quarta-feira, 31 de maio de 2017

António Feijó

Eu e Tu
 
Dois! Eu e Tu, num ser indissolúvel! Como
Brasa e carvão, centelha e lume, oceano e areia,
Aspiram a formar um todo - em cada assomo
A nossa aspiração mais violenta se ateia... 
 
Como a onda e o vento, a lua e a noite, o orvalho e a selva,
- O vento erguendo a vaga, o luar doirando a noite,
Ou o orvalho inundando as verduras da relva -
Cheio de ti, meu ser de eflúvios impregnou-te! 
 
Como o lilás e a terra onde nasce e floresce,
O bosque e o vendaval desgrenhando o arvoredo,
O vinho e a sede, o vinho onde tudo se esquece,
- Nós dois, de amor enchendo a noite do degredo,
 
Como parte dum todo, em amplexos supremos
Fundindo os corações no ardor que nos inflama,
Para sempre um ao outro Eu e Tu pertencemos,
Como se eu fosse o lume e tu fosses a chama.

"Sol de Inverno", António Feijó

(António Feijó nasceu no dia 1 de Junho de 1859. Morreu em 1917.)

Vai, vai, pescador, filho do vento, irmão da aurora 12

Foto Hernâni Von Doellinger

Murilo Rubião 5

Com o crescimento da popularidade a minha vida tornou-se insuportável.
Às vezes, sentado em algum café, a olhar cismativamente o povo desfilando na calçada, arrancava do bolso pombos, gaivotas, maritacas. As pessoas que se encontravam nas imediações, julgando intencional o meu gesto, rompiam em estridentes gargalhadas. Eu olhava melancólico para o chão e resmungava contra o mundo e os pássaros.
Se, distraído, abria as mãos, delas escorregavam esquisitos objetos. A ponto de me surpreender, certa vez, puxando da manga da camisa uma figura, depois outra. Por fim, estava rodeado de figuras estranhas, sem saber que destino lhes dar.
Nada fazia. Olhava para os lados e implorava com os olhos por um socorro que não poderia vir de parte alguma.
Situação cruciante.
Quase sempre, ao tirar o lenço para assoar o nariz, provocava o assombro dos que estavam próximos, sacando um lençol do bolso. Se mexia na gola do paletó, logo aparecia um urubu. Em outras ocasiões, indo amarrar o cordão do sapato, das minhas calças deslizavam cobras. Mulheres e crianças gritavam. Vinham guardas, ajuntavam-se curiosos, um escândalo. Tinha de comparecer à delegacia e ouvir pacientemente da autoridade policial ser proibido soltar serpentes nas vias públicas.

"O Ex-Mágico da Taberna Minhota", Murilo Rubião
 
(Murilo Rubião nasceu no dia 1 de Junho de 1916. Morreu em 1991.)

Vida de cão 221

Foto Hernâni Von Doellinger

Sílvio Duncan

Donzela pudica
 
Há uma barreira entre ti e a vida
e que te dá uma tristeza fundamental.
Por isso te alimentas de fantasmas do sexo
acondicionados em quilómetros de celuloide.
E tua mão é corpo
que substitui teu ventre amuralhado.
E a boca beija-se a si mesma
em soluços de ausência.
E as coxas grávidas de esperança
sonham a destruição do hímen
numa alegria de virtudes mortas.
O contato amante das vestes
te suplicia de pecado
e uma fila de padres negros
reza um réquiem.

"Profetas do Silêncio", Sílvio Duncan

(Sílvio Duncan nasceu no dia 1 de Junho de 1922. Morreu em 1999.)

Offshore, se fashavore 26

Foto Hernâni Von Doellinger

Luis Seoane

As ratas

Na Galiza, ise vello pobo,
carballo carcomido de raios e bestigos,
loita, dende fai séculos,
o home cas ratas.
Coma nos castelos abandoados,
onde xa caíron traves e brasós,
escóitanse queixumes de gonzos ferruxentos.
Dende fai séculos loitan en Galiza
os homes cas ratas.
Vencendo sempre as ratas.
Ate que toda ela fique,
coma ises castelos roiñentos
e os mosteiros sin altares
nin lembranzas de ritos,
sendo soio rondada de morcegos
e pantasmas.
Coberta de edra, de Iabel.
Morándoa soio as ratas.
Somente as ratas.


Luis Seoane

(Luis Seoane nasceu no dia 1 de Junho de 1910. Morreu em 1979.)

Caminho 321

Foto Hernâni Von Doellinger

O caralho é o metro-padrão português

Contente como o caralho, rico como o caralho, bom como o caralho, gordo como o caralho, tolo como o caralho, distraído como o caralho, fodido como o caralho. O caralho é o termo de comparação que o português tem sempre à mão... ou na ponta da língua - consoante. É o nosso metro-padrão. E devia estar guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

P.S.: Se não acharem bem, para mim é igual ao litro...

Ele andou por aí...

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 30 de maio de 2017

Walflan de Queiroz

Poema do mutilado

Não me amem. Mutilaram-me quando vim ao mundo.
Não me olhem. Minhas mãos sangram ainda.
Não tenho presente nem passado, não pertenço a nenhum grupo, partido, seita, ou religião.
Amigos me faltam sempre, nunca inimigos.
As mulheres com as quais eu dormi, assassinaram-me.
Tenho estreita afinidade com os bandidos, os contrabandistas e os gângsters.
Tenho vivido já em várias épocas, não fui aceito por nenhuma.
Meu povo é o de Hamlet, o de Macbeth, e o de Ricardo III.
Detesto a chuva, o mar e o crepúsculo.
Amo somente a noite.
Amo somente minha solidão.
Não me amem. Sou um homem mutilado pelo sofrimento.
Não me olhem. Tenho no rosto os estigmas da crueldade.
Não tenho presente nem passado, não pertenço a nenhuma vida e nem a nenhum coração.
Faço poemas apenas porque sou um homem mutilado.

"O Tempo da Solidão", Walflan de Queiroz

(Walflan de Queiroz nasceu no dia 31 de Maio de 1930. Morreu em 1995.)

Lugares-comuns 536

Foto Hernâni Von Doellinger

Domingos do Nascimento

Versos de um decadente

Grotas vencendo, túneis bifurcando,
Garimpa o comboio o Cubatão - parece
Uma enorme serpente aos silvos curveteando,
Guizos tinindo, a cauda e S...

Alma! Contempla o vasto panorama.
Ergue o olhar, se inflama,
Vê como rola célere a torrente...

Rilha o comboio, rilha sobre os trilhos,
Ringe entreabrindo a luz, ronda fechando a treva;
Salta os abismos, rasga as densas matas.
Na corrida precipite que o leva,
Rilha o comboio, rilha sobre os trilhos,
Entre rumores de cascatas...

Chéu... Chéu... Chéu...
Uma nesga de mar! A orla da serrania!
Fremem as matas, ri a casaria.
- O abismo... o nevoeiro... a serra... o céu!...
Grotas vencendo, túneis bifurcando,
Grimpa o comboio o Cubatão - parece
Uma enorme serpente, a cauda em S...

Como o animal bravio
Que a flecha transpassou, ruge, redobra o salto,
Cambaleia, e de novo arranca em disparada,
Para cair além... para não mais se erguer. 
Galga o comboio a borda do planalto,
As entranhas em chama, o flanco luzidio,
Num bramido possante de metais,
Num bramido que vai de quebrada em quebrada,
Para cansar, para morrer
Entre coxilhas e pinheirais.

Perdendo a vida ardente que a acrisola,
A serpe enorme - de aço resfriado -
Não mais ruge, nem rilha, nem mais rola
Pelo destino que lhe foi traçado.

Já não ruge, nem rilha, nem mais rola...

- Tal um comboio, após a impetuosa carreira,
Ó alma, não mais tens a tua nevrose ardente!
Outra nova clareira no presente?

Domingos do Nascimento 

(Domingos do Nascimento nasceu no dia 31 de Maio de 1863. Morreu em 1915.)

A ver navios 124

Foto Hernâni Von Doellinger

Guerra-Duval

Porque o meu braço é encordoado em músculos

Porque o meu braço é encordoado em músculos
E pareço talhado para a lida,
Ninguém crê nos meus íntimos crepúsculos...
- Vocês não sabem que eu nasci suicida?

E levantei-me cedo e fui viajar...
Por mais que andasse não saí do mundo,
Por mais que andasse, ia comigo, a andar,
A sombra de um desgosto vagamundo.

E para que viajar? O esforço é inútil.
A desventura é a túnica inconsútil:
A carne é dolorosa, a carne é triste.

Uma viagem só, para o Nirvana,
Que nesta longa travessia humana
Vi o avesso de tudo quanto existe!

Guerra-Duval

(Guerra-Duval nasceu no dia 31 de Maio de 1872. Morreu em 1947.)

Caminho 320

Foto Hernâni Von Doellinger

Ramón Piñeiro 2

Polo carácter cultural da batalla que os intelectuais presentaron, os seu efectos notaríanse na propia forza opoñente antnes que no mesmo pobo. Pouco a pouco, a progresión cultural do galego, con triunfos tales como a penetración na Universidade, na Eirexa, en certos niveis do Ensino, etc., etc., foron virando a mentalidade da poboación urbana e abrindo brecha na súa hostilidade despectiva, moi especialmente nas xeracións mozas. E coa apertura á lingua, ou coa súa aceptación plen, xorde neles unha nova óptica da realidade galega e, a partir dela, unha nova sensibilidade máis solidaria. Na mesma medida en que se acepta a lingua, en que se "galeguiza", a nosa poboación urbana vaise interesando polo destino solidario de Galicia. O vello panorama dunha Galicia fendida entre unha minoría alienada e desprezadora e unha maioría submisa a ese desprezo, vai dando paso a unha Galicia nova na que os fillos daquela minoría comezan a se sentir solidarios da Galicia popular. Como fixeran os intelectuais.
Este camiño da solidariedade, da conciencia común, cuia expresión é a lingua, é o único que pode movilizar intrinsecamente as enerxías creadoras de Galicia como pobo. O único que os pode poñer en condición de loita eficaz contra o noso atraso. A lingua é a bandeira da nosa solidariedade moral, e a solidariedade é a base imprescindible do noso progreso, do noso desenvolvemento, do noso desenvolvemento material e espiritual.

"Olladas no Futuro", Ramón Piñeiro

(Ramón Piñeiro nasceu no dia 31 de Maio de 1915. Morreu em 1990.)

Estou mesmo a ver o filme 51

Foto Hernâni Von Doellinger

Sílvio Meira

Poema VIII

Azuis,
sempre azuis,
os horizontes.
 
Na estrada
flores, sempre flores
vermelhas.
 
No céu
nuvens brancas,
sempre brancas.
 
Não olho para trás
para não chorar.

"Novos e Velhos Cantos", Sílvio Meira

(Sílvio Meira nasceu no dia 14 de Maio de 1919. Morreu em 1995.)

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Festas do Mártir S. Sebastião 2017

Foto Hernâni Von Doellinger

Estão aí a bater à porta. São a festa da minha rua, a bem dizer. A minha festa. As "Grandiosas Festas" (e fazem jus à pompa do nome) em honra do Mártir S. Sebastião, ou, simplesmente e como é cá entre nós, a Festa dos Pescadores de Matosinhos. Este ano, no fim-de-semana de 14 a 16 de Julho, com epicentro na Lota do Pescado do Porto de Leixões, como manda a tradição. Mais informação e programa, aqui.

Theon Spanudis

Paisagem e tropos

[...]
o poema dos montes
o volume azulado
dos montes distantes

os montes gigantes
a testa dos montes
pétrea, firme

o basear-se, fundar-se
nas entranhas da terra
o sigilo das pedras
erguidas no alto

colunas e dedos
expostos nos cumes
áridos, acres
das solidões

a espera infinda
auscultando os minutos

o deslize das horas

o afundar-se no caos
profundo da noite
[...]

Theon Spanudis

(Theon Spanudis nasceu no dia 30 de Maio de 1915. Morreu em 1986.)

De pequenino...

Foto Hernâni Von Doellinger

Wenceslau de Moraes 5

Ha alguns dias, na cidade de Kobe - poderia precisar o dia, e quase a hora, se tamanho rigorismo me exigissem - irrompeu a Primavera. Irrompeu: não há sombra de exagero no vocábulo. Irrompeu, surgiu dum pulo, fez explosão. Neste país do Sol Nascente, onde o sol e, com ele, todas as grandes forças naturais são ainda uns selvagens - se assim posso expressar-me -, uns selvagens sem freio, sem noção das conveniências, incapazes de se apresentarem de visita, de luvas e casaca, numa corte qualquer da nossa Europa; neste país do Sol Nascente, ia eu dizendo, a criação inteira apostou, parece, em oferecer em cada dia uma surpresa, toda ela exuberâncias inauditas, espalhafatos únicos, repentismos nervosos, caprichos doidos, como se reunisse em si a quinta essência da alma das creanças e a quinta-essência da alma das mulheres, a gargalhada, a troça, enfim, motejadora de tudo quanto é ordem, harmonia, contemporizadora lei das transições.

"Paisagens da China e do Japão", Wenceslau de Moraes

(Wenceslau de Moraes nasceu no dia 30 de Maio de 1854. Morreu em 1929.)

Vai, vai, pescador, filho do vento, irmão da aurora 11

Foto Hernâni Von Doellinger

Anne Marie Morris

(Á língua galega)

Marmurio.
Movimento de prata.

O vento errante
zoa no luar.


Voz fuxitiva
nun río perdido
chorando
camiño do mar.


"Voz Fuxitiva", Anne Marie Morris

(Anne Marie Morris nasceu no dia 30 de Maio de 1916. Morreu em 1999.)

Caminho 319

Foto Hernâni Von Doellinger

Xavier Costa Clavell 2

A finais do mes de setembro o meu pai, don Fernando, foi comigo a Santiago. Tiña once anos e ó seguinte mes cumpriría os doce. Ía a escomenzar os estudios do Bacharelato. Quedaban xa lonxe os meus tempos de hospiciano. Agora hospedaríame nunha fonda, cuxa dona, que era de Vimianzo, coñecía ó meu pai. Recomendoulle que cuidara de min. Ela, que se chamaba Fermina, díxolle que non se preocupara. Era unha señora duns cincoenta anos, e moi faladora. Tiña un bo corazón e non daba mal de comer, inda que comíase mellor na casa de don Fernando Filgueira. Os meus compañeiros de hospedaxe, sete, eran todos maiores ca min. Seis ían tamén ao Instituto. Un cursaba segundo ano e os outros xa estaban rematando o Bacherelato. O outro compañeiro chamábase Miguel e e tiña xa vinte anos. Estaba matriculado na Facultade de Ciencias da Información, no primeiro curso. A min resultoume antipático polo ar de superioridade que se daba. Escribía de cando en vez algún artigo no xornal "O Correo Galego". A min non me gustaba ningúns dos que lera. Tiña un estilo rebuscado, que ás veces facía que non se entendera ben o que escribía.
As conversacións que tíñamos ao xantar ou ó cear xiraban xeralmente sobre temas sexuais, cando non estaba presente a señora Fermina. Os meus compañeiros falaban como se foran donxuanes experimentados. A min semellábame que farfallaban e que nada do que dicían era certo. Pero non deixaban de me excitar aquelas charlas de sobremesa.
Eu era virxe. Pero xa fixera máis dunha palla. E cada vez facía máis.
 
"Fillo do Vento", Xavier Costa Clavell
 
(Xavier Costa Clavell nasceu no dia 30 de Maio de 1923. Morreu em 2006.)  

Grilled sea bream, of course

Foto Hernâni Von Doellinger

Soror Violante do Céu

Que suspensão, que enleio, que cuidado
É este meu, tirano deus Cupido?
Pois tirando-me enfim todo o sentido
Me deixa o sentimento duplicado.

Absorta no rigor de um duro fado,
Tanto de meus sentidos me divido,
Que tenho só de vida o bem sentido
E tenho já de morte o mal logrado.

Enlevo-me no dano que me ofende,
Suspendo-me na causa de meu pranto
Mas meu mal (ai de mim!) não se suspende.

Ó cesse, cesse, amor, tão raro encanto
Que para quem de ti não se defende
Basta menos rigor, não rigor tanto.

Soror Violante do Céu

(Soror Violante do Céu nasceu no dia 30 de Maio de 1602. Morreu em 1693.)

domingo, 28 de maio de 2017

Uma cimeira inútil e de sucesso garantido

Foto Hernâni Von Doellinger

Em 1986, a Pousada de Santa Marinha, na Costa, em Guimarães, recebeu a terceira edição de uma coisa chamada Cimeira Luso-Espanhola. Aníbal Cavaco Silva era o primeiro-ministro de Portugal, Felipe González era o presidente do Governo espanhol e eu era jornalista de O Primeiro de Janeiro. Estivemos lá os três, evidentemente.
Tarde e a más horas, o meu jornal lembrou-se de me mandar para o local do crime. Tarde e a más horas quero dizer, no caso em apreço, já depois de a coisa ter começado. E eu fui todo contente, de braço de fora na Catrel com letras, pendurado no Adélio Santos, que era o homem do volante, das fotografias e de outras habilidades e excessos. Eu tinha muita vaidade na minha profissão.
Consegui credenciar-me, com alguns empenhos e uma sorte do caraças, numa esquina do Toural, que, tenho ideia, era posto de turismo mas tratava do assunto. Cheguei lá acima engatilhadíssimo para colocar umas certas e determinadas questões tanto ao Silva como ao González, que os havia de foder, porém mandaram-me para uma sacristia que era a "sala de imprensa" ibérica. Ficámos lá todos de quarentena a contar anedotas uns aos outros, anedotas de espanhóis e portugueses, "Vale, vale...", diziam eles, "Já me tinhas dito...", dizíamos nós. Os jornalistas somos uns gajos com piada. Somos piadéticos sem fronteiras.
A cimeira eram dois dias. Escrevi um primeiro texto, de lançamento da coisa, na véspera da coisa, ainda na redacção, e assinei, com grande lata, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". Creio que na altura era "enviado-especial" que se usava, com hífen, o que dada uma maior cagança à função. Não fui corrigido por quem devia ter tarimba e mais juízo do que eu - portanto estava certo. É preciso que se note: era a minha primeira saída para o "estrangeiro" e, como estão recordados, eu tinha muita vaidade na profissão. Vai daí, fiz as malas e parti da portuense Rua de Santa Catarina rumo ao fim do mundo, onde cheguei passado um bocado.
Naqueles bons velhos tempos, os jornais pagavam extramente as pernoitas aos seus jornalistas e eu fui dormir a Fafe (eu sou de Fafe). Eu estava para fora, era enviado-especial, estão a perceber? O Adélio é que que não concordava comigo, e veio dormir a casa, que lhe dava mais jeito.
Da cimeira, enquanto lá estive, só soube os recados que os chegamissos do Cavaco nos traziam de vez em quando, que a coisa estava atrasada e que "Eles" estavam a discutir isto e aquilo, tudo a correr muito bem para o nosso lado, Portugal 5-Espanha 3. (Não me custa admitir que os llegamessos do González contavam aos jornalistas espanhóis o mesmo resultado mas ao contrário, e acho justo.) A "Eles" só os vi na conferência de imprensa final. E na verdade nem os vi, estava muita gente à minha frente, mesmo sendo "Eles" maiúsculos. E também não os ouvi, mas isso a camaradagem resolveu, dando-me as notas. E eu voltei a assinar, com grande gabarito e por mais três ou quatro vezes, "Hernâni Von Doellinger - enviado-especial a Guimarães". E voltou a sair assim no jornal.
Resumindo e concluindo: como combinado, a Cimeira Luso-Espanhola de Guimarães de 1986 foi um sucesso e a cobertura do enviado-especial de O Primeiro de Janeiro também. O Adélio Santos morreu há cinco anos, parece impossível, e, caro amigo, realmente já se comia qualquer coisinha...

P.S.: Vila Real celebra hoje e amanhã a vigésima nona edição das cimeiras ibéricas. As cimeiras ibéricas são uma espécie de romaria a que só comparecem os membros da comissão de festas. E os jornalistas. E os membros da comissão de festas só comparecem para comer e para beber. E os jornalistas também, por maioria de razão. Costa e Rajoy e respectivos chegamissos e llegamessos, assim respectivamente chamados consoante o respectivo lado do rio, vão almoçar e jantar, fazer umas merendinhas também talvez, dormir uma soneca ou cumprir a siesta, e no fim eles e os jornalistas contam-nos o que nós já sabíamos: falou-se de Ronaldo, um bocadinho ainda de Luís Figo, Mourinho obviamente, Real Madrid e Benfica, Saramago, Salvador Sobral e Paula Rego, e de la geringóncia, por supuesto. Nas cimeiras luso-espanholas nunca se passa nada, mas são sempre um sucesso. Era a continha, se faz favor...

Vida de cão 220

Foto Hernâni Von Doellinger

Adolfo Caminha

No banho

Ninfas do bosque, náiades formosas,
Sátiros, faunos, vinde vê-la agora,
Nua, no banho, esta ideal senhora,
Que em beleza e frescura excede as rosas.

Vinde todos depressa!... Ei-la que cora,
Ei-la que solta as tranças graciosas
Sobre as espáduas níveas, capitosas...
Ei-la que treme à loura luz da aurora...

Tinge-se o céu de cores purpurinas,
O sol desponta; as tímidas boninas
Mostram à luz os cálices dourados.

Vêde-as, ninfas, agora: os nacarados
Lábios, os seios túmidos, nevados,
Segredam coisas ideais, divinas.

Adolfo Caminha

(Adolfo Caminha nasceu no dia 29 de Maio de 1867. Morreu em 1897.)

Mãe, agora sem mãos... 3

Foto Hernâni Von Doellinger

Agustín Fernández Paz

Cando abrín o caixón da esquerda, comprobei que a miña busca finalizará. Alí, gardadas nun coqueto álbum de tapas dun vermello decolorado, estaban as fotos que amosaban a vida da avoa Rosalía antes de casar. Fotos de familia, cos que debían ser seus pais e irmáns, fotos con grupos; de amigas, e tamén fotos individuais, a maioría retratos dos que antes se chamaban "de estudio". E si, contemplalas supúxome unha conmoción, coma se de repente alguén me trasladase no tempo, me arranxase con outras roupas e outro peiteado e me deixase diante do ollo voraz da cámara.
Foi como verme nun espello, só que o espello reflectía outra vida distinta. Aqueles ollos eran os meus, e tamén a boca, e o óvalo da cara. A expresión podía ser diferente, pero Sebastián tiña razón. Os azares xenéticos fixeran de min unha copia física case exacta da miña avoa Rosalía. Era estraño recoñecerme naquelas fotos dun tempo pasado, pois tendemos a pensar que somos únicos e irrepetibles. E si, claro que o somos, mais non no aspecto físico: sempre hai alguns familiares, as veces remotos, que perviven en nós a través dos nosos trazos, coma se nos agasallasen cunha herdanza á que non podemos renunciar.

"Corredores de Sombra", Agustín Fernández Paz

(Agustín Fernández Paz nasceu no dia 29 de Maio de 1947. Morreu em 2016.)

Caminho 318

Foto Hernâni Von Doellinger

Leopoldo Basa Villadefrancos 2

Faltaban des menutos pra que pasara un tren. A noite estaba como o mantelo da Virxe dos Dolores… Por aqueles lugares ninguén pasaba a aquelas horas... cargou Antón co gavilán borracho, andivo como tres centos metros de camiño, e deixando en medio da vía, como quen deixa un refaixo vello, correu a poñe-las señales de que non había novedade; e cando o tres pasou botando centellas, Antón, presinándose, dixo: Díos mo perdone, pro tiña o meu corazón feito un agulleteiro.

Leopoldo Basa Villadefrancos

(Leopoldo Basa Villadefrancos nasceu no dia 29 de Maio de 1866. Morreu em 1947.)

Mobiliário urbano (propriamente dito) 31

Foto Hernâni Von Doellinger

As minhas frases favoritas 114

É de rebimba o malho!...

sábado, 27 de maio de 2017

Se bem me lembro 24

Foto Hernâni Von Doellinger

José Craveirinha 4

Um homem nunca chora

Acreditava naquela história
do homem que nunca chora.

Eu julgava-me um homem.

Na adolescência
meus filmes de aventuras
punham-me muito longe de ser cobarde
na arrogante criancice do herói de ferro.

Agora tremo.
E agora choro.

Como um homem treme.
Como chora um homem!

"Babalaze das Hienas", José Craveirinha 

(José Craveirinha nasceu no dia 28 de Maio de 1922. Morreu em 2003.)

Vai pela sombra 21

Foto Hernâni Von Doellinger

Cyl Gallindo

Limitaram teu corpo com cal e pedra,
quando ainda do teu seio brotava infância,
mas não te destruíram. E no espaço, além,
pelo fio das horas tu tecias
tua imagem, mais que verde, de esperança.

Esta imagem de mansinho se espalhou,
com força e mais bela, no meu sangue,
e nas tardes de outono, com teu nome,
distraía a primavera quase exangue.

Não se rendam jamais à pedra e à cal,
que argamassa se faz, cumprindo horrores.
Cantemos o outono e a primavera,
que são feitos de cantos e de amores.

Vês! que num peito, às vezes, comprimido,
entre algozes e angústias, brotam flores.

Cyl Gallindo

(Cícero Amorim Gallindo, conhecido como Cyl Gallindo, nasceu no dia 28 de Maio de 1935. Morreu em 2013.)

A casa do mar e das palavras

Foto Hernâni Von Doellinger

Miguel Urbano Rodrigues (1925-2017)

Gosto de viver, tento aproveitar bem o tempo que me separa do fim. Mas a alegria de viver difere da que conheci na juventude e se prolongou por muitos anos. Recordo com saudade o que sentia ao contemplar o céu azul do Alentejo, o prazer de cavalgadas nos montados do Guadiana, as horas de meditação sobre a aventura humana em travessias dos Andes e de cordilheiras asiáticas, a suave carícia do banho nas águas turquesa do Caribe, a fúria das cheias nos grandes rios da Amazónia, a euforia da participação em lutas revolucionárias. Na velhice não posso mais sentir o que sentia ao descobrir o mundo. Algo permanece inalterado. A capacidade de amar e a disponibilidade para lutar pela transformação revolucionária do mundo.

"Enquanto a Memória Responde", Miguel Urbano Rodrigues

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Vida de cão 219

Foto Hernâni Von Doellinger

Luís Veiga Leitão

Carta

Lanço as palavras ao papel
como pescador calmo
lança os barcos ao rio.
Só no fundo, no fundo inviolado,
contraio e espalmo
as minhas mãos, mãos de afogado
morrendo à sede.

- Meu amor estou bem -

Quanto te escrevo
ponho os olhos no teu retrato
pendurado nos ferros da minha cama

para que as palavras tenham o sabor exacto
de quem me ouve,
de quem me fala,
de quem me chama.

- Meu amor estou bem -

Ontem vi a Primavera
numa flor cortada dos jardins.
Hoje tenho nos ombros uma pedra
e um punhal nos rins.

- Meu amor estou bem -

Se a morte vier, querida amiga,
à minha beira, sem ninguém,
hei-de pedir-lhe que te diga:

- Meu amor estou bem -


"Latitude", Luís Veiga Leitão

(Luís Veiga Leitão nasceu no dia 27 de Maio de 1912. Morreu em 1987.)

Caminho 317

Foto Hernâni Von Doellinger

Manuel Teixeira Gomes 3

Ainda lhe escrevi mas as cartas voltaram-me recambiadas por insuficiência de endereço.
Esperaria ela que eu a fosse buscar à América? Isso era, precisamente, o que teria feito… se pudesse.
Pobre Margareta! e pobre de mim, que, sem culpa alguma, ainda hoje a sua lembrança me atormenta como um remorso…


"Novelas Eróticas", Manuel Teixeira Gomes

(Manuel Teixeira Gomes nasceu no dia 27 de Maio de 1860. Morreu em 1941.)

Vai, vai, pescador, filho do vento, irmão da aurora 10

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Ruben A. 4

Tu estás convencida há vários anos de que eu não te compreendo. Esta é sempre a teoria das mulheres, que não são compreendidas, que não são queridas, que não são adoradas, as queixas montanhas grandes, queixas enormes, sempre a justificar uma infelicidade que lhes vem lá do fundo da criação do mundo, do útero, da terra, as mulheres reflectem o útero feminino da terra, um útero cheio de aflições, em conclusão, queixam-se de tudo então entre os quarenta e os cinquenta, esse útero funciona nas alturas, é um útero cósmico que já não é parte de uma mulher, pertence à mulher do mundo. Há muita verdade no que dizes, o homem desinteressa-se facilmente, depois do acto do amor, depois logo sacode as penas, arrebita, passa à frente, domina outro mundo, a mulher fica fechada, acanhada nesse encontro muito íntimo, nesse seu mais fundo dos fundos, na identidade uterina com a ideia da criação, da reprodução da génese, salta, salta, forma-se na mulher a visão do caos a que só ela pelo amor pode dar uma nova regra, pelo domínio da paixão, pela companhia, para isso tem de ser compreendida, ela julga que é compreendida, tem de justificar a sua infelicidade pela compreensão do amor, de um outro amor, a mulher busca no outro amor o amor definitivo, amor que nunca aparece, é o poder fantásmico de convicção, que rompe todas as barreiras, a mulher atira-se, não sabe onde nem como, é capaz dos maiores actos de heroísmo clandestino, aparece, vai, surge, abre-se, mostra o que é o amor, a sua entrega total.

"Silêncio para 4", Ruben A.
 
(Ruben A. nasceu no dia 26 de Maio de 1920. Morreu em 1975.)

Estou mesmo a ver o filme 50

Foto Hernâni Von Doellinger

Antônio Bandeira

Só porque é domingo

Só porque é domingo
a mulher do botequim
amanheceu varrendo a calçada
de cabelos encaracolados em aparelhos
para o cinema da noite.

Antônio Bandeira

(Antônio Bandeira nasceu no dia 26 de Maio de 1922. Morreu em 1967.) 

Os passarinhos, tão engraçados 30

Foto Hernâni Von Doellinger

Glória de Sant'Anna

Afirmação
 
A essência das coisas é senti-las
tão densas e tão claras,
que não possam conter-se por completo
nas palavras.
 
A essência das coisas é nutri-las
tão de alegria e mágoa,
que o silêncio se ajuste à sua forma
sem mais nada.
 
"Um Denso Azul Silêncio", Glória de Sant'Anna

(Glória de Sant'Anna nasceu no dia 26 de Maio de 1925. Morreu em 2009.)

Lugares-comuns 535

Foto Hernâni Von Doellinger

Amélia Rodrigues

Saudade

Estou aqui
À sua espera
Como sempre, como antes,
Como amanhã...

Estou aqui,
Só,
Mas acompanhada
De tristeza, solidão,
Desesperança...

Estou aqui
E você não está...
Não tenho vida,
Falta-me ar,
Sinto-me perdida
Na lassitude dos meus
Pensamentos.

Estou aqui
E não me encontro,
Pois uma parte de mim
Dissolveu-se
Quando você partiu...

Estou aqui,
Sem alma,
Carente do seu amor...
De você!

Estou aqui
Entre quatro paredes
Perversas, solitárias
E frias...
Estou aqui
Com a sua lembrança,
Vivenciando a sua ausência
Que representa lágrimas
No meu coração...

Estou aqui,
Chorando,
Onde antes sorri...

Estou aqui,
Sofrendo,
Onde ontem fui feliz!

Estou aqui...
(Ah, estou aqui!)
À sua espera
Como antes, como sempre,
Como amanhã...

Estou aqui
Na ânsia de vê-lo chegar
Cantado, alegre,
Revoltado
(ou mesmo apaixonado!)
E ouvi-lo dizer:
- "Estou aqui!"

Amélia Rodrigues

(Amélia Rodrigues nasceu no dia 26 de Maio de 1861. Morreu em 1926.)

Caminho 316

Foto Hernâni Von Doellinger

Fábio Montenegro

A árvore

Hirta, negra, espectral, chora talvez. Responde 
Seu próprio choro, à voz do vento que a fustiga, 
Ela que ao sol floriu, floriu às chuvas, onde 
A paz é santa, o campo é doce, a noite é amiga...

Essa que esconde a chaga, essa que a história esconde,
Que conhece a bonança e a borrasca inimiga,
já foi flor, foi semente, e, sendo arbusto, a fronde
Ergueu para a amplidão às aves e à cantiga.

Que infinita tristeza o fim da vida encerra 
A quem já pompeou do Sol na própria luz. 
As flores para o céu e a sombra para a terra!

Foi semente, brotou... Árvore transformada, 
Sorriu em cada flor; e hoje, de galhos nus, 
Velha, aguarda a tortura estúpida do nada!

Fábio Montenegro

(Fábio Montenegro nasceu no dia 26 de Maio de 1892. Morreu em 1920.)

Os meus cromos 25: Toli César Machado

Foto Hernâni Von Doellinger

Yde Schloenbach Blumenschein

Aos meus amigos

Não sei como expressar o sentimento
De gratidão imensa que me invade…
Parece até um dos sonhos que eu invento
Essas provas de afeto e de amizade

Que de Vocês recebo. É um monumento
A sua indiscutível lealdade:
Na jornada que há tanto tempo enfrento,
Não pode haver maior felicidade

Que essa de ter amigos como os tenho,
E que, de conservar, tanto me empenho,
Feliz, agradecida, emocionada.

Não sei como dizer... Mas essas provas
De bem querer são esperanças novas
Semeando roseirais em minha estrada.

Yde Schloenbach Blumenschein

(Yde Schloenbach Blumenscheinnasceu, conhecida como Colombina, no dia 26 de Maio de 1882. Morreu em 1963.)

Acabou-se a conversa...

Foto Hernâni Von Doellinger

Os cafés, as mesas de restaurante costumavam ser sítios de conversa, de tertúlia. Ainda os nunos rogeiros e os marcelos rebelos de sousas não tinham sido inventados pela televisão e já nós sabíamos tudo de tudo, primeiro no Peludo e depois no Peixoto, evidentemente em Fafe. Futebol, política, Mário Soares e Álvaro Cunhal, pesca e caça, religião, padres fodilhões, música, alterações climáticas, vinho, teoria da relatividade, teorias da conspiração, medicamentos, bolo com sardinhas, gajas e automóveis, festival da canção, rácios bolsistas e sobretudo motorizadas, Zundapp vs. Sachs, sabíamos na ponta da língua e cada qual dava a opinião que se impunha, a opinião definitiva.
Tínhamos pontos de vista, prismas, ópticas, enfoques, perspectivas e até ângulos. Amontoávamo-nos em duas ou três mesas, perdíamo-nos noite dentro naquela conversa transversal, ecuménica, polifónica, finamente regada, em que toda a gente metia o bedelho, até os filhos da puta dos bufos da Pide, que aproveitavam para incendiar o assunto a ver o que aquilo dava. De uma forma geral, os bufos da Pide não eram nada bufos da Pide: autoproclamavam-se, faziam-se passar por bufos da Pide, só para meterem medo, que era a coisa mais parecida com sexo que conheciam, ou para pavonearem um poder que nunca tiveram, nem em casa. Eram filhos da puta, isso é certo, e em Fafe havia.
O 25 de Abril de 1974 veio realmente liberalizar o paleio à roda do cimbalino, mas nós nem precisávamos. Já há muito que falávamos pelos cotovelos e comíamos tremoços. Ou cascas, à falta de conteúdo e de dinheiro no bolso. Mas não interessava - a conversa, para nós, era tudo.
Portanto agora dá-me pena: de conversa, estamos conversados - acabou-se, até no café, parece-me impossível. Eu, que actualmente não frequento, passo pelas montras e vejo: uma pessoa em cada mesa, cabeça enfiada no computador portátil, telemóvel colado ao ouvido, dedo saltitante a gatafunhar mensagens analfabetas e com carinhas redondas e amarelas, ninguém conhece ninguém, ninguém fala com ninguém, parece que estão todos proibidos uns dos outros.
Nos restaurantes, a mesma merda. A família senta-se à mesa e ninguém pia. Vai-se ao bolso, rapa-se do telemóvel (permitam-me que continue com a gereralização, para mim aqueles aparelhos que não distingo são todos telemóveis) e ignora-se com assinalável obstinação o irmão do lado direito, o padrinho do lado esquerdo, o pai e a mãe em frente, a avó na cabeceira para pagar a conta, ainda por cima. E não são só os miúdos. Também os graúdos, nomeadamente graúdas, cinquentonas, casadas assim assim ou tias praticamente por estrear, esfregando, esfregando o ecrã da lamparina mágica, vai ser desta que vão ser felizes...
É. As pessoas julgam que falam umas com as outras, mas não falam. Aquela ideia romântica de conversa morreu e foi enterrada. As pessoas hoje em dia são perfis, esgotam-se na "conversa" com os "amigos" do Facebook que não conhecem de lado nenhum, talvez valha uma pinadela. As pessoas gastam todas as suas opiniões na Antena Aberta da rádio Antena 1 e no Fórum Sport TV. (Desculpem-me o parêntese: para mim nem é dia nem é nada se não ouço o que têm a dizer o senhor José Fonseca, 45 anos, informático, da Amadora, sobre a problemática do 4-1-3-2 de Jorge Jesus, ou o senhor Afonso Palheta, 53 anos, aposentado, do Marco de Canaveses, a propósito da política de reflorestação do País.). Depois, as pessoas chegam ao café, chegam à mesa do restaurante, ou chegam a casa, sítios da conversa antiga, cara a cara com outras pessoas de carne e osso, e ficam caladas e sós: as pessoas estão vazias. Já disseram tudo e não era nada...

Atenção! As cascas de tremoços eram roubadas da mesa do lado e são, é preciso que se note, o melhor que há logo a seguir aos tremoços propriamente ditos, sobretudo em caso (e era o caso) de cotão nos bolsos. Melhor, só mesmo lamber e raspar com os dentes o papel do pão-de-ló, que era a segunda coisa melhor logo a seguir ao pão-de-ló propriamente dito, que eu via de vez em quando...

P.S.: Embora notoriamente os coelhos não tenham moelas, ninguém cozinhava tão bem as moelas de coelho como o meu amigo Peixoto. Fui lá aqui atrasado, de fugida, para lhe dar um abraço e duas de letra, mas Peixoto de grilo. O malandro passou o negócio e não me avisou, ninguém me avisou. E devia ter saído em edital camarário, com voto de louvor e medalha: afinal, o Peixoto era uma instituição. Foda-se! Aos poucos vão-se-me acabando os motivos para tornar a Fafe...

A ver navios 123

Foto Hernâni Von Doellinger

De longa data

Vinte e quatro de Novembro de mil novecentos e cinquenta e quatro.