Depois, se calhar por soar a parolo, bô mudou para bu. Bu também mete medo, é susto. Buuu! Mas quem caralho teve a ideia?...

Para mim, e defendo-o de graça há muitos anos, o Minho começa em Fafe e acaba em Santiago de Compostela. E a Galiza também. Isto é: Galiza e Minho são-me o mesmo, chamem-lhe o que quiserem, mas Minho decerto fica-lhe melhor derivado ao rio que nos une. Somos a cara chapada uns dos outros, os minhotos e os galegos destes limites, labregos envernizados, crescemos das mesmas raízes, aprendemos de uma literatura comum, padecemos ainda hoje do mesmo ancestral atraso de vida, desfrutamos do mesmo amor à comida e à bebida, à água benta e à festa, partilhamos a maneira de falar, cheia de "ches", de "inhas" e de "inhos", de "xes" em vez de "ses", de "bes" em vez de "ves", não raro falamos até a mesma língua, consoante os sítios e a idade, debitamos caralhos atrás de caralhos como não há memória de tanto caralhar noutras latitudes deste mundo e de outros.
Em Fafe e nas terras de Basto chegadas a Fafe falava-se esse conversar comum quando eu era pequeno, aprendi-o naturalmente com os meus avós maternos, em Passos, Cabeceiras, com a minha mãe e com os meus tios. A querida tia Margarida ainda hoje o usa a cotio, com uma graça que me encanta e comove, e eu dou-lhe serventia da língua para fora sempre que posso, e agora posso quase sempre.

Imaginem então a minha alegria com o que se passou um destes dias, numa das nossas habituais saltadas ao lado do Minho a que outros chamam Galiza. Foi assim. Como de costume, aproveitámos para atestar o depósito do carro. "Gasóleo", digo eu ao senhor gasolineiro. E o senhor gasolineiro, nunca tal nos tinha acontecido, pergunta-me sem mais nem menos, como se anunciasse pipa nova: - Normal ou do bô?...
Caralho! "Do bô", o senhor gasolineiro perguntou-me se o gasóleo era "do bô", palavra de honra, "do bô", perguntou, como fosse a minha avó, o meu avô, a minha mãe ou a tia Margarida a perguntar-me. E eu fiquei tão contente, tão criança, de repente tão outra vez abraçado ao avental da minha mãe a cheirar tão bem a sabão e felicidade, a casa, a nós, fiquei tão...
Por outro lado, era normal e fedia. Mas o senhor gasolineiro perguntou se era "do bô", foi o que ele disse, e disse tão bem, e eu gostei tanto. "Do bô", caralho!...

Papando uns e outros

Chegava o Natal e ele, entre bombons e bumbuns, levava tudo a eito e sem destrinça. Padecia de uma espécie muito avançada de paronímia, segundo atestado médico, e a mulher desculpava-o, que remédio...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A Câmara de Narciso faz 35 anos

Foto Hernâni Von Doellinger

O edifício dos Paços do Concelho de Matosinhos, com o traço do arquitecto Alcino Soutinho e marcas do pintor Júlio Resende e do escultor João Cutileiro, faz 35 anos. Há comemorações oficiais e o programa das festas, centralizado na próxima quinta-feira, feriado de 8 de Dezembro e aniversário da inauguração, pode ser consultado aqui e aqui. Para quem não se lembra ou tem tendência para esquecer, o projecto foi escolha de Narciso Miranda, o Presidente. E foi com ele que a obra se fez.

Abaixo de Braga

Mandaram-no abaixo de Braga e ele foi. Quando chegou a São Martinho de Dume, telefonou a perguntar se já chegava...

P.S. - Hoje é Dia de São Martinho de Dume. E também é Dia de São Geraldo, mas o cinema é mesmo no centro da cidade e portanto não se presta à pilhéria.

La belle de jour

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 4 de dezembro de 2022

Às vezes parecem parvos

"Cada carro que passa na A24 custa 79 euros ao País", revelava o influente semanário, em título, na sua primeira página, sempre atento e de calculadora na mão. Portanto, é só fazer as contas, um carro custa 79 euros, dois carros custam 158 euros e 200 carros custam 15.800 euros. Ao País. Isto é: quantos mais carros passarem na A24, maior é o prejuízo. Para o País. Se não passar nenhum carro, fica ela por ela. O que é porreiro para o País. Resumindo e concluindo: os jornais às vezes parecem parvos.

Isto a propósito de. O primeiro contrato para a construção, conservação e exploração de auto-estradas em regime de concessão foi assinado entre a Brisa de Jorge de Brito e o Estado no dia 4 de Dezembro de 1972, faz hoje cinquenta anos. E assim começou o prejuízo. Para o País.

Frank Zappa e o azar do dia de hoje

No dia 4 de Dezembro de 1971, em Montreux (Suíça), um incêndio provocado pelo disparo de um foguete de localização destruiu o casino onde tocavam Frank Zappa e os Mothers of Invention. A visão do incêndio foi fonte de inspiração da icónica canção "Smoke on the water" dos Deep Purple, que assistiam ao concerto de Zappa, na plateia, mesmo em frente ao palco.
No dia 4 de Dezembro de 1993, Frank Zappa morreu vítima de cancro na próstata, pouco antes de completar 53 anos.

À bolachada

A bolacha maria, torrada ou não, apareceu tarde na minha vida. Bolacha era luxo que não entrava lá em casa, e o mais parecido que a nossa mãe nos dava em pequenos era broa ou biju, e o biju já era um mimo. O caso só mudou de figura quando nasceu o nosso Lando. O Lando é o mais novo de quatro irmãos, decerto por isso teve direito a mordomias que os três anteriores nem sequer suspeitávamos, e as bolachas vieram com ele.
Entre outras alcavalas, o Landinho até fazia anos, coisa extraordinária, enquanto a nós só nos era permitido ficarmos mais velhos, somarmos dias, que remédio e a seco. Ao menino, a nossa mãe organizava-lhe uma festinha de aniversário, havia convidadozinhos, e do pequeno lanche constavam, só me lembro disso, umas curiosas sandes de bolacha maria com marmelada dentro, tipo oreos mas melhores e de fabrico caseiro. Eu, já espigadote, metia a mão sorrateira e rápida à passagem pela mesa, e foi assim que ficámos a conhecer-nos pessoalmente, eu e elas. As bolachas. Que estavam contadas, para mal dos meus pecados...
Mas não era de bolachas que eu queria aqui falar. É de bolachos. E o bolacho, faço deste já notar, é pitéu absolutamente indispensável, muito mais do que mero ornamento, nuns rojões à moda do Minho que se pretendam com todos os matadores. O bolacho é, versão curta e grossa, uma espécie de pão cilíndrico feito com farinhas de trigo, milho e centeio, a que se junta sangue de porco, fermento, caldo de carne, pimenta e cominhos. Depois de levedada, a massa é cozida em água temperada com sal, salsa, folha de laranjeira e louro. Cumprida a cozedura, o bolacho é cortado em rodelas e frito em pingue. O bolacho pode também chamar-se farinhato, pilouco, bica e, principalmente, beloura.
Mas também não era deste bolacho que eu queria aqui falar. É do bolacho de trigo. Do pão de cantos. Do pão de quatro cantos. Do trigo de ovelhinha. Do pão de padronelo. Desse. Esse fantástico pão, duro como cornos, que era vendido porta a porta em Fafe por umas senhoras que, dizia-se, vinham de Amarante. As abençoadas senhoras traziam enormes cestas à cabeça e dentro das cestas, carinhosamente envolto em toalhas de linho, o precioso pão. Um pão de longa duração que a minha querida avó de Basto guardava com todos os cuidados e também toalhas de linho na caixa de madeira que era o cofre e o frigorífico das coisas valiosas e boas numa terra por onde Jesus Cristo ainda não tinha passado e portanto não havia electricidade. Assim acondicionado, o pão aguentava-se bem uma semana ou mais e só era comido com o matinal café, que era cevada, aos domingos, feriados e dias santos. De resto, broa, que era o pãozinho do Senhor.
Leio agora que o bolacho é de ovelhinha porque teve a sua origem no lugar com aquele nome, Ovelhinha, na freguesia de Gondar, Amarante. E de padronelo porque decerto será sobretudo nesta outra freguesia amarantina, Padronelo, que hoje em dia ele é produzido e comercializado. Quanto a bolacho, é-o não sei porquê.

P.S. - Eu sei que é repetido, e pode até enjoar. Mas hoje é Dia da Bolacha, e contra isso nada!

Karate kid 2

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 3 de dezembro de 2022

Complexo de culpa

Como todo o bom católico, ele tinha um grande complexo de culpa. Edifício principal, duas unidades de produção, quatro armazéns, uma garagem com oficina, refeitório e zona social, parque de estacionamento e parque florestal, abrangendo uma área total de 51 hectares. Era realmente um enorme complexo.

Ela e o mar, dançando

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Quanto mais alto, melhor

Ouço a poderosa Abertura 1812, de Tchaikovsky, e é como se fosse o Minho, o meu Minho. Isto é: quanto mais alto, melhor.

Comer 243 sardinhas é muito?

Comi 243 sardinhas assadas! Isso, duzentas e quarenta e três. Não foi para o Guinness, portanto não as comi todas de uma vez, mas ao longo da época de 2022, que dei por encerrada faz hoje oito dias. E como é que eu cheguei a esse número tão quadrado sem ter de as contar uma a uma? É fácil. Logo que entrados no tempo delas, sexta-feira ao jantar é dia de sardinhada cá em casa. Sardinhas, salada de pimento vermelho assado, azeitonas, broa e vinho tinto, mais nada. Este ano abrimos as hostilidades no dia 29 de Abril e fechámos a loja, como já disse, a 25 de Novembro. Foram trinta e uma sextas-feiras. Se a estas tirarmos quatro, derivado ao mau tempo, a feriado ou a santo popular, ficamos com vinte e sete sextas-feiras limpas. Tendo em atenção que eu como, em média, nove sardinhas assadas por refeição, é só fazer as contas, como dizia o Guterres, e dá 243. Sim, duzentas e quarenta e três.
Sempre sardinhas aqui do nosso mar, mais pequenas mas mais saborosas, e vou buscá-las praticamente ao barco. Elas não se cansam a esperar por mim. Eu é que espero por elas, vivinhas que até metem raiva. E este ano as sardinhas foram outra vez excelentíssimas - abençoado defeso, que no-las devolveu à moda antiga.
Os antigos diziam que Maio, Junho, Julho e Agosto são os melhores meses para comer sardinha assada, mas não são. Como eu costumo lembrar, os antigos sabiam tudo e morriam muito. As sardinhas daqueles meses, dos meses sem "r", apesar de geralmente comestíveis e até agradáveis, ainda não estão maduras. A lengalenga popular é engodo para apedeutas. Eu também aprecio a novidade, mas, em bom rigor, as melhores sardinhas estão guardadas para Setembro e Outubro, aguentando-se às vezes até Novembro. Eu monitorizo-as sexta a sexta, e faço por parar ainda em bom, prevenindo o indesejável porém fatal desgosto. Foi o que fiz mais uma vez. Parei. Agora, sardinhas assados, só para o ano. E entretanto arquivo na memória um gosto bom que faço render contando histórias de crescer água na boca. Assim que tal, Abril ou Maio, os meus amigos do mar hão-de avisar-me para a urgência da retoma...

Uma vez, na peixaria da Dona Augusta, seria exactamente mês de Abril aqui há uns anos, uma senhora perguntava se "As sardinhas..." e foi logo interrompida pela minha peixeira, que lhe respondeu "Estão muito boas, as sardinhas ainda estão boas". Por acaso não estavam, naquele ano de colheita medíocre, lembro-me bem, mas a peixeira tem de fazer pela vida. Eu trouxe biqueirão.
Já experimentaram, decerto já, tirar a cabeça aos biqueirões, abri-los pela barriga retirando-lhes a espinha, que sai muito facilmente, temperar estas "costeletas" com sal, pimenta preta moída na hora, limão e um quase-nada de alho picado, e deixá-los neste preparo aí umas quatro horas, duas para cada lado? E depois passá-los por ovo e pão ralado e fritá-los sem deixar queimar? E fazer entretanto um arrozinho de bacalhau com trocinhos de tronchuda? Arroz carolino, já se sabe, que se transforma com o peixinho num verdadeiro manjar de deuses. Mas decerto já experimentaram.
Dica: as espinhas saem ainda mais facilmente se os biqueirões forem do dia anterior. Mas, para mim, peixe ou é do dia ou já não é peixe. Em miúdo, muito gostava eu de ouvir às peixeiras de Fafe o pregão "É da biba, olha a bibinha", e ficava-se logo também a saber que as sardinhas nesse dia seriam mais caras. Mas eram "como prata". Nós comíamos as sardinhas acomodados às três pancadas ao lado do assador, no nosso quintal da casa de pedra da Rua do Assento. Seriam poucas as sardinhas, mas a verdade é que davam para partilhar com os vizinhos e ninguém ficava com fome.
Hoje tenho a sorte de morar em Matosinhos, a dois passos do porto de pesca e da lota. O mais das vezes trago para casa peixe vivo, literalmente vivo, que os pescadores dos barcos pequenos estão a acabar de entregar. O que me levanta alguns problemas, operacionais e... de consciência. Um dia eu e uma solha metemo-nos numa luta cujos pormenores não conto nem quero lembrar. Ganhei, mas portei-me mal. E só à mesa é que me perdoei.

Descobri recentemente que a minha peixeira, que é a melhor peixeira do mundo, a impagável Dona Augusta, tem pelo menos um cliente que vem propositadamente de Fafe. Encontrei outro dia o Toni, que, contou-me, todas as terças-feiras vem buscar peixe para o sobrinho e, já agora, para o meu amigo Tónio Cá Te Espero, que tem tasco de categoria na Recta, que parece que se chama Taberna do Cates, ali à beira de virar para a casa da minha irmã, e de momento, felizmente, também da minha mãe. E eu, palavra de honra, quase me comovi ao saber disto.
E agora, quer-se dizer. Não sei se repararam lá em cima, mas eu não como sardinhas assadas por ocasião dos santos populares. Não como, porque geralmente não são das nossas, nem frescas. Não como, porque não gosto de balbúrdias, por um lado, nem de me meter em filas, por outro. Não como enfim, por uma questão de princípio, devido à indecência do preço a que costumam ser vendidas nesses dias. É. A procura estraga a oferta. Pelo São João, já há alguns anos, alugo um jacto particular, pego na mulher e vamos ao Maine, EUA, comer lagostas à ganância. Sempre nos fica mais em conta do que as sardinhas...

P.S. - Ontem foi Dia da Restauração. Aqui fica a minha singela homenagem ao sector.

Escola de cãodução

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Os defenestráveis

O que eu gosto mais no 1.º de Dezembro é do episódio do defenestrado. O traidor à Pátria que, com a revolução à porta, escondeu-se no armário e acabou crivado de balas e lançado janela fora. Miguel de Vasconcelos era odiado pelo povo, porque, sendo português, andava a mando do estrangeiro e castigava Portugal com pesados impostos.
E hoje, se Portugal de repente se tornasse independente, como seria? Varejando os corredores dos ministérios, quantos se safariam?...

Guerra da Restauração

Quando a Guerra da Restauração entre Portugal e Espanha terminou e pediu a continha, em 1668, foi deveras porreiro. Os espanhóis começaram a vir comer bacalhau a Valença e os portugueses passaram a ir às bandejas de marisco a Vigo. Foi bom para o negócio e, entre mortos e feridos, salvaram-se consideráveis estabelecimentos.

Karate kid

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Como quem entra no céu

Transpôs a porta sagrada, procurou instintivamente à direita a piazinha de água benta que não encontrou, genuflexou e benzeu-se num silêncio e num respeito que só vistos, caminhou lentamente até à estante, no mais profundo recolhimento, pegou no livro como quem pega em asa de borboleta ferida, afagou-o, ao livro, abriu-o como que a medo, em ângulo recto não mais, folheou-o sem destino mas com mil cuidados, contemplativo, num deleite adivinhatório de santidade gozosa. Tinha acabado de entrar numa livraria.

P.S. - Hoje é Dia das Livrarias, que há quem diga Dia da Livraria e do Livreiro.

Assis Pacheco, vejo-o por aí

Que sortudo que eu sou. Acabei de me encontrar, agora mesmo na RTP2, com o Fernando Assis Pacheco, com o Paco Feixó e com outros velhos amigos do lado de cá do Minho que eu tanto estimo e já não via há que tempos e não me conhecem de lado nenhum. Gajos porreiros. Gajos porreiros, caralho! Para além de me matarem as saudades que tinha deles, tornaram-me à minha querida Galiza. Não é preciso ter sorte?

Infelizmente aquilo foi há doze anos. Tornei a ver o Fernando aqui atrasado outra vez na RTP2, que é o nosso sítio de encontro, sítio único, encontros raros, mas ao Paco nunca mais. À Galiza, vou lá um destes dias, se Deus quiser, e vou beber um copo pelos dois.

P.S. - Fernando Assis Pacheco morreu no dia 30 de Novembro de 1995.

Pessoa colectiva

Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Bernardo Soares, Alexander Search. É daí que vem.

P.S. - Fernando Pessoa morreu no dia 30 de Novembro de 1935.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Phone... home... (como dizia o outro)

Foto Hernâni Von Doellinger

Eu vi um ovni, e vi-o claramente visto

Foto Hernâni Von Doellinger

Uma vez eu vi um disco voador. Vi, fotografei e publiquei - porque estas coisas são como as partes baixas, não se dizem, mostram-se! Lembro-me como se fosse no dia 14 de Janeiro de 2013. Apresentei no Tarrenego!, em exclusivo mundial, o retrato indesmentível de um opni pairando sobre o mar do Porto, do lado direito do Castelo do Queijo, com o Parque da Cidade pelas costas. Ninguém quis saber.
Semana e meia depois, o Correio da Manhã, jornal de todos os espantos e outros antiportismos, viu um ovni na América. Um ovni que, devidamente esmiuçado, não passava de "um raio resultante de um efeito luminoso" - assim explicado por especialistas. E no entanto, graças ao Correio da Manhã, o ovni americano que nunca existiu foi um sobressalto nacional. O Correio da Manhã faz tudo de uma coisa de nada. E faz nada quanto a decoro, respeito e deontologia. Deixo de fora a compaixão, que realmente não é chamada aos jornais.
Já o meu opni passou incógnito. Não era Cascais, era no Porto, resvés com Matosinhos, e por isso ninguém ligou. Nem as agências internacionais nem o Correio da Manhã: não metia Pinto da Costa nem suicídios semelhantes, portanto não interessava para nada. E assim desperdiçamos o pouco que vamos tendo, até o que nos cai do céu, e é por estas e por outras que este país não vai para a frente.
É o que eu estou farto de dizer: dá Deus ovnis a quem não tem dentes.

P.S. - Hoje é Dia do Planeta Vermelho, por isso ponham-se à tabela. A fotografia lá de cima é fidedigna e eloquente: reparem que o mar até descai para a direita (há quem lhe chame lado da retrete), o que acontece normalmente com bilhares mal calçados e no decurso de avistamentos comprovados.

Eles andem mesmo aí!

Foto Hernâni Von Doellinger

Havendo vida em Marte

Havendo vida em Marte

Havendo vida em Marte suponho que haja intrigas. Beijo, brejo, pouco nexo… mar imenso, suicidas.
Havendo vida em Marte suponho que haja mídia. Césio, tédio, prédio, sexo… pouco senso, pesticida.
Havendo vida em Marte suponho que haja brigas.
Havendo vida em Marte suponho que haja morte. Dor, enfarte à la carte… internet, fone, sorte.
Havendo vida em Marte suponho que haja corte. Belas-artes, vôo charter, Robocop fraco forte.
Havendo vida em Marte suponho que haja morte.


Itamar Assumpção, "Cadernos Inéditos"

Eles andem aí!

Foto Hernâni Von Doellinger

Os portugueses, as notícias e o Facebook

Quando os portugueses procuram notícias na Internet, vão ao Facebook, dizia um estudo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), de acordo com a rádio Antena 1. Ora bem: eu já li e ouvi chamar muitas coisas àquilo que as portuguesas e os portugueses realmente procuram no Facebook, mas "notícias", confesso, foi a primeira vez. Portanto, não me fodam! Quero dizer: não me "noticiem"...

P.S. - Hoje é Cyber Monday, mas eu não tenho culpa.

domingo, 27 de novembro de 2022

Nenucos, praticamente...

Foto Hernâni Von Doellinger

Aos domingos de manhã eles lá estão. Jogam à bola porque gostam, são amigos e compinchas, para além disso dá-lhes imenso jeito ganhar apetite para o almoço, Deus os farture e lhes mantenha a figura. Jogam a sério, com árbitro, capitães de equipa, minuto de silêncio, massagista, minis frescas e tudo. Há os da praia seca e lá ao fundo, no beijo das ondas, os da praia molhada. A paixão pelo futebol é a mesma, tremenda e pura. São amadores como quer dizer a palavra. Eles são o meu Mundial e jogam futebol na praia - não confundir com futebol de praia. Na Praia de Matosinhos, fora da época balnear, e ali nasceram heróis.

Dos "bebés do Leixões", já ouviram falar? Dessa ínclita geração de jovens génios da bola, conta a lenda que descobertos exactamente ali naquele areal, miúdos campeões do muda-aos-cinco-e-acaba-aos dez, pelo primeiro e mais competente olheiro do mundo e de todos os tempos, mestre Óscar Marques, que depois os entregava trabalhadinhos e já no ponto ao treinador António Teixeira? Anos sessenta-setenta do século passado: Adriano, Barros, Chico (Faria), Fonseca, Horácio, Neca, Nicolau (Vaqueiro), Praia - jogadores do melhor que Portugal teve ou alguma vez terá. E a seguir vieram os Albertinos, os Frascos e outros que tais. Estão a ver?
Pois os das manhãs dos meus domingos não são nada disso e tampouco lhes sei os nomes. Afinfam-lhe com assinalável pertinácia quando acertam na bola, há que dizê-lo com toda a frontalidade, mas vê-se logo que não passaram ao lado de uma grande carreira. Os outros, baptizados pelo famoso jornalista Alfredo Farinha, eram os "bebés do Leixões" e quando cresceram saltaram para o Benfica, para o Sporting e para o Porto (assim ordenados naquele tempo, a bem da Nação). Estes, os meus, notoriamente não são bebés, não sei de onde vêm nem para onde vão - mas juro que também são uma coisa bonita de se ver. E são nenucos, praticamente...

Mulheres à beira-mar

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 26 de novembro de 2022

Mortinho por fazer figura

Um folheto que me foi metido na caixa do correio convida-me a escolher "um Plano Funerário adequado". Adequado a quê e para quem?, se conto estar morto quando for o meu funeral e quero lá saber de mordomias póstumas. Diz que há um "Plano Magno", praticamente como o gelado, um "Plano Essencial", que não faz bem nem mal, e um "Plano Popular", como o ex-CDS. Em qualquer dos casos, são garantidos "serviço personalizado a partir de 995 euros" e uma vasta "experiência", o que também deixa muito mais descansado o defunto mais exigente.
A caixa do correio mete-me medo. Não tanto pelas contas da luz, da água ou do condomínio (embora, rústico que continuo a ser, pagar condomínio ainda me faça uma certa confusão), mas mais pelos avisos das Finanças e do Tribunal. Ainda por cima é uma galdéria, a minha caixa do correio, escarrapacha-se a todos, até aos da pior espécie: aos que perguntam pelo meu ouro e eu não os conheço de lado nenhum, aos que me pedem o meu voto e não me conhecem de lado nenhum, aos que querem comprar a minha casa que eu não quero vender, para já, aos que me querem vender uma casa que eu não quero comprar, para já, aos que querem querem querem que eu troque de Deus, e agora até aos que me querem vender a minha morte como se soubessem alguma coisa da minha vida que eu não sei.
Vamos lá com calma. Eu sei que ninguém fica cá para a semente e que se alguém ficar sou eu (mas não é isto que aqui interessa). Sei que fatalmente já por cá andei mais tempo do que ainda vou andar. Mas, com franqueza, a vida é tão boa e dá-me tantas consumições, que tenho mais que fazer do que pensar na morte, do que organizar a minha morte. Quando eu morrer (se morrer), logo se verá. Eu é que já não verei, e não me faz diferença nenhuma. Essa é a herança que deixo de bom grado a quem me sobreviver. Se alguém houver.
Por outro lado: a ofensiva cangalheira aguçou a minha curiosidade. Esse é o truque do marketing, mesmo do marketing de trazer por casa. Porta a porta. Admito que estou a pensar pedir um orçamento para a minha morte. Seduziu-me aquela coisa da "Medalha Impressão Digital", que não sei o que é mas deve ser muito bom para o morto. E também quero que me expliquem muito bem explicadinho o "Contrato de Funeral em Vida". Isso é legal? E é saudável? Funeral em vida? Dasse!...

P.S. - O decreto de reorganização da saúde pública, que proibiu o enterro nas igrejas e o impôs nos cemitérios, foi publicado no dia 26 de Novembro de 1845.

Susto de morte

Era um defunto que dava gosto: parecia que estava a dormir. E estava. Quando acordou, morreu do susto.

O testamento

O notário vacilou. Mas leu. O defunto deixava beijos e abraços. Distribuídos pelos inúmeros herdeiros em fracções de zero a 145, consoante o julgado merecimento de cada qual. Dinheiro não havia. Tinha ido todo em copos. E em beijos e abraços.

O retrato do falecido

Manifestamente incomodado, o morto levantou-se e disse: - Mas quem caralho deu a minha fotografia ao Correio da Manhã?...

Alma do negócio

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Deixe estar, que está quentinho

Hoje é Black Friday e é Dia de Lembrança das Compras e é Dia de Não Comprar Nada. Confuso? Como o tolo no meio da ponte e sem saber para onde se virar? Então vá por mim, fique em casa, não saia sequer da cama. O tempo está uma merda e é dinheiro que poupa.

Berardo não está só

Olhemos para Joe Berardo exactamente. Berardo fez-se milionário sob o alto patrocínio da Caixa Geral de Depósitos. Sei isto de fonte segura: foi o próprio Berardo quem mo contou. A sua primeira poupança foi uma conta que a mãe lhe abriu na Caixa, em 1962, na Madeira, com dois mil escudos (dez euros), teria ele então 18 anos. Uma semente. Uma conta que se manteve aberta e que nunca parou de crescer. Um casamento frutuoso, posto que de conveniência. O saldo de Berardo na Caixa já ia aqui atrasado em mais de 280 milhões de euros, realmente uma fortuna, mas de dívida. Joe Berardo devia ao banco público mais de 280 milhões de euros, que se soubesse até àquele então, na sequência de empréstimos manhosos que lhe deram de mão beijada e que ele agora não consegue ou não lhe apetece pagar. À banca portuguesa em geral, o comendador Berardo deve quase mil milhões de euros. Uma batelada de massa de que eu nem faço ideia. E tudo começou com apenas dois contos. Parece ilusionismo, número de circo. É por isso que ele se ri tanto e faz pouco do País. Ele é o homem que conseguiu dar o golpe do baú... à Caixa.
Por outro lado, dou valor ao Berardo. Ele deve aqueles camiões, navios e aviões todos cheios de dinheiro - só assim é que me oriento -, ri-se olimpicamente e é um homem rico. Eu não devo um cêntimo a ninguém, ando zangado com a boa disposição e sou um homem pobre. Quem me dera ser empresário!

Hoje é Dia Nacional do Empresário. O empresário nacional, essa espécie. Gente de aparecer e meninos para o preciso. E são mais que as mães. É. Joe Berardo não está só. Porque, quem diz Berardo, diz Oliveira e Costa, Ricardo Salgado, João Rendeiro, Dias Loureiro, Duarte Lima, Miguel Relvas, Horta e Costa, Jardim Gonçalves, Luís Filipe Vieira, Pinto de Costa, José Sócrates, Armando Vara, Manuel Pinho e assim sucessivamente.

Batem leve, levemente

São cada vez mais os casos sabidos de violência contra mulheres e crianças. Uma vez, aqui há uns anos, Deolinda Barata, da Sociedade Portuguesa de Pediatria, disse na televisão que a culpa é da crise. Os homens ficam desempregados e portanto batem nas mulheres. Os filhos levam por tabela.
Eu também sou contra o governo, por uma questão de princípio. Mas, palavra de honra, esperava dos alegados entendidos uma conclusão sensata e minimamente articulada sobre o assunto - e esta não é. O que a doutora Deolinda disse é o fácil, está à mão e é de esquerda, podia até ser dito por mim, esquerdista às vezes e incorrigível cultor do lugar-comum a tempo inteiro. Infelizmente, a questão da violência doméstica, sobre adultos ou menores, tem muito mais que se lhe diga. A crise não explica tudo. E não desculpa tudo. Falamos de filhosdaputa e isso é apenas o princípio da conversa...

P.S. - Hoje é Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres.

A murro

Batata a murro apresentou queixa por violência doméstica.

Chamem a polícia!

Chegou a casa e, como de costume, bateu à porta. Desta vez, a porta da vizinha chamou a polícia.

Ó mãezinha!

Bateu à porta e disse: agora vai fazer queixa à tua mãezinha.

Eras o céu e o mar

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

A televisão do Mundial

Eu não sabia se havia de ver a Sport TV, que é a televisão do Mundial, a RTP, que é a televisão do Mundial, a SIC, que é a televisão do Mundial, a TVI, que é a televisão do Mundial, ou o Canal 11, que é a televisão do Mundial. Agora já sei: vou ver os desenhos animados no Canal Panda.

O futebol, cientificamente provado

A primeira fase de construção de jogo, por exemplo. Dá que pensar, não dá? Desde logo: com quantas fases se constrói o jogo? Com quatro, como as fases que constroem a Lua? Com três, como na electricidade? Com onze, como a camisa de varas? Ou não se sabe, como na canoa? Por outro lado: há um terço do terreno específico onde a primeira fase de construção de jogo deva preferencialmente ocorrer para ser assim chamada? Ou, dito de outra forma: uma fase de construção de jogo efectuada no segundo ou no último terço do terreno é tão fase de construção de jogo como tendo acontecido no primeiro terço, ou, assim avançados, já estaremos no campo da desconstrução de jogo? E a desconstrução de jogo, a propósito, tem também fases ou é mais certinha?

E o último terço do terreno, ele próprio? O último terço do terreno será apenas o terço que o defunto leva nas mãos para a cova, como levianamente preconizam alguns infiéis? Não creio. De acordo com renomados autores, o último terço do terreno é o primeiro terço do terreno. Mas a comunidade científica ainda não chegou a um consenso. Tendo em atenção que o último (ou primeiro) terço do terreno é aquele espaço que vai desde a linha de fundo ou de baliza até à linha imaginária que fica equidistante da linha de grande área e da linha de meio campo, eu sustento, e creio que o consigo provar sem deixar margens para dúvidas, que o terço do terreno dá para os dois lados, como certas e determinadas pessoas, consoante se ataca ou se defende. Advirto, no entanto, que esta é uma opinião meramente pessoal, que não vincula o Tarrenego!, ainda sem posição oficial sobre o assunto. É o meu modesto contributo para um debate que não deve ficar entre linhas.

Foi mais um momento de inteligência e reflexão futebolística. De cultura científica. No próximo programa vamos debruçar-nos sobre a intrigante problemática da transição rápida. Para tentarmos perceber, nomeadamente, a partir de que momento uma transição deixa de ser rápida e passa a ser assim-assim. E tentaremos responder à questão medular: os processos defensivo, ofensivo e de transição também são julgados em tribunal?

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Ciência e Dia Nacional na Cultura Científica.

Espanto gastrointestinal

Ele era vegetariano e cagava postas de pescada. A ciência nunca soube explicar o fenómeno.

A ciência (e o jornalismo) em todo o seu rigor

Dizia o jornal de referência: "Dormir mal pode ser um sinal de Alzheimer". Pois pode. Mas também pode não ser.

A ciência

Cientificamente provado: o álcool afecta de forma diferente o homem e a mulher. O mercurocromo não.

Ovos de galo

A ciência ainda não encontrou uma resposta. Porque é que os ovos de galo são maiores do que os ovos de galinha?

O orador

- Profissão?
- Orador.
- Faz discursos?
- Rezo pai-nossos.

P.S. - Hoje é Dia de Acção de Graças.

Ripa na rapaqueca!

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Adopte uma árvore!

Hoje é Dia da Floresta Autóctone. Das nossas árvores. Da árvore de seiva pura portuguesa. Se não tem em casa, vá ao monte e corte uma.

Branca de Neve e a floresta autóctone

Branca de Neve brincava às casinhas com a casa dos sete anões. Com os anões brincava aos médicos, há quem diga. E a casa era na floresta.
Capuchinho Vermelho ia levar o merendeiro à Avozinha, mas apareceu-lhe o Lobo Mau que a queria comer a ela, Capuchinho. E a casa da Avozinha era no meio da floresta.
Se alguém souber dizer onde eram as casas dos Três Porquinhos, não me admiraria que fossem na floresta. E, já agora, "porquinhos" porquê? E a floresta era autóctone?...

Stultorum infinitus est numerus

Depois de gastar o seu latim, gastou também o seu grego. E nem assim...

P.S. - No dia 23 de Novembro de 1964, faz hoje 58 anos, o Vaticano publicou a abolição do latim como língua dos ofícios católicos.

Declinando

Depois de deixar o Governo, ofereceram-lhe um emprego muito jeitoso na administração de um banco. Bem pago e sem precisar sequer de lá ir. Ele, vertical, declinou. - Lingua, linguae, linguae, linguam, linguā, lingua... - disse.

Ora é o céu que é um mar

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 22 de novembro de 2022

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

E se o olá for outra vez um beijo?

Dizem-me que as palavras já não valem nada. Mentira. As palavras são cada vez mais poderosas, as palavras dominam as nossas vidas. As palavras até tomaram o lugar dos afectos, dos carinhos. Reparem. Antigamente davam-se beijos, davam-se abraços. Agora dizem-se beijos, dizem-se abraços. O gesto ancestral e puro foi substituído pela retórica etiquetada, o contacto físico acabou vergado ao esboço da intenção - à simulação. À dissimulação?
Dizemos "Beijinhos", dizemos "Abraço", dizemos olá de boca, e assim ficamos. Pelas palavras. Beijos e abraços são só vocábulos. Mantemos uma distância alegadamente higiénica entre nós, os alegados amigos uns dos outros. Dizemos. Ao telefone, por escrito, ao vivo na pressa da rua, na patetice dos emojis. Dar a sério (à séria, se lido em Lisboa) é que não. Ninguém dá nada a ninguém - nem sequer beijos, nem sequer abraços. Fazemos votos de. "O que lhe estimo é um beijo", "Desejo-lhe um excelente abraço"...
É. Olhem bem à volta: as palavras estão em alta, navegam de vento em popa. As palavras. O que verdadeiramente está em crise é a palavra, a palavra singular e definitiva, essa vaga memória de uma honra démodée que se arrasta pelas ruas da amargura - abandonada, pobre, cega e nua. Mas isto, claro, sou eu a dizer e são apenas... palavras, palavras, palavras.  

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Olá, ou provavelmente do Oi, após acordo ortográfico.

O céu pode esperar, mas a mesa não

A minha sogra estava a ver na televisão a missa do 13 de Outubro no Santuário de Fátima. A santinha, isto é, a minha sogra, que graças a Deus não padece de fastio, antes pelo contrário, costuma almoçar cerca das 11h30, mas a missinha tomara realmente conta dela, ensimesmada numa tremenda devoção, sem sequer deitar os olhos ao aparelho. Resolvi ainda assim espreitar à porta da sala e perguntar-lhe num sussurro se queria comer à horinha ou se esperávamos pelo fim das cerimónias. - No fim da santa missa!, respondeu-me com rispidez, como sempre e como se por um segundo eu lhe tivesse interrompido o Céu. Pronto: a mesa podia esperar.
Os ponteiros do relógio andaram um quarto de hora, mas a televisão não: a missa continuava no mesmo sítio. Era a comunhão e a fila de comungantes não havia maneira de chegar ao fim. A minha sogra agitava-se, os impasses incomodam-na sobremaneira, especialmente se atrasarem o tacho. Levantou-se então do trono, com aqueles ruídos que fazem parte, e ordenou a todos os seus súbditos, que sou apenas eu, miseravelmente eu: - Vamos mas é comer, que isto é povo sem jeito para a sagrada comunhão!...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Televisão.

Cabelos, dedos, sal e a longa pele

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 20 de novembro de 2022

Brincando com o trabalho infantil

O trabalho infantil é uma tragédia, uma vergonha, sobretudo se a criança ajudar no campo os pais pobres para haver alguma comida à mesa.
O trabalho infantil é muito bem, um orgulho, principalmente se a criança entrar numa telenovela ou se for modelo de moda ou se for imitador de cantores adultos e der na televisão (esta parte da televisão é importantíssima!), enriquecendo os pais remediados.
Depois há ainda as crianças, estas são do piorio, que, órfãs de tudo e até de tecto, fazem sapatilhas de marca para as entrevistadoras e para os entrevistadores da televisão que entrevistam as crianças que entram nas telenovelas e nas passarelas e nas cantigas e para os babados pais, que no fim pedem recibo.
Parece que a diferença está nisto, segundo percebi uma vez no programa Sociedade Recreativa da RTP: os miúdos das telenovelas e da moda e do cançonetismo têm "agente"; os moncosos do campo, das fábricas, da rua, não.

É difícil ser criança

Hoje é Dia Internacional dos Direitos das Crianças. Compreendo a necessidade. Porque. Com tanto cão e gato, realmente é cada vez mais difícil ser criança. 

sábado, 19 de novembro de 2022

Dia do Homem

- Hoje é dia do homem... - disse ele.
- Dói-me a cabeça! - disse ela.

É de homem

O homem-tocha
O homem-tocha mudou de residência. Chamam-lhe agora homem-mealhada.

O homem-bala
Cabisbaixo e de mala na mão, o homem-bala apresentou-se logo de manhãzinha na rulote da gerência. Deixava o circo. Ia embora para casa. Descobrira durante a noite que era objector de consciência.

O homem-máquina
O homem-máquina gripou. Foi ao centro de saúde. Mandaram-no para a oficina. Evidentemente.

O homem de ferro
O problema do homem de ferro era o sexo. Não ia lá sem lubrificação.

O homem-aranha
O homem-aranha morreu. Vítima de uma teia de interesses, é o que consta.

O homem invisível
O homem invisível desapareceu. E nunca mais ninguém lhe pôs a vista em cima.

O homem de gelo
O calcanhar-de-aquiles do homem de gelo era o Verão. Assim um bocado como o Ferrero Rocher...

O homem-crocodilo
Despedido pela Lacoste, o homem-crocodilo fez-se à vida e foi com a mulher vender nas feiras. Mas bastante contrafeito.

Homem que é homem

Alto e bom som
Homem que é homem não dorme. Ressona.

Autossuficiente
Homem que é homem não quer nada com mulheres.

Maricas
Ficava-lhe mal como homem. Só andava com mulheres.

Mãos de fada
Homem que é homem não joga à malha. Faz.

Mãos de fada 2
Homem que é homem não compra camisola de lã com decote em bico e revesil inglês. Faz ele mesmo.

Caçador
Homem que é homem não teme leão. Os ratos é que podem ser problema.

Coçador
Homem que é homem coça os tomates. E cheira os dedos

Peitudo
Homem que é homem faz peito. E amamenta.

Liberado
Homem que é homem gosta de mamas grandes. Mas não usa sutiã.

Valente
Homem que é homem não chora. Mas mama.

Ó môr, môr!
Homem que é homem chama Patusco ao gato e Piloto ao cão. Nada de nomes abichanados! E, sim, à mulher pode chamar môr.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

Poderosíssimo

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Costa a Costa 2

Quanto à disputa entre o ex-governador do Banco de Portugal e o primeiro-ministro, evidentemente um deles está a mentir. E eu acho que é o Costa.

Abençoada pastelaria

Comeu um cardeal, dois jesuítas e três seminaristas. Bebeu quatro taças de Casal Garcia, persignou-se e deu graças a Deus.

São uns pontos

Diz o ponto cardeal ao ponto de rebuçado: não te armes em papa.

E assim sucessivamente

A primeira vez, o segundo galarza, o terceiro homem, o quarto poder, a quinta dimensão, o sexto sentido, o sétimo céu, a oitava maravilha, a nona sinfonia, o décimo mandamento, o décimo primeiro alien, o décimo segundo jogador, o décimo terceiro mês, a décima quarta temporada, a décima quinta edição, o décimo sexto colosso, o décimo sétimo andar, a décima oitava emenda, o décimo nono arcano, o vigésimo da lotaria, o vigésimo primeiro batalhão, o vigésimo segundo aminoácido, o vigésimo terceiro álbum, a vigésima quarta hora, e assim sucessivamente.

P.S. - A Lotaria Nacional foi criada pela Misericórdia de Lisboa no dia 18 de Novembro de 1783. Doze por cento dos lucros revertiam a favor dos Hospitais Reais dos Enfermos e dos Expostos.

Fazer o quatro, pintar o sete...

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Costa a Costa

Nisto da disputa entre o ex-governador do Banco de Portugal e o primeiro-ministro, eu devo dizer que sou pelo Costa.

Estudantes de todos os países...

Hoje é Dia Internacional dos Estudantes. Internacional! E eu grito: - Estudantes de todos os países, uni-vos! Com cola! Com cola...

A vida tal como ela é

Freguês assíduo das bifanas da Conga e produtos correlativos nomeadamente codornizes, tinha uma filosofia de vida a que nunca se exima, por mais adversas que fossem as condições. E essa filosofia essencial era - Mais vale um pássaro no prato do que duas mãos a voar. E mais dois fininhos, se faz favor.

O filósofo

Ele ensinava: o pior da morte é que a vida deixa de fazer sentido.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Filosofia.

Fotografia: arma de amor

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Povo que lavas no rio (ou talvez na poça do Santo)

Vamos supor que era a Grand Central Terminal de Nova Iorque e estávamos no quentinho do cinema. Mas na verdade estávamos em Vila do Conde à chuva e era um tanque público no quarteirão da Santa Casa da Misericórdia. Eu passando. Um carrinho de bebé sem condutor sai lentamente do lavadouro, primeiro em câmara lenta como nos filmes e depois, rapidamente embalado pela força da realidade, adeus passeio, vou para a estrada da morte que se faz tarde. Ia. Ia...

(Consegui captar a sua atenção? Pronto, vamos então falar de tanques. Dos tanques públicos e lavadouros oficiosos de Fafe, pelo menos daqueles que eu conheci e de que ainda me lembro. Havia os muito concorridos tanques da Rua de Baixo, servindo também a Granja, ali nas imediações da Esquiça e da Sacor. Para roupas de maior porte, havia os tanques do Matadouro, nos limites da Rua do Maia com a Ponte do Ranha, aproveitando a água e mesmo ao lado do "rio" onde eram lavadas as vísceras e espancadas as tripas e a sola dos animais abatidos, e era um cheiro a sangue e merda que só visto. Um pouco acima, nem meio quilómetro, creio que na mesma ribeira, havia a poça-tanque da Ponte de Pardelhas. No outro extremo da vila antiga, havia os tanquinhos do Bairro da Fábrica de Ferro, que na verdade tinha tudo. Havia o tanque de Santo Ovídio, de que eu soube apenas de passagem. Tornando ao centro, havia a poça do Santo, do Santo Velho, logo a seguir ao casarão brasonado e à capela e antes dos campos de milho onde hoje medram as traseiras da Escola Secundária. E não quero acreditar que zonas tão povoadas como o Retiro, a Cumieira ou a Recta não dispusessem também dos seus tanques ou lavadouros, mas não os sei. Não me lembro deles, pelo menos neste momento, e isto não é uma investigação, levantamento ou trabalho etnoarqueológico, antes pelo contrário.
A minha mãe frequentava diariamente a poça do Santo, ali à mão de semear, e deslocava-se amiúde ao Matadouro, "ao rio", carregada da cabeça aos pés, para as grandes barrelas sazonais. Éramos pelo menos cinco em casa, mãe e quatro filhos, às vezes também a Mila, às vezes também os meus avós, tios e primos e outros parentes de Basto, só a roupa de nós todos já era uma sacada, um fardo. Ainda por cima, a minha mãe tinha a mania de oferecer-se para lavar "umas pecinhas" de alguma vizinha mais velhinha, adoentada ou recém-regressada da maternidade. E houve mesmo uma altura em que, por necessidade, a minha mãe lavou oficialmente para fora, para uma ou duas famílias "ricas", mas nem por isso largou de mão a vizinhança mais aflita.
Era duro. Eu ia com a minha mãe e bem via. Era mesmo muito duro! Tão duro que eu, preguiçoso por idade e por feitio, fazia tudo para "ajudar". Mas não me deixavam. Nem a minha mãe nem as outras lavadeiras, sobretudo estas. Diziam-me, entre cantigas e caralhadas, que os meninos do sexo masculino não podiam lavar roupa. Se os meninos do sexo masculino lavassem roupa - dizia o mulherio -, quando fossem homens não lhes crescia a barba, ó terrível maldição!...
A mim, confesso, nem me aquecia nem me arrefecia, aquilo da barba. Eu já estava por tudo. Faltavam dois ou três meses para eu entrar no seminário, e logo que lá chegasse - também me diziam - iriam capar-me sem dó nem piedade! Então olha, perdido por um, perdido por mil...
E pronto. Está a tocar o sinal para o fim do intervalo.)

Então onde é que eu ia? Quer saber o resto? Já sei: ia no ia. Vila do Conde, carrinho de bebé e tudo. Isso mesmo. Ia...

Naquele momento exacto sinto o primeiro e único impulso de heroísmo de toda a minha vida, voo para o carrinho a pensar na CMTV, na TVI, na CNN, no YouTube, em Marcelo Rebelo de Sousa, na medalha do 10 de Junho, na reforma vitalícia (pensa-se em muita merda numa fracção de segundos), rezo a Nosso Senhor e a Nossa Senhora e a Santiago de Compostela, meu padrinho e protector, falta-me o ar de repente, é o coração que me entope cobardemente a garganta, as pernas tremem-me como varas verdes mas desta vez não falham, voo para o carrinho e agarro-o já no milagroso resvés com um Toyota Yaris que passa nas horas e me enche de nomes, mas é o menos. Graças a Deus. Respiro. A mãe grita, de mãos espetadas na cabeça desgrenhada, Ai o carrinho!, e o pai berra Olha o carrinho!, e dá mais uma puxa no paivante.
O carrinho?, interpelo eu e repito, mais fodido do que outra coisa, O carrinho? E a criança, caralho?, A criança?, as palavras saem-me aos soluços e eu preciso de uma cadeira para morrer ali sentado. Mas qual criança?, dizem-me os dois, com caras combinadas de quem me manda à merda com a senha número um e portanto sem direito a cadeira, Qual criança?, e riem-se afinadíssimos da minha agonia. Tinham praticamente razão: olhei para o carrinho que mantinha nas minhas mãos cerradas e aflitas, o bebé eram quatro passadeiras lavadas, enroladas e ainda pingantes - as quatro filhas da puta pelas quais eu só não faleci prematuramente porque sou um gajo cheio de sorte.

Nota final. A famosa cena do carrinho de bebé descendo a escadaria, com a criança dentro, no meio do tiroteio, em "Os Intocáveis", de 1987, já tinha sido vista em "O Couraçado Potemkine", de 1925, obra maior de Sergei Eisenstein.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Muito obrigado, Senhor Conceição!

Foto Hernâni Von Doellinger

Quase todos os dias, quando faz os seus discretos 10 km matinais para os lados de Matosinhos e do Porto de Leixões, Sérgio Conceição passa pelo zimbório do Senhor do Padrão ali à entrada do terminal de cruzeiros. Mas não passa apenas. Celebra a passagem. Não entra sequer no jardim, creio que para não dar nas vistas, mas, ao iniciar a subida da Rua do Godinho, o treinador do FC Porto deixa de correr, retira o gorro da cabeça e caminha vagarosamente com os seus botões durante dez, quinze metros, voltando depois à corrida e a cobrir-se logo que perde de vista aquele sortílego local de cultos. Ainda há bocado assim foi. Não sei se é fé, se é crendice, se é apego, se é superstição, se é respeito, como diz que é a minha mulher, ou se é tudo isto consubstanciado num sentimento único de gratidão. Não sei. Mas compreendo. O Senhor do Padrão fica-me à mão na minha caminhadazinha higiénica e confesso que, eu e Ele, também temos sempre assunto. Portanto compreendo. E aprecio. Quero dizer, identifico-me. Porque eu também sou sobretudo grato. Por exemplo: de cada vez que Sérgio Conceição se cruza de longe comigo, não me conhecendo de lado nenhum, apetece-se sempre dizer-se alto e bom som, do outro lado do Passeio Atlântico, em nome do meu desmesurado portismo e da minha família inteira, "Muito obrigado, Senhor Conceição!", e certa ocasião ganhei coragem e disse mesmo. A seguir a uma derrota que por acaso me dilacerou o coração, mas disse. Porque sei que Sérgio Conceição dá tudo. Amiúde, até demais. Porque Sérgio Conceição já me deu mais alegrias do que qualquer portista da boca para fora, como eu, merece. Porque, se sou regra geral feliz, devo-o muito a Sérgio Conceição. Portanto disse. É possível que daquela vez as minhas palavras possam ter sido, sei lá, deturpadas pelo barulho da rua e mal-entendidas como insulto ou boca foleira. Não. O que eu disse mesmo, o que eu quis dizer, foi e é: - Muito obrigado, Senhor Conceição!

P.S. - Eu sei que me repito. É da idade, mas não da minha. Acontece que o cidadão Sérgio Paulo Marceneiro Conceição nasceu no dia 15 de Novembro de 1974, e portanto faz hoje 48 anos. Quer-se dizer: para além de obrigado, também parabéns!