Carta
Lanço as palavras ao papel
como pescador calmo
lança os barcos ao rio.
Só no fundo, no fundo inviolado,
contraio e espalmo
as minhas mãos, mãos de afogado
morrendo à sede.
- Meu amor estou bem -
Quanto te escrevo
ponho os olhos no teu retrato
pendurado nos ferros da minha cama
para que as palavras tenham o sabor exacto
de quem me ouve,
de quem me fala,
de quem me chama.
- Meu amor estou bem -
Ontem vi a Primavera
numa flor cortada dos jardins.
Hoje tenho nos ombros uma pedra
e um punhal nos rins.
- Meu amor estou bem -
Se a morte vier, querida amiga,
à minha beira, sem ninguém,
hei-de pedir-lhe que te diga:
- Meu amor estou bem -
"Latitude", Luís Veiga Leitão
(Luís Veiga Leitão nasceu no dia 27 de Maio de 1912. Morreu em 1987.)
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